15 Outubro 2025
O Vaticano anunciou na segunda-feira que um painel de juízes foi nomeado para julgar o caso do Padre Marko Rupnik, um sacerdote esloveno acusado de abusos sexuais, psicológicos e espirituais em série contra dezenas de vítimas, após uma revisão de evidências que durou dois anos.
A informação é de Elise Ann Allen, publicada por Crux, 13-10-2025.
Em um comunicado de 13 de outubro, o Dicastério para a Doutrina da Fé (DDF) do Vaticano informou que um painel de cinco juízes foi designado para julgar o caso contra Rupnik, ex-jesuíta e artista celebridade cujas obras ainda decoram santuários e capelas em todo o mundo.
O DDF afirmou que o painel é composto "por mulheres e clérigos que não fazem parte do Dicastério para a Doutrina da Fé e que não ocupam nenhum cargo nos dicastérios da Cúria Romana".
"Isso visa garantir melhor, como em qualquer processo judicial, a autonomia e independência do referido Tribunal", disseram.
Não foi informado que tipo de procedimento está sendo conduzido — se será um julgamento canônico completo ou um procedimento administrativo acelerado — no entanto, fontes com conhecimento do caso disseram ao Crux, sob anonimato, que todos os juízes são europeus, o que facilita a realização de encontros em um processo que provavelmente será longo e complicado, dado o alto perfil do caso de Rupnik.
Rupnik, de 70 anos, é acusado de abusar sexualmente e manipular pelo menos 40 mulheres diferentes, a maioria religiosas que pertenciam à Comunidade Loyola, que ele ajudou a fundar em sua terra natal, a Eslovênia, nos anos 1980.
Ex-membro da ordem dos Jesuítas, Rupnik é um dos artistas modernos mais prolíficos da Igreja Católica, com inúmeras igrejas e santuários em todo o mundo contendo suas obras, incluindo no Vaticano, bem como em locais de peregrinação mundialmente famosos, como o santuário de cura em Lourdes, na França.
Em 2021, quando o Papa Francisco, também jesuíta, ainda estava vivo, nove ex-membros da Comunidade Loyola apresentaram denúncias ao Vaticano sobre os abusos cometidos por Rupnik, mas quando as acusações vieram a público em outubro de 2022, a então Congregação para a Doutrina da Fé, liderada pelo cardeal jesuíta espanhol Luis Ladaria, recusou-se a abrir um inquérito canônico formal, citando o prazo de prescrição para abuso de adultos — embora essa disposição tenha sido ignorada em outros casos.
Apesar da decisão do DDF, a ordem jesuíta proibiu Rupnik de exercer o ministério e impôs restrições às suas viagens e à aceitação de novos projetos artísticos. Em dezembro de 2022, a ordem convidou outras possíveis vítimas a se manifestarem, resultando em mais 15 denúncias.
Após recusar-se a cooperar com a investigação interna dos jesuítas, Rupnik foi expulso da ordem por desobediência em junho de 2023.
Em meados de setembro de 2023, o Papa Francisco recebeu um aliado próximo de Rupnik, que publicamente classificou as acusações de abuso como uma forma de “linchamento”. Dias depois, uma investigação conduzida pela Diocese de Roma deu, essencialmente, um parecer favorável ao Centro Aletti, onde Rupnik vivia e produzia suas obras em Roma.
Na época, após ser expulso dos jesuítas, Rupnik foi incardinado na Diocese de Koper, na Eslovênia, e parecia livre para exercer seu ministério sem impedimentos. No entanto, após forte reação pública, o Papa Francisco, em outubro de 2023, voltou atrás e suspendeu o prazo de prescrição no caso Rupnik, permitindo o andamento de um julgamento canônico.
Desde então, o caso permanece em aberto, com o Vaticano mantendo silêncio sobre o andamento do processo e sem previsão de conclusão.
Quase um ano atrás, o arcebispo americano John Kennedy, secretário do DDF e chefe da seção disciplinar, afirmou que a investigação estava em estágio avançado.
Enquanto isso, o prefeito do DDF, o cardeal argentino Dom Víctor Manuel Fernández, declarou em maio que juízes estavam sendo nomeados, mas que era difícil encontrar candidatos adequados, dada a atenção midiática que o caso Rupnik atraiu.
Até recentemente, após a eleição do Papa Leão XIV, obras de Rupnik ainda estavam visíveis em alguns sites do Vaticano, incluindo o do Dicastério para a Comunicação, cujo prefeito, Paolo Ruffini, já defendeu Rupnik e sugeriu que as acusações contra ele não seriam tão graves por não envolverem menores.
O Dicastério para a Comunicação também emprega Natasa Govekar, uma eslovena que atua como chefe do departamento pastoral-teológico do dicastério e que trabalhou por anos com Rupnik em seu estúdio em Roma, o Centro Aletti.
Todos os cinco juízes nomeados para o caso são da Europa, o que significa que podem compartilhar uma impressão comum de como o caso se desenrolou nos últimos dois anos, especialmente no Ocidente, onde Rupnik e sua obra são mais conhecidos.
No entanto, mesmo dentro do contexto europeu, há abordagens diferentes sobre como o caso pode ser julgado, dependendo do país.
A abordagem de países como Alemanha, Holanda, Bélgica e Irlanda, geralmente mais rigorosa e voltada à acusação, tende a ser diferente da de países como Espanha, Itália e Portugal, que costumam ser mais brandos e atentos ao devido processo legal, em vez de buscar uma condenação rápida e firme.
Caso o processo seja conduzido como um julgamento canônico completo, ainda poderá levar meses até uma conclusão — em um processo que deixou as vítimas de Rupnik frustradas e os fiéis indignados com o atraso na justiça.
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