Arrivismo bolsonarista. Artigo de Alexandre Aragão de Albuquerque

Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil

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19 Setembro 2025

"Mas o bolsonarismo nos obriga a encarar a insignificância como uma forte ameaça. Afinal, quando o poder se torna farsa, a democracia torna-se altamente vulnerável"

O artigo é de Alexandre Aragão de Albuquerque, arte-educador (UFPE), especialista em Democracia Participativa (UFMG) e mestre em Políticas Públicas e Sociedade (UECE).

Eis o artigo.

O professor doutor em História pela Universidade de Paris, ex-deputado federal pelo estado do Piauí (1989-1991), Manuel Domingos Neto, publicou hoje um artigo intitulado “Marcha ao precipício” (ver aqui), no qual discorre sobre a centralidade da ação política da extrema-direita bolsonarista que visa à desmoralização das instituições, esgarçando os pilares do sistema democrático, a partir do Legislativo. Para eles o importante é levar o eleitorado a descrer na política, fazendo-o acreditar cegamente que somente a força bruta – uma ditadura – pode resolver os impasses resultantes dos conflitos sociais, conduzindo-nos assim a um precipício.

Não foi à toa que o jornal Estadão teve a petulância de publicar em seu editorial, na véspera da eleição de 2018, ser uma escolha difícil o voto entre um filósofo, professor doutor em Economia, um dos mais célebres ministros da Educação, Fernando Haddad, e um capitão do Exército que prometia matar umas 30 mil pessoas, cultuador do torturador Brilhante Ustra, apontando arminha como ícone de sua campanha eleitoral (e agora condenado pelo STF como criminoso, líder de uma organização armada golpista).

O bolsonarismo, como uma expressão da extrema-direita brasileira, não apenas se valeu da tática desmoralizadora da democracia, acalorando ressentimentos populares, mas a elevou exponencialmente a um modelo corrosivo de atuação pública a nível de Poderes Executivo e Legislativo federal, estadual e municipal, conforme estamos presenciando agora, por exemplo, com a desavergonhada “PEC da Blindagem” (ver aqui).

Destaque-se que o propósito de criar uma votação secreta para livrar os próprios deputados de ações penais, do uso de tornozeleiras eletrônicas e de prisões foi acompanhado, em primeiro turno, por 12 deputados do PT, causando vergonha e revolta em toda a militância do partido.

A notoriedade bolsonarista cresceu não por mérito político ou visão estratégica comprometida com o desenvolvimento do Brasil, nem pela solidariedade com os excluídos da riqueza produzida socialmente em nosso país, mas pela exploração sistemática de pautas sensacionalistas, revisionistas e autoritárias.

A retórica bolsonarista é construída sobre a canalização do ressentimento popular. Ao invés de propor soluções, Bolsonaro e seu rebanho se especializaram em identificar inimigos: jornalistas, artistas, professores, juízes, ambientalistas, indígenas ou qualquer outro grupo que desafie sua narrativa. Essa lógica binária adotada pelo bolsonarismo busca legitimar a violência simbólica e institucional. (ver aqui).

Seu discurso baseado em frases vagas e de efeito, verdadeiras distopias, como o negacionismo científico do terraplanismo ou o desprezo por vacinas capazes de transformar pessoas em jacarés, promove uma cultura da desconfiança contra especialistas, universidades e institutos técnicos, buscando normalizar a ideia de que a ignorância seja uma virtude política.

Ao mesmo tempo, rejeita conteúdo programático coerente com a ética, com a verdade factual e com a justiça, mediante a construção de narrativas e de fake news, para funcionar como catalisador de ações populares, difusas e desgovernadas, como bem vimos nos últimos anos, desaguando no 8 de janeiro de 2023.

A invenção da imagem política do seu líder se deu por meio de um populismo raso que mistura religiosidade, militarismo e moralismo seletivo, seguindo um percurso bem calculado, como tivemos a oportunidade de dissecar em nosso livro “Religião em tempos de bolsofascismo” (ver aqui).

Ele instrumentalizou a religiosidade popular como mecanismo de legitimação política. A retórica messiânica – que apresenta Bolsonaro como um “escolhido por Deus” – apregoada por pastores, pastoras, padres, freis e freiras, como também por fundadores e fundadoras de associações religiosas, não apenas distorce os princípios religiosos, mas os transforma em blindagem moral contra críticas e investigações, tornando-se ferramenta de dominação terrena.

Em sua exaltação do autoritarismo militar, a ditadura é romantizada, os torturadores são idolatrados e o uso da força é apresentado como solução para os conflitos sociais. Essa tara pelo porrete revela uma visão de mundo onde o conflito é resolvido pela violência do mais forte e não pelo colóquio desarmado entre as partes. A presença de militares em diversos cargos civis, a tentativa de tutelar as instituições democráticas e a conspiração para realizar o golpe de Estado são expressões claras de um projeto que não preza a democracia; vê nela um obstáculo e não um valor.

O bolsonarismo adotou como filosofia de governo o presidencialismo de confrontação baseado numa lógica de poder que menospreza o diálogo democrático em favor da imposição do seu projeto político autoritário, de desconstrução das conquistas sociais acumuladas desde a promulgação da Constituição Cidadã de 1988 e com alinhamento automático e submisso aos interesses dos Estados Unidos.

O estilo beligerante, agressivo, desumano e obsceno de Bolsonaro, que deveria dar um exemplo com sua conduta enquanto presidente da República, contaminou o debate público, tornando o insulto e o palavrão uma ferramenta naturalizada na disputa política, empobrecendo a democracia, afastando-a da sua função civilizatória de mediadora dos conflitos. (ver aqui)

Como modelo de arrivismo e banditismo, ele representa uma degradação da ética pública, da racionalidade institucional e da própria ideia de política como um serviço à coletividade, provocando uma forte advertência aos segmentos progressistas sobre o que acontece quando as instituições democráticas e a sociedade civil organizada não assumem suas responsabilidades diante das ameaças da bandidagem inescrupulosa.

Por fim, o arrivismo bolsonarista é a encarnação daquilo que Milan Kundera (1929-2023), em sua obra “A festa da insignificância (2014)”, denuncia: a ascensão de figuras que não têm projeto de nação, apenas ambição pessoal. A política se torna um meio de autopromoção e o Estado, um instrumento de favorecimento familiar. Não há ética, apenas conveniências.

A insignificância, segundo o autor, é um sintoma da época contemporânea. Mas o bolsonarismo nos obriga a encarar a insignificância como uma forte ameaça. Afinal, quando o poder se torna farsa, a democracia torna-se altamente vulnerável. É preciso desmascarar o bolsonarismo e comprometer-nos com um projeto que recupere o sentido da política como serviço à coletividade, caso contrário o arrivismo bolsonarista continuará a ameaçar a democracia com seus pastores oportunistas de ocasião, seus generais sanguinários e seu gado alienado.

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