A crueldade passa pelas palavras e pela expressão comprazida de Trump e Bibi

Foto: Wikimedia Commons

Mais Lidos

  • Cristo Rei ou Cristo servidor? Comentário de Adroaldo Palaoro

    LER MAIS
  • “Apenas uma fração da humanidade é responsável pelas mudanças climáticas”. Entrevista com Eliane Brum

    LER MAIS
  • Sheinbaum rejeita novamente a ajuda militar de Trump: "Da última vez que os EUA intervieram no México, tomaram metade do território"

    LER MAIS

Revista ihu on-line

O veneno automático e infinito do ódio e suas atualizações no século XXI

Edição: 557

Leia mais

Um caleidoscópio chamado Rio Grande do Sul

Edição: 556

Leia mais

Entre códigos e consciência: desafios da IA

Edição: 555

Leia mais

20 Outubro 2025

"Great job! Thank you", assim o presidente dos EUA parabenizou Netanyahu. Mas as palavras são pedras. Como se pode chamar de "trabalho" um massacre que durou dois anos, que causou a morte de mais de 60 mil pessoas?

O questionamento é do antropólogo italiano Marco Aime, professor da Universidade de Gênova, em artigo publicado por Domani, 18-10-2025. A tradução é de Luisa Rabolini.

Eis o artigo.

"Great job! Thank you." Essas foram as palavras com que Donald Trump agradeceu a Benjamin Netanyahu: "Bom trabalho! Obrigado." Depois de dizer, com um sorriso nos lábios, em tom de brincadeira entre amigos no bar: "Eu lhe dei as melhores armas e você as usou bem."

Silêncio.

A chefe do governo italiano gritou sua indignação, com seu habitual repertório de caretas, voz estridente e frases berradas, por uma infeliz piada de Maurizio Landini, que a chamou de "cortesã de Trump".

Claro, o secretário da CGIL poderia ter se expressado melhor, e acredito que por "cortesã" ele quisesse dizer subserviente, a serviço de, não prostituta, para o que o termo "cortesã" é mais uma metáfora.

Mas sobre “Great job! Thank you", nem uma palavra.

"Trabalho", esse termo já havia sido usado pelo primeiro-ministro israelense nas Nações Unidas: "Nós terminaremos nosso 'trabalho'". Como um mecânico que precisa terminar de consertar um carro ou um pintor que precisa concluir a pintura de uma parede. Trabalho, como se pode definir assim um massacre que durou dois anos, causando a morte de mais de sessenta mil pessoas? Não é apenas o cinismo verbal dos dois "trabalhadores" que causa indignação, é seu distanciamento delirante de toda forma de humanidade. É a versão 2.0 da banalidade do mal. Daqueles que, como muitos líderes nazistas, perpetuavam massacres diários, calculando custos, compilando tabelas com números, como a rotina normal de um empregado dos correios.

"O que você esperava? Garras? Imensos dentes afiados? Saliva verde? Loucura?", escreve Leonard Cohen num seu pungente poema. Eis o erro: pensar que os maus são como em certos filmes de baixo orçamento, facilmente reconhecíveis pelo olhar ameaçador. Em vez disso, a crueldade passa pelo ar comprazido de Donald e Bibi, que se parabenizam pelo trabalho bem-feito, como dois artesãos contemplando sua bela obra. Também passa pelo silêncio dos chamados "grandes do mundo", que na verdade são pequenos cortesãos (no sentido de servis, se não aduladores), que permaneceram em silêncio diante daquelas palavras.

A desumanização: esse é o primeiro elemento necessário para fazer um "bom trabalho", reduzir as vítimas a objetos dos quais nem mesmo vale a penas contar o número. Coisas sobre as quais se pode até brincar, apenas para passar no momento seguinte a falar de negócios, de projetos de reconstrução, assim que as fumaças dos bombardeios se dissiparem.

Um jogo a que imediatamente se prestaram também os nossos governantes que, tapando os ouvidos para não ouvir os gritos de dor de tantas, demasiadas pessoas que perderam seus entes queridos, imediatamente se apressaram, como bons cortesãos, a disputar um lugar no negócio Gaza.

Esse é o sinal da pequenez de muitos políticos, os mesmos que, apoiados por uma mídia cúmplice, acabam desviando a atenção dessas tragédias, negando os fatos, como no caso da porta-voz da RAI e de outras figuras políticas, ou concentrando-a em pequenas escaramuças internas. As palavras são pedras, e a linguagem é um terrível teste decisivo para a compreensão das perigosas mudanças que estão ocorrendo em nossa sociedade, cada vez mais desatenta. Ao permanecermos indiferentes, o grau de aceitação sobre cada vez mais, até considerarmos normal tudo isso. Comparar uma ação militar visando um massacre a um "trabalho" é uma pesada obra de camuflagem lexical, que também revela as intenções de realizar uma eliminação completa de um povo: um genocídio. Recordemos os versos de Bertolt Brecht: "Suplicamos expressamente: não aceiteis o que é de hábito como coisa natural, pois em tempo de desordem sangrenta, de confusão organizada, de arbitrariedade consciente, de humanidade desumanizada, nada deve parecer natural nada deve parecer impossível de mudar."

Leia mais