O fantasma do antissemitismo e a coragem da verdade. Artigo de Sergio Labate

Foto: Anadolu Ajansi

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21 Outubro 2025

"O antissemitismo também foi isto: uma guerra contra a memória, um deslizamento progressivo em direção a um regime de poder que negou a evidência da verdade. E o preço que se paga, quando o poder aniquila a coragem da verdade, é muito, muito alto", escreve Sergio Labate, professor de filosofia na Università di Macerata, Itália, em artigo publicado por Domani, 20-10-2025. A tradução é de Luisa Rabolini.

Eis o artigo.

O fantasma do antissemitismo é o dispositivo de legitimação dos novos projetos autoritários. Eles se autodenominam democráticos não porque respeitam os direitos humanos, mas porque proíbem por lei dizer a verdade, quando essa verdade for inconveniente e diz respeito apenas e somente às políticas do governo israelense. No entanto, o antissemitismo também foi isto: uma guerra contra a memória, um progressivo deslizamento em direção a um regime de poder que negou a evidência da verdade.

Poder e verdade travam uma guerra implacável e recíproca, desde Sócrates. Em última análise, a infeliz conferência organizada pela UCEI no CNEL há alguns dias pode ser lida como um episódio (muito marginal) desse conflito.

Que o poder faça guerra à verdade é algo que todos nós compreendemos. Sempre soubemos disso, não apenas neste período em que até mesmo a evidência de um genocídio é subvertida pelo discurso do poder. Menos frequentemente, lembramos que dizer a verdade é quase sempre um ato de coragem – Siegfrido Ranucci sabe algo disso. Um grande filósofo, em sua fase mais inspirada, nos lembrou que a tarefa do intelectual é esta: dizer a verdade diante do poder que a nega. É preciso coragem para escolher a verdade contra o poder, especialmente em tempos em que o poder está interessado em negar qualquer discurso que não seja o seu. Estava pensando sobre tudo isso nestes dias, enquanto buscava uma resposta sobre a motivação política por trás das posições expressadas pela Ministra Eugenia Roccella: qual o sentido de separar o antissemitismo do fascismo?

Proibir a verdade

A resposta mais imediata já é bem conhecida. O fantasma do antissemitismo está sendo agitado pelos novos governos autoritários: eles podem implementar políticas iliberais, desrespeitar os direitos fundamentais, perseguir minorias de qualquer tipo, bombardear crianças e mulheres com a desculpa do efeito colateral, com a única condição de defenderem o governo Netanyahu.

A vigilância contra o antissemitismo está se tornando não o que sempre foi – uma bússola universal para afastar qualquer coisa que se assemelhe a uma perseguição de populações inteiras com base na negação do atributo da humanidade –, mas o dispositivo de legitimação para novos projetos autoritários.

Eles se autodenominam democráticos não porque respeitam os direitos humanos, mas porque proíbem por lei (é isso que Maurizio Gasparri quer fazer, certo?) dizer a verdade, se essa verdade for inconveniente e se referir apenas e somente às políticas do governo israelense.

Defender as universidades

Mas há também uma resposta menos imediata. Percebe-se isso quando Roccella passa da questão do antissemitismo para a obsessão em relação às universidades. "Lugares de não reflexão", assim os define.

Ora, numa coisa concordo: as universidades não estão bem de saúde, e um professor universitário tem efetivamente cada vez menos espaço para a reflexão, mesmo que ainda queira, obrigado como é em conciliar as exigências das empresas que ditam o conteúdo de sua pesquisa e as anunciadas reformas que estão prestes a colocar as universidades sob controle direto do governo (parece familiar? A mim, sim).

Mesmo assim, se ainda há algo que me traz orgulho de fazer parte daquele mundo, é justamente o que escandaliza Roccella: o fato de que dentro das universidades há alguns que ousam exercer a coragem da verdade. Um dos segredos da democracia é que nem todas as reflexões são iguais: há aquelas que servem para justificar o discurso do poder e aquelas que servem para dizer a verdade contra o poder. Que as universidades ataquem os governos é sempre sinal de democracia. Que os governos ataquem as universidades, ao contrário, nada mais do que um sinal de como a guerra entre poder e verdade é uma das mesas fundamentais sobre as quais se desenrola a nova ordem autoritária que está se impondo.

Guerra contra a memória

Há um último ponto que gostaria de enfatizar. A lição do antissemitismo também servia a este propósito: lembrar que uma das maneiras pelas quais se pode chegar a negar a humanidade de um povo é a perseguição progressiva daqueles que têm a coragem da verdade, a ponto de permitir que apenas o discurso do poder fale.

O antissemitismo também foi isto: uma guerra contra a memória, um deslizamento progressivo em direção a um regime de poder que negou a evidência da verdade. E o preço que se paga, quando o poder aniquila a coragem da verdade, é muito, muito alto. Não sou eu quem diz isso, mas alguém que — pelo menos ele — não acredito que possa ser tachado de antissemita.

Seu nome era Primo Levi: "Toda a história do breve 'Reich Milenar' pode ser relida como uma guerra contra a memória, falsificação orwelliana da memória, falsificação da realidade, até à fuga definitiva da própria realidade. Todas as biografias de Hitler, embora divergindo quanto à interpretação a ser dada à vida desse homem tão difícil de classificar, concordam quanto à fuga da realidade que marcou seus últimos anos, especialmente a partir do primeiro inverno russo. Ele havia proibido e negado a seus súditos o acesso à verdade, contaminando sua moral e sua memória; mas, em grau cada vez maior, até à paranoia do Bunker, também havia barrado o caminho da verdade para si mesmo. Sua queda não foi apenas uma salvação para a raça humana, mas também a demonstração do preço que se paga quando se adultera a verdade."

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