19 Setembro 2024
Em agosto de 2023, a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) conseguiu que o Supremo Tribunal Federal (STF) reconhecesse uma Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) sobre a violência da Polícia Militar contra o povo Guarani e Kaiowá no Mato Grosso do Sul.
A reportagem é publicada por Conselho Indigenista Missionário - Cimi, 18-09-2024.
A ação, após o reconhecimento da Corte Suprema, passou a ser a ADPF 1059, e foi distribuída para o ministro Gilmar Mendes. Sem a deliberação da Corte Suprema até o momento, os episódios que motivaram o ingresso da ADPF, caso do Massacre do Guapo’y, em junho de 2022, voltam a se repetir na Terra Indígena Nhanderu Marangatu, com a morte de Neri Guarani e Kaiowá nesta quarta-feira (18).
Entre as propostas levadas ao STF pela ADPF, a Apib pede que “seja concedida uma medida cautelar e que a secretaria de segurança pública elabore um plano de enfrentamento à violência policial”. A ADPF também propõe a instalação de equipamentos de GPS e sistemas de gravação de áudio e vídeo nas viaturas policiais e nas fardas dos agentes de segurança com o devido armazenamento digital dos arquivos.
A ADPF pede ainda a elaboração de um plano, no prazo máximo de 90 dias, visando o controle de violações de direitos humanos pelas forças de segurança. O plano deve conter medidas voltadas à melhoria do treinamento dos policiais, protocolos públicos de abordagem policial e busca pessoal e prever a participação de lideranças das comunidades afetadas em todo o processo de elaboração do plano.
Na ocasião, a Apib ressaltou que “operações sem mandado judicial é prática comum por parte da segurança pública do Mato Grosso do Sul, onde a PM realiza operações sem considerar determinações legais e opera como milícia privada dos fazendeiros da região. O documento também aponta que as operações nos territórios ancestrais ocorrem sem a presença de um representante da União ou da Funai (Fundação Nacional dos Povos Indígenas)”.
PM em Nhanderu Marangatu
Manifestação contrária do STF à presença da PM do Mato Grosso do Sul em terras indígenas poderia ter evitado a morte de Neri Guarani e Kaiowá na manhã desta quarta (18), em Nhanderu Marangatu. Conforme as assessorias jurídicas da Apib e do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), a PM tem atuado nas terras indígenas como segurança privada de fazendeiros, além de promover despejos forçados sem a necessidade de decisão judicial.
Para piorar, a PM tem feito parte de uma ‘ação entre amigos’. A assessora Especial da Casa Civil do Governo Estadual do Mato Grosso do Sul, a advogada ruralista Luana Ruiz é também a advogada da ação deferida pela Justiça Federal de Ponta Porã que determina a proteção da Fazenda Barra, sobreposta à TI Nhanderu Marangatu, palco da violência que vitimou de maneira fatal Neri Guarani e Kaiowá.
Luana é também filha de Roseli Ruiz e Pio Queiroz Silva, autores da ação e proprietários da Fazenda Barra. De tal maneira que a Justiça Federal autorizou a polícia estadual, cujo chefe é o governador do Estado, Eduardo Riedel, a servir como segurança privada da fazenda da família da assessora da Casa Civil. Conforme os advogados, justamente para evitar tais enlaces políticos regionais que a atuação em áreas indígenas deve ser prioridade da Polícia Federal e da Força Nacional.
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