Carta de Pizzaballa: "Hoje é o primeiro passo para a construção da paz"

Foto: Mazur/Catholic Church England and Wales/Flickr

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06 Outubro 2025

"Não sabemos se esta guerra realmente terminará, e o fim da guerra não marca necessariamente o início da paz. Mas é o primeiro passo indispensável para começar a construí-la", escreve o Cardeal Pierbattista Pizzaballa aos fiéis do Patriarcado de Jerusalém. O plano de Donald Trump para Gaza como uma oportunidade para reverter a tendência.

A reportagem é de Giacomo Galeazzi, publicada por La Stampa, 05-10-2025. A tradução é de Luisa Rabolini.

"Pela primeira vez, as notícias finalmente falam de um possível novo capítulo positivo: da libertação dos reféns israelenses, de alguns prisioneiros palestinos e da cessação dos bombardeios e da ofensiva militar", observa o patriarca. "É um primeiro passo importante e há muito aguardado. Devemos manter os pés no chão. Ainda há muito a ser definido para dar a Gaza um futuro sereno. A cessação das hostilidades é apenas o primeiro passo, necessário e indispensável, de uma trajetória insidiosa, num contexto que continua sendo problemático."

Pizzaballa menciona também a Cisjordânia onde "a situação continua a deteriorar-se com os ataques de colonos, sem suficiente defesa por parte das autoridades de segurança" Mesmo que nem tudo esteja claro, "como Igreja, somos chamados a oferecer uma palavra de esperança".

Padre Gabriel Romanelli fala de Gaza: "Esperamos que essa seja a tão esperada solução. Os 450 refugiados acolhidos na paróquia recebem a notícia com esperança, mas também com cautela. Muitas vezes, nos últimos meses, foram feitos anúncios que não levaram a nada. Estamos esperançosos, mas ao mesmo tempo pragmáticos."

Para o Padre Ibrahim Faltas, diretor das escolas da Terra Santa, "agora é responsabilidade de todos continuar nesse caminho, dar força e estabilidade aos acordos, implementar as propostas de paz para restaurar a dignidade à vida em Gaza e em outros lugares onde a vida não foi respeitada." E acrescenta ao La Stampa: "Um plano de paz, para ter alguma chance, deve nascer da escuta dos povos, não da lógica dos interesses ou de cálculos geopolíticos. O plano Trump não deu voz ao povo de Gaza, às famílias, às crianças que são as primeiras a pagar o preço do conflito. Parece que o Hamas tenha aceito, que libertará todos os reféns israelenses e que a guerra terminará depois de dois longos anos. Mas depois será preciso reabrir o caminho do diálogo, entre todas as partes, de novas tratativas, porque não podemos falar de desenvolvimento econômico sem justiça, de investimento sem liberdade; é como construir casas na areia".

O franciscano continua: "Aqui na Terra Santa, vemos famílias inteiras vivendo na saudade do que perderam. Mais de 200 famílias emigraram de Belém, e para nós, cristãos, é uma grande ferida. Os cristãos na Cisjordânia estão sem trabalho há dois anos e vivem com medo das restrições, confinados em suas cidades sem possibilidades de saída. A paz não é um decreto, não chega do alto, mas é o fruto do diálogo, da reconciliação e da verdade".

Não basta um projeto escrito. Precisamos de ações concretas que respeitem a dignidade de cada pessoa e de cada povo e seu direito de viver em sua própria terra. As feridas das crianças são as mais profundas. Não se trata apenas das consequências visíveis — crianças amputadas, traumas que serão carregados por toda a vida, casas destruídas, escolas demolidas, famílias desfeitas —, mas das invisíveis: o medo, a sensação de desorientação. Uma criança que cresce vendo apenas bombas e sangue corre o risco de não acreditar mais que a vida é uma dádiva.

Até mesmo as crianças de Jerusalém e da Cisjordânia vivenciam esse medo. Na minha escola, a cada meia hora pedem para ouvir a voz dos pais. Há crianças que não comem durante o recreio: pensam em seus colegas de Gaza que não têm comida e escolhem estar perto deles dessa forma. Temem que o que está acontecendo em Gaza possa acontecer com elas também. Insistimos em dar continuidade à educação, mesmo nos momentos mais difíceis: oferecer uma sala de aula, um professor, um livro torna-se um ato de resistência à violência. Ajudar as crianças a preservar a esperança significa defender o futuro de um povo. Vemos resoluções, declarações, palavras de condenação, mas poucas ações concretas. O drama é que, enquanto se discute nas instituições, as pessoas morrem sob os escombros. São necessários gestos corajosos: corredores humanitários, cessar-fogo, proteção dos civis.”

E “cada hora de silêncio político custa vidas inocentes. Aqui, muitas pessoas não têm mais nada além da força para resistir e manter viva a esperança. Quem foge de sua terra natal carrega consigo uma ferida que não se cura facilmente. Não se perde apenas a casa ou o trabalho, mas também as raízes, a língua, a memória. É como viver num exílio permanente, sentindo-se um estrangeiro em todos os lugares. A terra prometida é aquela onde cada homem pode viver em paz.

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