16 Outubro 2025
O aumento da presença de grupos armados, somado à escassez de recursos e ao enfraquecimento institucional, agrava uma crise humanitária que atravessa todo o território haitiano.
A informação é publicada por Página|12, 16-10-2025.
O número de deslocados pela violência e instabilidade no Haiti atingiu níveis sem precedentes, com mais de 1,4 milhão de pessoas obrigadas a abandonar suas casas neste ano, a cifra mais alta já registrada no país, informou nesta quarta-feira a Organização Internacional para as Migrações (OIM). Esse número representa um aumento de 36% em relação ao final de 2024, de acordo com o último relatório da Matriz de Seguimento de Deslocados (DTM) da OIM.
Segundo o documento, a crise está se expandindo muito além da capital, já que quase dois terços (64%) dos novos deslocamentos ocorreram fora de Porto Príncipe, especialmente nos departamentos do Centro e Artibonite (ao norte da capital), confirmando a tendência observada em avaliações anteriores. A OIM alertou que os acampamentos de deslocados estão superlotados e enfrentam escassez de serviços básicos.
Além disso, o número de acampamentos espontâneos aumentou gradualmente de 142 em dezembro passado para 238 atualmente, segundo a organização. As comunidades locais continuam suportando a maior parte da carga, acolhendo cerca de 85% dos deslocados, apesar da crescente pressão sobre seus recursos limitados, afirmou a OIM.
Mulheres e crianças são os mais afetados pelo conflito e representam mais da metade de todas as pessoas deslocadas no Haiti. Muitas famílias foram separadas, já que pais enviam seus filhos para viver com parentes em áreas mais seguras, numa tentativa desesperada de protegê-los. Ao mesmo tempo, ao longo da fronteira com a República Dominicana, comunidades enfrentam pressão adicional, já que mais de 207 mil haitianos deportados regressaram ao país desde janeiro de 2025, segundo dados da OIM.
A organização internacional informou que ampliou suas operações para além da área metropolitana de Porto Príncipe, reforçando sua presença nas zonas provinciais afetadas pela violência. As equipes da OIM em campo estão fornecendo abrigo de emergência, água potável, serviços de saúde, apoio psicossocial e de saúde mental, serviços de proteção e oportunidades de subsistência a famílias vulneráveis.
A OIM voltou a pedir à comunidade internacional que aumente o financiamento e facilite o acesso, garantindo que a ajuda urgente chegue aos mais necessitados, ao mesmo tempo em que se investe em soluções de longo prazo que enfrentem as causas do deslocamento. Sem apoio imediato e contínuo, o sofrimento de centenas de milhares de haitianos deslocados e deportados só vai piorar, alertou a instituição.
Para Grégoire Goodstein, chefe de missão da OIM no Haiti, a gravidade dessa crise exige uma resposta mais forte e sustentada. A generosidade das comunidades haitianas que acolhem pessoas deslocadas precisa ser acompanhada de um renovado apoio internacional. O que se necessita agora são soluções sustentáveis que restaurem a dignidade, fortaleçam a resiliência e criem alternativas duradouras para quem suporta essa longa e complexa crise, afirmou Goodstein.
O nível de violência no país não cessa. Segundo um relatório publicado no sábado pela Rede Nacional de Defesa dos Direitos Humanos (RNDDH), grupos armados perpetraram 24 massacres e ataques armados no departamento de Artibonite entre janeiro e setembro deste ano, alguns executados simultaneamente em várias zonas, causando enormes perdas humanas e materiais, além de diversos feridos por disparos e armas brancas.
Dezenas de pessoas foram assassinadas em Artibonite, 84 contabilizadas pela RNDDH, o que representa uma média de três vítimas por episódio de violência e três assassinatos por mês durante os primeiros nove meses do ano nesse departamento. O país vive um contexto de crise e violência em que, segundo dados do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos, cerca de 4.239 pessoas foram mortas nos primeiros oito meses de 2025.
A desnutrição infantil e a fome também aumentaram de forma alarmante no Haiti, onde 51% da população sofre níveis agudos de fome, um novo recorde histórico para o país, segundo dados publicados na segunda-feira pelo Programa Mundial de Alimentos (PMA). Um número recorde de 5,7 milhões de pessoas enfrenta atualmente níveis agudos de fome, um aumento de 3% em relação ao ano passado, informou o PMA em comunicado, citando dados da Classificação Integrada em Fases da Segurança Alimentar (CIF).
Se as tendências atuais persistirem, mais de 5,9 milhões de pessoas poderão enfrentar insegurança alimentar aguda ou pior até março de 2026, de acordo com o PMA, que aponta que, nos departamentos do Noroeste e Oeste, incluindo Porto Príncipe, as taxas de desnutrição atingiram níveis críticos (fase 4) ou superiores. No comunicado, Wanja Kaaria, diretora do PMA no país, afirma que a organização intensificou sua resposta para alcançar um número recorde de 2,2 milhões de haitianos este ano, mas as necessidades ainda superam os recursos disponíveis.
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