Mariam ficou em Gaza para documentar a guerra com sua câmera, mas Israel a matou em um hospital. Artigo de Pascale Coissard

Foto: Frame de A Jazeera

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02 Setembro 2025

Sempre me lembrarei de Mariam como uma mulher boa, profissional, forte e motivada, ansiosa para continuar reportando, informando, acordando todas as manhãs, apesar de ela mesma ser vítima da guerra.

O artigo é de Pascale Coissard, publicado por El Diario, 02-09-2025.

Pascale Coissard é coordenador de emergências da MSF em Khan Yunis, no sul de Gaza.

Eis o artigo.

Mariam era uma jornalista incrível. Eu só a conheci durante a guerra, mas sei que ela também era uma jornalista incrível antes da guerra. Ela fez muitos trabalhos para os Médicos Sem Fronteiras, incluindo vídeos para redes sociais e outros conteúdos. Ela era muito boa no que fazia e dominava muito bem as redes sociais e a fotografia.

Ela tinha um filho que conseguiu levar para um lugar seguro fora de Gaza no início da guerra, mas permaneceu em Gaza para documentar o que estava acontecendo.

Lembro-me de Mariam me contar que havia doado um dos seus rins para o pai. Ele era uma pessoa muito gentil, muito dedicada aos outros, em explicar, documentar e ajudar a população palestina. Uma pessoa muito dedicada à sua profissão.

Conheci-a no início de 2024 no Hospital dos Emirados em Rafah, onde ela documentou o trabalho dos Médicos Sem Fronteiras na maternidade do hospital e na extensão da maternidade que montamos. Hoje, nada resta disso. Aliás, Rafah não existe mais.

Eu também a vi alguns meses depois no Hospital Nasser, onde ela havia sido morta pelas forças israelenses alguns dias antes. Lá, ela também documentou o trabalho que estávamos fazendo nas enfermarias de maternidade e pediatria.

Nos encontramos novamente em janeiro de 2025, quando o cessar-fogo começou. Esse foi o único momento em que as pessoas recuperaram um resquício de esperança, quando muitas puderam retornar ao que restava de suas casas. Dois meses depois, tudo isso foi interrompido novamente pela decisão de Israel de retomar os bombardeios. Mariam estava documentando a destruição de Rafah na época, e eu me lembro de lhe dizer para ter cautela, pois ela estava se aproximando de áreas em ruínas, onde ainda poderia haver restos de explosivos. Mas ela sempre priorizou fazer seu trabalho: documentar com palavras, mas acima de tudo com fotografias.

Muito do que será lembrado sobre a guerra de Gaza no futuro será obra de Mariam.

Sempre me lembrarei dela como uma boa mulher, uma profissional, uma mulher forte e motivada, sempre disposta a continuar a reportar, a continuar informando, a levantar-se todas as manhãs, apesar de ter sido vítima da guerra, vivendo em condições extremamente difíceis, tendo que viver sem eletricidade, sem água encanada, com quase nenhuma comida. Sem ter o filho por perto.

Sempre me lembrarei de uma mulher que eu admirava, e que todos nós admirávamos. Acho difícil acreditar que Mariam não exista mais em nosso mundo. É difícil acreditar que ela foi morta ali mesmo, no lugar onde recentemente documentava o nascimento de crianças na maternidade, tirando fotos de bebês tentando sobreviver na ala neonatal. É difícil acreditar que sua morte, seu assassinato, aconteceu ali mesmo, neste lugar onde tantos nascimentos acontecem.

Mariam Abu Daqqa foi morta em um ataque israelense ao Hospital Nasser em Gaza em 25 de agosto, que também tirou a vida de outros quatro jornalistas: Hossam Al Masri (Reuters), Mohamed Salama (Al Jazeera), Moaz Abu Taha e Ahmad Abu Aziz.

Nesta segunda-feira, mais de 250 veículos de comunicação de quase 50 países, incluindo o elDiario.es, aderiram à campanha da Repórteres Sem Fronteiras e do movimento cidadão Avaaz (Voz) contra o assassinato de jornalistas em Gaza e a proibição israelense à imprensa estrangeira na Faixa de Gaza. Quase 250 jornalistas foram mortos na Faixa de Gaza, segundo dados do governo de Gaza, controlado pelo Hamas.

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