08 Mai 2025
"Retomar a terra, para os povos indígenas, é um ato de coragem e de justiça", escreve Roberto Liebgott, do Cimi Regional Sul, em artigo publicado por Conselho Indigenista Missionário (Cimi), 06-05-2025.
No dia 2 de maio ocorreram, simultaneamente, duas importantes retomadas de terras por indígenas no Rio Grande do Sul. Uma em Porto Alegre, no bairro Lami, próxima à Tekoa Pindó Poty, dentro da grande territorialidade Mbya Guarani, mas numa área que foi cercada e hoje serve à exploração madeireira de oportunistas.
Lá as famílias Mbya Guarani se sustentam na esperança de viver num ambiente de paz e tranquilidade. Elas requerem da Funai a demarcação da terra.
Outra Retomada, a Kagma, foi realizada pelos povos Kaingang e Xokleng, em Canoas, Rio Grande do Sul, num terreno abandonado há décadas e que pertence ao Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). Portanto, uma área pública da União, sem destinação social.
Os Kaingang e os Xokleng reconhecem que seus antepassados passaram por aquela região e hoje os conduzem, através dos sonhos e das memórias, de volta para casa.
As retomadas de terras demonstram o contínuo caminhar dos povos, buscando retornar aos seus lugares de ser e viver, dos ancestrais, das memórias e das esperanças de reconstruírem os futuros saqueados dos pés, mãos, corpos e espíritos dos originários filhos e filhas do Brasil.
Retomar a terra é um ato de coragem e de compromisso pela vida e pelos direitos fundamentais, tão maltratados pelas autoridades públicas.
É um ato de justiça, para recompor o que foi tirado. É um ato de amor pelos filhos e netos que precisam de um lugar onde irão gestar o futuro. É um ato de pertencimento àquelas e àqueles que foram expulsos e mortos pelos colonizadores e escravagistas.
Os Kaingang, Xokleng, Mbya Guarani e Charrua, quando retomam seus lugares antigos, não buscam afrontar pessoas ou instituições, eles escancaram as injustiças e reforçam as perspectivas dos direitos às diferenças e de viverem seguros nos seus espaços sagrados, os que ainda restam, em meio ao caos da destruição e da ambição causadas por pessoas que administram um sistema de opressão e dominação, caracterizado, por elas, como sendo um mundo “civilizado”.
Marcia Kambeba, em suas falas e reflexões reforça que: “Retomar não é apenas voltar. É recordar-se! Na caminhada de retorno espiritual, os passos não são apenas físicos: são ecos da alma que se orientam pela memória. Na cosmovisão ancestral aprendemos que tudo está vivo e se comunica: as árvores, os rios, o vento, a palavra. E aí, neste tecido sagrado, a oralidade não é só narrar, ela se torna um rito. E é através dela que a memória respira e que a identidade se refaz. No meu entendimento, a Retomada é também um gesto de escuta. Escutar o que foi silenciado, escutar quem veio antes, escutar o que ainda vive em nós. Retornar é semear o que foi interrompido e permitir que o espírito reconheça novamente o seu lugar no grande círculo da vida”.
Marcia Kambeba expressa os sentidos e sentimentos dos povos que retomam suas terras, mesmo em contextos que foram urbanizados, nas cidades e pelos campos. É o retorno ao convívio das almas que passaram, o retorno ao lugar onde os umbigos foram enterrados. É voltar a ser gente com esperança de novo.
São nesses e em outros movimentos de luta e resistências que devemos nos engajar, apoiar e nos fortalecer. Criando raízes que se enterram tão profundamente que jamais poderão ser arrancadas, mesmo que cortem os galhos e os trocos. Com isso, construiremos um outro mundo possível, cheio de bons sentimentos, bons significados, boas energias e abraçando-nos pelo Bem Viver.