Alguns temas da “conciliação” são cláusulas pétreas que não deveriam mais ser debatidas como Direito Originário, afirma o secretário executivo do Ministério dos Povos Indígenas.
A reportagem é publicada por ClimaInfo, 09-08-2024.
A mesa de “conciliação” proposta pelo ministroGilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), quer debater Direitos Originários dos Povos Indígenas, garantidos pela Constituição, que por isso são inquestionáveis. Um deles é o direito ao território, colocado em xeque pela lei 14.701/23, aprovada pelo Congresso, que estabeleceu o marco temporal. Tese já declarada inconstitucional pelo próprio STF.
Isso faz com que os indígenas considerem a tal “conciliação” como se fosse um “3º tempo” após o fim da partida, explica Eloy Terena, secretário executivo do Ministério dos Povos Indígenas (MPI). “O Supremo já disse que é inconstitucional, e, novamente, reabre a discussão para fazer com que os indígenas se sentem à mesa para tentar conciliar determinados interesses sobre seus territórios”, disse ele em entrevista à Míriam Leitão n’O Globo.
Gilmar reuniu na proposta vários temas, entre eles cláusulas pétreas que não deveriam ser debatidos mais, já que são Direito Originário, afirma Terena. Mas explica que há outros assuntos que ainda carecem de um melhor debate e que o governo federal precisa enfrentar, querendo ou não.
“Ele [Gilmar Mendes] trouxe outros temas atrelados, como, por exemplo, a indenização aos proprietários. Atrelou também uma outra ação declaratória de funcionalidade e uma de omissão que trata da mineração em Terras Indígenas, temas que a Constituinte de 1988 deixou para depois, porque já naquela época era difícil de se tocar nesse assunto”, detalhou.
O secretário do MPI fez questão de frisar que quem representa os indígenas na “conciliação” é a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil(APIB). “A presença do Ministério dos Povos Indígenas e da FUNAI, hoje liderados por indígenas, não substitui a presença dos Povos Indígenas. Foi um entendimento claro que deixamos”. Por isso, se a APIB se retirar da mesa, como avalia fazer, sua continuidade não faz sentido.
“Defendi a APIB como a organização legítima para estar sentada ali e fazer a representação legítima dos Povos Indígenas. Portanto, se a APIB sair da mesa, não há por que prosseguir. Até porque eles são os maiores interessados e impactados. Não exercemos esse papel de tutela representativa dos Povos Indígenas, isso é um resquício do passado. Hoje os Povos Indígenas têm legitimidade para atuar na jurisdição constitucional.”
Terena também falou sobre os ataques violentos que os Guarani-Kaiowá e outros Povos Indígenas vêm sofrendo. E relaciona a escalada da violência à insegurança jurídica que a lei do marco temporal provoca – por isso a APIB exige a suspensão imediata da lei. E a insegurança é agravada pela “conciliação” proposta pelo STF para discutir uma legislação inconstitucional.
O Globo, Nexo Jornal, Repórter Brasil, UOL e ISA repercutiram a “conciliação” do STF.