Liberar o antissemitismo: o outro desastre de Netanyahu. Artigo de Gianni Oliva

Benjamin Netanyahu | Foto: U.S. Government

Mais Lidos

  • Zohran Mamdani está reescrevendo as regras políticas em torno do apoio a Israel. Artigo de Kenneth Roth

    LER MAIS
  • Os algoritmos ampliam a desigualdade: as redes sociais determinam a polarização política

    LER MAIS
  • Contragolpe: Congresso e agronegócio preparam o bote em meio à histórica prisão dos militares. Destaques da Semana no IHUCast

    LER MAIS

Revista ihu on-line

O veneno automático e infinito do ódio e suas atualizações no século XXI

Edição: 557

Leia mais

Um caleidoscópio chamado Rio Grande do Sul

Edição: 556

Leia mais

Entre códigos e consciência: desafios da IA

Edição: 555

Leia mais

23 Setembro 2025

"Netanyahu e a sua guerra liberaram o "antissemitismo", e essa é a pior forma de negação da história: porque as vítimas dessa distorção semântica não são os terroristas do Hamas, mas os judeus exterminados nas câmaras de gás de Hitler, reduzidos a uma invectiva política estéril e instrumental", escreve Gianni Oliva, historiador italiano, em artigo publicado por La Stampa, 22-09-2025. A tradução é de Luisa Rabolini.

Eis o artigo.

Diante do matadouro de Gaza, a semântica quase parece uma provocação: crimes de guerra, genocídio, limpeza étnica, massacre... Seja qual for o nome, "matadouro" continua sendo. Mas as palavras são a tradução imediata da memória e, como tais, transmitem ensinamentos (ou, inversamente, omissões).

Tomemos o termo "fascista": até o final da década de 1960, ele resumia os horrores da guerra e da intolerância e foi um dos pilares fundadores da consciência republicana. Para os mais atentos, remetia às leis raciais, ao Tribunal Especial e a Matteotti; mas para todos, remetia à declaração de guerra de 10 de junho de 1940, à aliança com Hitler, aos soldados mortos nos Bálcãs, na Rússia, na África, às cidades bombardeadas, aos opositores "crucificados nos postes de telégrafo".

Depois de 1968, em meio à radicalização dos Anos de Chumbo, o significado histórico se perdeu, e para muitos militantes (ou pseudomilitantes), "fascista" tornou-se qualquer um que tivesse uma opinião diferente: “fascista” era o professor universitário que queria usar a sala de aula para dar aula em vez de assembleia; fascista era Carlo Casalegno (um partidário do Partido de Ação) porque em seus artigos denunciava o risco das derivas terroristas; fascista e liberticida era Paolo Emilio Taviani, Ministro do Interior (que em 26 de abril de 1945 havia anunciado a libertação de Gênova em uma mensagem à BBC); e com eles, fascistas eram muitos outros.

Desvinculado de sua referência histórica, "fascista" torna-se um termo liberado, um simples vitupério da disputa política: e assim se abre o caminho para zerar a memória, onde os Vinte Anos se tornam apenas mais uma página do passado e deixam de servir de alerta para o presente.

Com o "comunismo", a situação foi diferente pela simples razão de que o sistema da União Soviética entrou em colapso não por causa de guerra ou por uma revolução, mas por implosão interna: setenta anos de ditadura desapareceram no fragor do Muro de Berlim derrubado, praticamente sem uma vítima. O comunismo despertou profunda aversão e fé igualmente radicais, mas, no imaginário coletivo, seu desaparecimento não foi acompanhado por uma limpeza da história. No jargão político, "comunista" é usado hoje como era ontem, numa indiferente demonização: "comunista" pode ser o salário mínimo, "comunista" o imposto sobre a riqueza, "comunistas" todos os governos italianos não de centro-direita. Com o resultado de que ele também é reduzido pela maioria a uma simples palavra execrada, que, como tal, serve para liquidar os problemas em vez de compreendê-los.

As políticas de Netanyahu e de seu governo estão realizando o mesmo processo com o termo "antissemitismo". Durante décadas, "antissemitismo" significou o mal absoluto; resumiu em si a vergonha do Holocausto, a ferocidade da intolerância, a brutalidade da violência. Mas se "antissemita" se torna o termo com que se rotulam os protestos contra os massacres de Gaza, se a tragédia do passado é explorada para encobrir os crimes de hoje, se até mesmo os judeus que protestam nas ruas de Tel Aviv são acusados de serem "antissemitas", então "antissemitismo" é reduzido a uma acusação desvinculada da história.

Entre os tantos escombros humanos, políticos e materiais que as políticas de Netanyahu deixarão para o futuro, há também um escombro ético-cultural: ter esvaziado a memória do antissemitismo do horror que o acompanhou e que educou as gerações que cresceram depois de 1945. É essa memória que por décadas ensinou a tolerância, que inspirou os textos constitucionais mais avançados: acima de tudo, é a memória que formou os tantos jovens que leram O diário de Anne Frank ou Se isto é um homem, os adultos que choraram no museu de Auschwitz, os espectadores que se comoveram com o sorriso amargo de A vida é bela.

Netanyahu e a sua guerra liberaram o "antissemitismo", e essa é a pior forma de negação da história: porque as vítimas dessa distorção semântica não são os terroristas do Hamas, mas os judeus exterminados nas câmaras de gás de Hitler, reduzidos a uma invectiva política estéril e instrumental.

Leia mais