01 Outubro 2025
O plano de paz para Gaza apresentado por Donald Trump e aceito “sob condições” pelo primeiro-ministro israelense Benjamin Netanyahu provoca reações diversas nesta terça-feira. Analistas entrevistados pela RFI apontam uma “proposta sólida, mas com dificuldades de implementação”, um plano que traz “a marca do egocentrismo de Trump”, e fazem críticas à escolha de Tony Blair para comandar a comissão de transição que lembra o “protetorado britânico”.
A reportagem é de Achim Lippold e Arnaud Pontus, publicada por RFI, 30-09-2025.
Entre os principais pontos do plano de paz para Gaza estão a interrupção imediata da guerra, a libertação dos reféns em até 72 horas e a retirada gradual das forças israelenses. Donald Trump deverá desempenhar um papel central na aplicação do plano, liderando o comitê de paz encarregado de supervisionar a transição em Gaza.
Para o especialista em Oriente Médio David Rigoulet-Roze, do Instituto Francês de Análise Estratégica, o plano é “sólido, embora haja dificuldades para sua implementação”. Ele destaca que a pressão de Trump para resolver o conflito é “extremamente forte”, mas ressalta que ainda falta a resposta do Hamas.
O movimento radical palestino, que atualmente controla a Faixa de Gaza, “terá muita dificuldade em recusar” o plano acredita. “O Catar afirmou estar em condições de convencer o Hamas da necessidade de aceitar os termos do plano, porque o grupo ainda considerava realizar liberações em etapas. No entanto, o plano prevê que todas as liberações ocorram em até 72 horas, de forma total”, avalia Rigoulet-Roze.
“Egocentrismo de Trump”
Segundo Souhire Medini, especialista em Oriente Médio e pesquisadora visitante no Washington Institute, o plano de 20 pontos tem claramente a marca do “egocentrismo” de Trump. “Ele está em destaque por meio da presidência do que chamou de comissão de paz. Nos deparamos com um vocabulário que não é o do direito internacional, mas sim o da economia, que Donald Trump gosta de valorizar”, afirma Medini.
Para ela, isso não envia um sinal positivo aos palestinos. “Dá a impressão de que se quer tirar dos palestinos a gestão de seu próprio futuro”, explica. Apesar disso, Medini vê uma evolução positiva em relação à proposta feita por Trump em janeiro, quando o presidente americano sugeriu que os Estados Unidos assumiriam o controle da Faixa de Gaza, insinuando que os palestinos deveriam deixar o território.
“O fato de que essas duas ideias não estão mais presentes e de que o plano afirma claramente que tudo será feito para permitir que os habitantes permaneçam em Gaza já é uma evolução positiva”, compara. Ela também aponta a falta de consenso dentro do governo israelense como um obstáculo. “Para alguns de seus aliados ultranacionalistas, esse plano é totalmente inaceitável, simplesmente porque menciona um Estado palestino”, salienta.
Volta do protetorado?
Para Éric Danon, ex-embaixador da França em Israel entre 2019 e 2023, o plano de Trump é concreto e potencialmente decisivo. Em entrevista à RFI, Danon afirma que a proposta oferece uma “saída não humilhante ao Hamas”, ao sugerir o exílio dos líderes do movimento no Catar e a anistia aos militantes que depuserem as armas. O Hamas tem três dias para responder à proposta americana. Se aceitar, Danon acredita que estaremos diante de “algo realmente determinante para a guerra em Gaza”.
Danon compara a futura governança de Gaza, por meio de um comitê de paz de transição presidido por Trump, ao protetorado britânico (oficialmente Mandato Britânico) que administrou a Palestina entre 1920 e 1948. Por isso, ele vê problemas na escolha do ex-primeiro-ministro britânico Tony Blair como braço direito de Trump. “Há uma história britânica na Palestina que não é positiva nem para Israel, nem para os palestinos”, lembra.
Por fim, o ex-embaixador avalia que a França, que liderou recentemente o movimento pelo reconhecimento do Estado palestino na ONU, está sendo excluída do processo. “Nem Israel, e consequentemente nem Trump, provavelmente aceitarão que a França participe agora da governança palestina. Ou seja, uma governança pelas Nações Unidas, uma força de interposição da ONU e um sistema liderado pela Autoridade Palestina — tudo isso, por enquanto, está morto”, conclui.
Leia mais
- Quantos Moisés. Artigo de Raniero La Valle
- Trump e Netanyahu fazem um acordo para forçar o Hamas a se render sem esclarecer o futuro dos palestinos
- Com Tony Blair no comando e uma missão internacional de tropas: o que se sabe sobre o novo plano de Trump para a Palestina?
- A "Riviera" de Tony Blair que assusta todo o mundo árabe. Artigo de Fabio Carminati
- “Gaza criará um centro comercial e um resort de férias”, plano de Tony Blair apresentado a Trump
- Blair e Kushner se encontram com Trump. Uma cúpula sobre o futuro da Faixa de Gaza será realizada na Casa Branca
- Férias na Praia de Gaza. Artigo de Giuseppe Savagnone
- Trump zombou de Gaza com um polêmico vídeo criado com inteligência artificial
- Países árabes podem impedir planos de Trump para Gaza?
- Mar-a-Gaza ou Nakba? Transformar a Faixa de Gaza em Riviera é uma indignação para os árabes. Mas há quem sinta o cheiro do negócio
- Projeto "Riviera" de Trump nas ruínas de Gaza: deslocamento forçado para um centro de turismo e tecnologia
- A extrema-direita pronta a "renunciar" aos sequestrados. Witkoffs retorna a Tel Aviv
- "Faltam palavras para descrever o dia a dia dos palestinos", diz ex-presidente da Médicos Sem Fronteiras
- Gaza, Israel aprova conquista e ocupação total. Entrada de ajuda adiada
- Gaza, 40 dias sem ajuda: “De todas as tragédias, a fome é a mais brutal”
- “O mundo assiste a um genocídio ao vivo em Gaza”, diz Anistia Internacional
- Netanyahu lança plano para ocupar Gaza e dividir a Cisjordânia
- Cidade de Gaza se prepara para evacuação em massa de um milhão de pessoas
- Netanyahu se prepara para uma nova escalada em Gaza enquanto expurga aqueles que tentam impedir seus planos
- Netanyahu quer ocupar toda a Faixa de Gaza, apesar das dúvidas do exército
- Negociações de trégua em Gaza estagnam enquanto Israel avança com ofensiva que deslocou 180 mil pessoas em 10 dias
- "Israel e seus apoiadores desencadearão o caos pelo mundo". Entrevista com Pankaj Mishra