02 Outubro 2025
Na semana do aniversário da promulgação da Constituição Federal, mobilização indígena cobra conclusão do julgamento que discute direitos indígenas.
A reportagem é publicada por assessoria de comunicação do Cimi, 30-09-2025.
Lideranças indígenas da região sul do Brasil e de Mato Grosso do Sul estão em Brasília (DF) entre os dias 30 de setembro e 3 de outubro, onde realizam uma série de ações, incidências e atos públicos em defesa de seus direitos constitucionais e contra a Lei 14.701/2023, conhecida como Lei do Marco Temporal.
Indígenas dos povos Kaingang, Xokleng, Guarani e Kaiowá, dos estados do Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná e Mato Grosso do Sul, participam da mobilização. A delegação cobra do Supremo Tribunal Federal (STF) a conclusão do julgamento de repercussão geral que trata dos direitos constitucionais indígenas.
As lideranças também reivindicam agilidade na demarcação de seus territórios e um freio à violência contra as comunidades indígenas, que se acirrou nas últimas semanas, especialmente contra comunidades Guarani e Kaiowá no Mato Grosso do Sul.
Cerca de 40 lideranças de diversas comunidades e territórios participam da mobilização, que incluirá uma vigília na região da Praça dos Três Poderes, na quinta-feira (2), prevista para às 17h, e um ato com entrevista coletiva na sexta-feira (3), programada para às 10h, no mesmo local. Na ocasião, será divulgada uma carta à sociedade brasileira. Os indígenas também realizarão incidências junto a órgãos do poder Executivo e assistirão a uma sessão de julgamento da Suprema Corte.
A mobilização ocorre em meio à intensificação da violência contra comunidades indígenas, especialmente no Mato Grosso do Sul, e numa semana marcada por duas datas históricas: os dois anos da conclusão do julgamento de mérito no Tema 1031, que declarou inconstitucional a tese do “marco temporal”; e o aniversário de 37 anos da Constituição Federal, promulgada em 5 de outubro de 1988.
“Este é um momento muito importante de luta em defesa da Constituição Federal. Nós estamos sofrendo muitos ataques, contra nossos territórios e contra nossos direitos originários, conquistados pelos nossos avós, que lutaram muito durante a Constituinte, em 1988. Enquanto a Lei 14.701 estiver em vigor, nossos territórios, nossas comunidades e nossos direitos estão em risco”, afirma Kretã Kaingang, liderança indígena do Paraná e coordenador executivo da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) pela região Sul.
STF e Lei do Marco Temporal
Uma das principais reivindicações da mobilização dos povos indígenas da região Sul e do Mato Grosso do Sul é que o STF conclua o julgamento de repercussão geral sobre os direitos constitucionais indígenas, com a análise dos embargos de declaração e dos pedidos para que a Corte analise a constitucionalidade da Lei 14.701/2023, conhecida como Lei do Marco Temporal.
Em 21 de setembro de 2023, o plenário da Suprema Corte analisou o mérito do caso, que envolve o território do povo Xokleng, em Santa Catarina. Na ocasião, o STF fixou a tese de repercussão geral sobre o tema, na qual reafirma o caráter originário dos direitos indígenas e declara inconstitucionais a tese do marco temporal e outros dispositivos que buscam restringir o direito dos povos originários à demarcação de suas terras.
Na mesma semana, porém, o Senado aprovou o projeto que deu origem à Lei 14.701. Após vetos parciais do presidente Lula, a Lei foi promulgada em dezembro daquele ano.
A Lei chegou a ser questionada por meio de Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs) movidas pela Apib e por partidos políticos, que ficaram sob a relatoria do ministro Gilmar Mendes. Ele estabeleceu uma Câmara de Conciliação para discutir o tema, da qual os povos indígenas se retiraram por considerá-la ilegítima e desequilibrada em sua composição.
Depois de um ano e meio de reuniões, a Câmara produziu um anteprojeto de lei com propostas de alteração na Lei 14.701. Os povos indígenas cobram, por outro lado, que a Lei seja analisada pelo STF no caso de repercussão geral que já tratava do tema. O ministro Edson Fachin, empossado nesta semana como presidente da Corte, é o relator do caso, conhecido como Recurso Extraordinário 1.017.365 ou Tema 1031.
A Lei contraria frontalmente a decisão do STF e tem justificado a paralisação quase completa das demarcações de terras indígenas. Segundo a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), a lei afeta diretamente todas as terras indígenas cuja demarcação ainda não foi concluída.
Violência
Na avaliação das lideranças, a vigência da Lei 14.701 tem fomentado conflitos nas regiões, ao retardar o andamento de processos demarcatórios e forçar os indígenas a buscarem a efetivação de seus direitos por meio de retomadas e ocupações.
Nas últimas semanas, as comunidades Guarani Kaiowá da Terra Indígena (TI) Guyraroka e de Porto Cambira, na TI Dourados-Amambaipegua III, no município de Caarapó (MS), foram atacadas por policiais e jagunços depois de retomarem parte de seus territórios.
“Se dizia que a Câmara de Conciliação iria promover a paz no campo, só que nós não vimos essa paz”, avalia Kretã Kaingang. “A gente precisa que o Recurso Extraordinário seja colocado em pauta o mais rápido possível e que a Lei 14.701 seja julgada inconstitucional, para, aí sim, a gente ter um pouco de paz e poder voltar para os nossos territórios com mais segurança”.
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