13 Agosto 2025
Muitos repórteres estão afastados de seus entes queridos e sofrem com o medo constante que sentem depois que Israel matou mais de 200 de seus colegas.
A reportagem é de Beatriz Lecumberri, publicada por El País, 12-08-2025.
“Há muito tempo que me mantenho afastado do que chamamos de 'alvos previsíveis' aqui. Isso inclui lugares e pessoas. E Anas era um deles”, admite um cinegrafista da Cidade de Gaza. O repórter se refere ao jornalista da Al Jazeera, Anas al-Sharif, que Israel matou no domingo, juntamente com outros quatro funcionários do veículo de comunicação do Catar.
"Tenho muita vergonha de dizer isso hoje, porque meu coração está partido, mas eu o evitava, mesmo amando-o muito. Eu teria tido muito medo de dormir no mesmo lugar que ele", acrescenta este repórter, que pede para ser identificado como Hatem porque não quer que seu nome apareça em nenhuma mídia. "Já estamos em perigo suficiente", explica.
Anas al-Sharif havia sido ameaçado diretamente por oficiais militares israelenses e, no domingo, o exército postou uma mensagem no X com as palavras "Atingido", uma espécie de reivindicação de responsabilidade pelo ataque. O mesmo atentado também matou o repórter Mohammed Qreiqeh, os cinegrafistas Ibrahim Zaher e Moamen Aliva, e o assistente Mohammed Noufal, da Al Jazeera, bem como Mohamed al-Khalidi, do veículo local Sahat. Todos viviam e trabalhavam em uma tenda em frente ao Hospital Al-Shifa, na Cidade de Gaza, buscando em vão a proteção que os hospitais costumam oferecer em tempos de guerra.
Mas não há como proteger um jornalista de Gaza neste momento, concordam Repórteres Sem Fronteiras (RSF), Al Jazeera, ONGs e coordenadores de segurança da mídia. Alguns profissionais da mídia optam por ficar em casa, mas muitos estão se distanciando de seus entes queridos devido ao medo constante que sentem e à falta de ajuda para conseguir comida todos os dias. Alguns vivem e trabalham em grupos, enquanto outros se movem sozinhos, misturando-se à população e sem um colete com a inscrição "imprensa" porque, em vez de se sentirem protegidos, se sentem isolados.
“Gosto de pensar que não sou um alvo. Sempre fui muito neutro, não tenho filiação política, mas Israel mergulha na sua história, nas suas mensagens e na vida dos seus irmãos, pais e amigos, e isso transforma as coisas”, acredita Hatem. “Então, sim, houve momentos em que me senti em perigo e fiquei em casa, sem ir trabalhar. Minha casa está meio destruída, mas ainda acredito que é o lugar mais seguro para mim neste momento”, acrescenta.
A RSF estima que cerca de 220 jornalistas de Gaza foram mortos violentamente desde outubro de 2023, mas a assessoria de imprensa de Gaza estima o número em 237. Além disso, o Sindicato dos Jornalistas Palestinos estima que 152 casas de jornalistas foram bombardeadas, resultando na morte de 665 pessoas, incluindo familiares e vizinhos.
Israel has assassinated five Al Jazeera journalists to prevent the coverage of atrocities it intends to carry out in Gaza City, says Dr Mohammed Abu Salmiya, the director of al-Shifa Hospital.
— Al Jazeera English (@AJEnglish) August 11, 2025
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"Não conseguimos protegê-los, nem às suas famílias. Muitos escrevem uma espécie de testamento, cientes de que podem ser alvos a qualquer momento", explica Adel (nome fictício), jornalista palestino que deixou a Faixa de Gaza há mais de um ano e coordena sua equipe de imprensa, que permanece na Faixa, de fora de Gaza.
Al Sharif escreveu a mensagem póstuma que muitos jornalistas já escreveram. "Nunca hesitei em transmitir a verdade como ela é, sem mentiras ou distorções", disse ele no texto.
“Ontem (domingo), Anas me pediu para dormir algumas horas, desligar o telefone e desconectar, porque eu não conseguia fazer isso há semanas. Quando ele ligou, encontrou dezenas de chamadas e se sentiu culpado por ter ficado ausente por algumas horas”, disse Tamer Almishaal, apresentador do serviço de árabe da Al Jazeera, lembrando que tanto Al Sharif quanto Mohammed Qreiqeh foram alvos após “uma grande cobertura da fome na Faixa de Gaza”. “Eles são os nossos olhos em Gaza, e há cada vez menos deles”, acrescentou.
