01 Outubro 2025
Graças à sua trajetória pessoal e profissional, Gad Lerner é uma das vozes mais importantes, respeitadas e livres do judaísmo italiano. Isso é testemunhado por seu trabalho jornalístico, seus livros e posições que assumiu, que resultaram em acusações dolorosas contra ele vindas de líderes da diáspora.
Mas Gad Lerner sempre se manteve firme. Em seu livro de grande sucesso, Gaza: odio e amore per Israele (Feltrinelli), Lerner escreve: “Nós, nascidos após a Segunda Guerra Mundial e o extermínio de nossas famílias, vimos em Israel a salvação e uma certeza que agora desapareceram. Isso aconteceu por causa da ideia de que a existência da questão palestina pudesse ser negada por mais de meio século. Que fosse suficiente a superioridade militar e tecnológica para agir com opressão. E isso fez explodir o fanatismo de um lado, a ideia de uma grande Palestina do rio Jordão ao mar. De outro, a ideia de um grande Israel sem os palestinos, porque é isso que a direita israelense quer, o que nos levou ao beco sem saída.” Um beco que se transformou em um abismo de horror, destruição, morte.
A entrevista é de Umberto de Giovannangeli, publicada por l'Unità, 30-09-2025. A tradução é de Luisa Rabolini.
Eis a entrevista.
Com a cabeça fria, o que ficou do discurso-show de Benjamin Netanyahu na Assembleia Geral das Nações Unidas?
O de Netanyahu foi um desafio às Nações Unidas dirigido ao seu público, para reiterar aos israelenses que os outros são inimigos, todos. É o conceito de base desde sempre, do homo hominis lupus do revisionismo sionista. Os valores bíblicos distorcidos por essa leitura estão imbuídos de um humanismo infantil. Somente aprendendo a se defender sozinhos, sabendo que não se pode contar com a ajuda de ninguém, os judeus poderão sobreviver. Essa é a lição tirada do Holocausto pela direita revisionista, já teorizada antes do Holocausto por Zeev Jabotinsky, que foi o pai fundador do revisionismo sionista. Nisso, há uma total coerência, à qual se somaram, no cálculo de Netanyahu, a convicção de que, não importa o quanto os aliados históricos de Israel, primeiro os Estados Unidos, mas também os outros países ocidentais, possam reclamar, protestar, até mesmo se irritar e temer as constantes violações do direito internacional, a imprudência de seus ataques, as distorções em relação ao que que havia sido combinado, no final serão forçados a seguir Israel. E isso levou a um trágico paradoxo...
Qual?
Ter demonstrado indulgência pelos aliados em relação a Israel, ter pensado, após 7 de outubro, de que Israel pudesse e devesse reagir duramente, fazer o trabalho sujo - o está fazendo também por nós, disse alguém importante em Berlim - vamos fechar um olho, vamos conceder-lhe uma isenção porque tem legitimidade moral, todas essas coisas que deveriam ter tido a intenção de ser ajudas para Israel, na minha opinião, são sua desgraça.
Por quê?
Porque convenceram Netanyahu de que ele pode iniciar uma guerra com o Irã, que pode bombardear a sede das negociações com o Hamas em Doha, que afinal os outros só se distanciarão a palavras porque precisam de Israel e o seguirão. Em última análise, também a dinâmica daqueles treze dias de guerra com o Irã o reconfirmaram nisso. Nos primeiros dias daquela guerra, até mesmo os mais críticos, Macron, Starmer, manifestaram a ele total apoio e solidariedade, e quem havia ficado surpreso, ou seja, o presidente estadunidense Trump, no último dia quis enviar também os seus bombardeiros. Em suma, um efeito dominó. O discurso de Netanyahu na ONU foi isso.
Um tema crucial é o da identidade de Israel. Sobre isso, você é autor, juntamente com o Rabino-Chefe de Roma, Riccardo Di Segni, de um livro importante, disponível a partir de hoje nas livrarias e lojas online: Ebrei in guerra. Dialogo tra un rabbino e un dissidente (Judeus em guerra: Diálogo entre um rabino e um dissidente. Em tradução livre, Feltrinelli). Pelo que entendo, são representadas as duas almas de Israel e da diáspora. Almas irreconciliáveis?
Espero que não, mas o próprio Rabino Di Segni, relembrando as guerras civis judaicas do passado, declara explicitamente que o perigo existe. O perigo de uma explosão, de uma fragmentação do mundo judaico, que já era evidente antes de 7 de outubro de 2023. A escolha do Hamas e da Jihad Islâmica de atingir Israel naquele momento certamente também tem a ver com a desestabilização provocada na democracia israelense por aquele governo de extrema direita e por aquelas tentativas de involução autoritária que, inevitavelmente, se tornam necessárias se você deseja construir um Estado étnico, uma etnocracia. Essa é a preocupação compartilhada que nos levou, com esse livro, a quebrar o embargo, eu diria.
