"Mariam nunca desistia de mostrar essa guerra: não podemos parar". Entrevista com Ruwaida Kamal Amer

Foto: Anadolu Agency

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28 Agosto 2025

Ruwaida Kamal Amer é uma jornalista, produtora e cineasta que vive em Gaza, perto de Khan Younis. Nos últimos meses, a partir das colunas da revista Local Call/+972, ela tem coberto o conflito, a fome e as famílias truncadas. Suas reportagens foram publicadas por muitas mídias internacionais, entre as quais Al Jazeera English, Euronews e ABC News, e ela recebeu os prêmios Edward R. Murrow e Peabody por seu documentário Um Dia em Gaza. Mariam Abu Dagga, uma das jornalistas mortas pelas IDF na segunda-feira, era uma de suas melhores amigas.

A entrevista é de Francesca Caferri, publicada por La Repubblica, 27-08-2025. A tradução é de Luisa Rabolini.

Eis a entrevista.

Ruwaida, pode nos contar o que aconteceu na segunda-feira?

Eu estava com minha família, não muito longe do Hospital Nasser. Houve uma explosão, muito forte: estavam bombardeando a noite toda, mas a de ontem foi enorme. Liguei o celular e vi que tinham sido atingidos alguns jornalistas, que Mariam tinha sido morta: foi um choque enorme. Minha amiga, minha garota forte, aquela que nunca desiste, que é cheia de energia, que ama seu trabalho....

Quem era Mariam?

Uma jornalista que queria documentar tudo. Uma mulher forte, que não tinha medo do perigo. Ela estava em todos os lugares. Onde quer que eu fosse, eu a encontrava filmando ou tirando fotos. Estava preocupada com ela, porque ela estava sempre se metendo em todos os lugares. E eu tinha pedido a ela que tivesse cuidado, porque a tinha visto trabalhar em zonas muito perigosas: mas nunca pensei que a atingiriam em um ataque direcionado. Que ela pudesse morrer sob as bombas, sim, talvez ao meu lado, ou comigo: mas que ela estivesse na mira, não. É chocante, mas não deveria me surpreender: 245 jornalistas foram mortos por Israel nessa guerra, um número terrível.

Você, assim como Mariam, como dezenas de outros colegas, arrisca a vida todos os dias: por que faz isso?

Porque não há mais ninguém para contar a história e o mundo precisa saber. Essa não é uma guerra como as outras: duravam uma semana, duas semanas, um mês. Não, já se passaram 750 dias, um tempo muito longo, que estamos mostrando dia após dia. Não dormimos, não temos casa, estamos na mira, estamos perdendo pessoas que amamos: nossas famílias, nossos colegas, nossos amigos. Somos humanos, não aguentamos mais: mas se pararmos, quem vai noticiar essa guerra imoral? A imprensa internacional não pode entrar, apenas nós, palestinos, estamos aqui. É nossa responsabilidade contar. Contamos e, enquanto isso, buscamos comida, água, um lugar para dormir.

Quem lê essas palavras ou vê suas reportagens: o que pode fazer?

Protestar. Sempre. Os jornalistas internacionais devem entrar em Gaza. Sabemos que vocês nos apoiam, mas precisam vir aqui. Nos sentimos abandonados: perdemos 245 colegas, não tenho mais energia para falar, trabalhar, pensar. Não sou mais uma pessoa normal, acho que estou perdendo a cabeça: mas preciso pensar nos meus pais e nas minhas irmãs, então não posso fazer isso. Devo pensar na minha mãe, que precisa de tratamento. Todos nós tentamos nos manter fortes porque Gaza precisa de nós: mas somos seres humanos encurralados, sem casas, sem água, sem nenhuma segurança, sem vida. Vocês devem nos ajudar a pôr fim a essa guerra: é a única maneira que temos de nos salvar. As organizações que defendem os jornalistas devem se mobilizar mais: somos heróis, todos nós, não há ninguém mais que tenha relatado uma guerra por mais de 700 dias sem nunca parar, vivenciando-a pessoalmente.

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