Em diversas ocasiões nos últimos meses, o jornalista foi acusado diretamente por autoridades israelenses de pertencer ao braço armado do movimento islâmico Hamas, que governa Gaza. "Em novembro de 2023, Anas já havia sofrido as primeiras ameaças da inteligência israelense para parar de trabalhar. E ele se recusou. Ele tinha um compromisso com Gaza. Dias depois, sua casa foi bombardeada e seu pai morreu", lembrou Almishaal a este jornal.
O fato de Israel não permitir a entrada de jornalistas estrangeiros em Gaza aumenta o sofrimento dos repórteres locais, que afirmam que seu trabalho também fica comprometido por serem palestinos. "A presença de jornalistas internacionais, sem dúvida, os protegeria ainda mais", admite Adel, que lidera uma equipe de vários repórteres palestinos.
“Sinto que meu trabalho vale menos por ser palestino, mas meu trabalho é continuar documentando: encontrar fontes, chegar à verdade e ser forte. Deveria haver alguma maneira de nos proteger e responsabilizar aqueles que nos atacam. Somos pessoas de verdade”, diz Hatem.
Edith Rodríguez Cachera, vice-presidente da RSF-Espanha e do Conselho Internacional da organização que defende jornalistas, admite nunca ter enfrentado uma situação semelhante. “Estamos de pés e mãos atados. Não podemos fazer nada que a RSF normalmente faz em uma zona de conflito: não podemos evacuá-los, não podemos fornecer-lhes materiais, de cartões telefônicos a coletes, e não podemos organizar nenhum tipo de treinamento em segurança ou segurança digital. Nada”, explica.
Segundo Adel, o jornalista palestino que coordena vários repórteres em Gaza, "a maior preocupação dos fotógrafos e cinegrafistas é proteger as câmeras, garantindo que não fiquem empoeiradas ou danificadas, pois não há como substituí-las". "Também não conseguimos gasolina para que eles possam se locomover em veículos. Às vezes, eles montam em burros ou caminham longas distâncias", acrescenta.
"E não sabemos como fazer isso direito. Se contarmos suas histórias para que as pessoas saibam como sobrevivem, nós as expomos, mas se não o fizermos, também as colocamos em perigo", enfatiza Rodríguez Cachera.
A funcionária da RSF também lamenta o "abandono" internacional em condenar firmemente esses ataques contra jornalistas em Gaza e tomar as medidas cabíveis. "E a mídia também deve agir, coordenar, ir além, posicionar-se de alguma forma e chamar a atenção para eles em alto e bom som", instou.
"Quantos mais jornalistas assassinados serão necessários para que o mundo reaja? Anas Al Sharif e Mohammed Qreiqeh não foram os primeiros e não serão os últimos", gritou Almishaal de forma semelhante.
Em 2015, o Conselho de Segurança da ONU aprovou a Resolução 2222, que protege jornalistas em conflitos armados e visa acabar com a impunidade por ataques contra eles. "Mas Israel a viola há muito tempo, muito antes de esta guerra eclodir, e especialmente com a Al Jazeera", denunciou o funcionário da RSF. Em maio de 2021, o exército israelense bombardeou um prédio em Gaza que abrigava a Al Jazeera e outros meios de comunicação internacionais, alegando que estava sendo usado por militantes do Hamas. Em 2022, a jornalista palestino-americana da Al Jazeera, Shireen Abu Akleh, foi morta no norte da Cisjordânia por uma bala que, segundo a ONU, veio de tropas israelenses. Em julho de 2024, Israel matou os jornalistas da rede catariana Ismail al-Ghoul e Rami al-Rifi em Gaza. "Mas nada aconteceu em nenhum caso", lamenta Rodríguez Cachera.
262 Palestinian journalists have been killed by Israel — murdered for the “crime” of reporting the truth from Gaza.
— Zohran Mamdani (@zohranmamdani) August 11, 2025
Among them today: Anas Al-Sharif, Mohammed Qreiqeh, Ibrahim Zaher, Mohammed Nofal, and Moamen Aliwa — targeted and killed in a press tent outside Al-Shifa… pic.twitter.com/OrbUDPdk7h