Para ser mais preciso, levou o Rabino-Chefe de Roma, que é a principal autoridade religiosa judaica na Itália, o homem que dialoga também com o Vaticano, a violar um verdadeiro embargo, um verdadeiro ostracismo que os porta-vozes das instituições comunitárias haviam estabelecido em relação aos dissidentes. Eu havia escrito um livro que vendeu dezenas de milhares de cópias, estou circulando pela Itália como Anna Foa e como outros. O apelo "Não à limpeza étnica", assinado por duzentos judeus italianos, teve um forte impacto. Mas, para os porta-vozes oficiais das nossas comunidades, não existia, nem deveria ser mencionado, quase numa lógica soviética antiquada, segundo a qual qualquer voz crítica devia ser considerada traição dentro de um alinhamento de guerra. O Rabino Di Segni decidiu quebrar esse embargo e, para minha agradável surpresa, me propôs tornar público esse nosso diálogo. Uma agradável surpresa aliada a uma profunda inquietação.
Qual?
Ver também ele aferrolhado numa visão estupefata e indignada ao constatar que Israel não está conseguindo resgatar consenso e solidariedade. A incapacidade de dar-se conta que não vai se ajudar Israel, mas, ao contrário, vais se prejudicar e alimentar seu isolamento e hostilidade no mundo, se não houver a dolorosa, mas necessária, determinação de não mais defender o que é indefensável. Já seria uma grande conquista se seguissem a dialética que existe na sociedade israelense. Na Itália, temos o paradoxo de que as vozes de uma oposição, que em Israel se manifesta nas ruas até mesmo nos momentos mais difíceis da guerra, foram banidas, embargadas, tratadas com hostilidade, se não mesmo criminalizadas. Com essa atitude, certamente não contribuíram para a luta contra o antissemitismo, nem para oferecer a Israel uma perspectiva, um futuro diferente daquele que Netanyahu definiu com a palavra "Esparta", transmitindo assim a ideia do que Israel deveria se tornar: um lugar de guarnições militares onde os judeus vivem em segurança. E o que devemos fazer nós, na diáspora? Ir para lá, para a "nova Esparta" judaica? Além do fato de que, como se sabe, o que devia ser um país-refúgio para os judeus após o Holocausto se tornou o lugar mais perigoso do mundo para um judeu viver.
Seu livro, ao qual você se referiu anteriormente, um livro corajoso e que teve grande sucesso, é Gaza: amore e odio per Israele (Feltrinelli). Estamos no ato final em Gaza?
Não, porque é impossível. Porque o plano para a destruição total de Gaza tem implicações impossíveis materialmente de serem realizadas. Porque dois milhões de pessoas vivem lá. É verdade que mais de dois milhões deixaram a Ucrânia voluntariamente há poucos anos, mas em trens e com os países vizinhos os acolhendo. A evacuação forçada de Gaza, ao contrário, é uma distopia monstruosa, assim como seria a evacuação dos três milhões de palestinos que vivem na Cisjordânia. Na mentalidade dos belicistas, estamos sempre no momento decisivo, estamos sempre na cartada garantida. Mas não conseguem encerrar as guerras. O que eu temo é que, para manter sua própria segurança, o Estado de Israel acabe destruindo a cultura judaica milenar. E isso não seria apenas um dano terrível para todos nós, judeus da diáspora e também judeus israelenses ligados à nossa cultura. Ao fazê-lo, Israel não se tornaria mais seguro. Essa Esparta, esse Estado que vive da guerra, não permaneceria um lugar seguro por muito tempo. Destruiria um judaísmo milenar sem dar um futuro aos judeus.
Em junho, na grande manifestação de 300.000 pessoas em Roma, falando na Piazza San Giovanni, você afirmou, naquela praça lotadíssima, que se considerava sionista. Aquela afirmação gerou discussões, até mesmo acaloradas. O que significa para você se definir ainda hoje sionista?
É uma definição que diz respeito à história da minha família, antes de tudo, em relação ao passado. Aqueles que fugiram para lá de determinados países europeus onde eram perseguidos e onde pairava o perigo, viveram Israel como o lugar de salvação. Os pioneiros sionistas criaram um lar do povo judeu que escapou do Holocausto: o Estado de Israel. Mas essa é uma discussão que diz respeito ao passado.
A pergunta que proponho a qualquer um que queira discutir se o sionismo é uma forma de colonialismo, se as Nações Unidas erraram ao propor o plano de partilha da Palestina em 1947 — digo que todas as opiniões sobre o assunto são legítimas —, mas a pergunta que lhes faço é: para onde enviamos aquele cerca de sete milhões e mais de judeus que vivem em Israel? Exatamente como aqueles sete milhões e mais de árabes-palestinos que vivem do Líbano à Faixa de Gaza, do Rio Jordão ao Mar Mediterrâneo. Eles não têm nenhum outro lugar aonde ir. Portanto, me parece uma discussão terminológica totalmente sem sentido aquela sobre as definições. Certamente, eu, sionista, não aceito que esse termo em si seja equivalente a criminalidade ou o fascismo.
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