19 Agosto 2025
Realizada entre 5 e 15 de agosto, em Genebra, sexta rodada de negociações sobre tratado global contra a poluição plástica de oceanos não chegou a acordo; ambientalistas criticam posição do governo brasileiro diante de lobby da indústria
A reportagem é de Igor Ojeda e Vinícius Konchinski, publicada por Repórter Brasil, 19-08-2025.
Após 11 dias de intensos debates, terminou em fracasso na última sexta-feira (15) a rodada de negociações na ONU (Organizações das Nações Unidas) realizada em Genebra, na Suíça, sobre um tratado global para frear o despejo do equivalente a dois caminhões de lixo plástico por minuto nos mares de todo o planeta.
O lobby das indústrias petrolífera e química e as estratégias utilizadas por países produtores de petróleo, contrários a qualquer limite à produção de plástico, são apontados por organizações ambientalistas como principais responsáveis pela falta de um acordo. Quase todo plástico produzido no mundo utiliza combustíveis fósseis como matéria-prima.
“Escondidos atrás da busca pelo consenso, megapoluidores mundiais obtiveram mais um salvo-conduto — sem prazo de validade — para continuar lucrando com a deterioração da saúde e do meio ambiente”, criticou, em comunicado no dia 15, a Coalizão Vida Sem Plástico, rede brasileira de organizações da sociedade civil que lutam contra a poluição plástica nos oceanos.
“O mundo perdeu mais uma chance de frear a crise da poluição plástica que já sufoca oceanos, contamina a nossa comida e ameaça a saúde de milhões de pessoas”, lamenta Michel Santos, gerente de Políticas Públicas da WWF-Brasil.
Oitavo maior produtor mundial de lixo plástico, o Brasil despeja anualmente cerca de 1,3 milhão de toneladas desses resíduos no mar, o que representa 8% do volume global, segundo um estudo da ONG Oceana Brasil de 2020. No entanto, pressionado por sua própria indústria, especialmente a química e a do plástico, o país deixou de apoiar um documento final mais ambicioso.
“A posição da delegação brasileira em Genebra deixou a desejar ao não se alinhar ao grupo com mais de 100 países que defendeu propostas avançadas para estancar a hecatombe plástica”, disse a nota da coalizão. “A sociedade civil e a comunidade internacional esperavam muito mais do país que sediará, agora em novembro, a COP30, onde se discutirá o futuro climático do planeta.”
Realizada entre os últimos dias 5 e 15 de agosto, essa foi a sexta rodada de negociações sobre um tratado vinculante que coloque fim ao que é considerada a segunda maior ameaça ambiental global, depois da emergência climática. Ainda não se sabe se e quando um sétimo encontro irá acontecer.
Iniciado em 2022 por iniciativa da ONU, o debate tem colocado em posições opostas dois grandes grupos de países. De um lado, mais de 100 nações defendem o banimento de produtos plásticos de uso único — os “descartáveis” — e de algumas substâncias químicas nocivas usadas em sua fabricação.
De outro, estão os países produtores de petróleo, que se opõem a qualquer restrição à fabricação e propõem como solução alterações no design dos produtos, além de adequações na coleta, tratamento e reciclagem.
Pelo menos 234 representantes das indústrias química e de combustíveis fósseis se credenciaram para participar dos debates sobre o acordo em Genebra, segundo um levantamento do Ciel (Centro Internacional de Leis Ambientais, em inglês).
De acordo com a pesquisa, a quantidade de lobistas da indústria presente na atual rodada é quase quatro vezes maior do que a de cientistas e cerca de sete vezes maior do que a de indígenas. Para o Ciel, essa é apenas a “ponta do iceberg”.
“A influência da indústria vai muito além da participação formal — estende-se a lobistas que integram delegações governamentais, a funções informais de aconselhamento e a lobby realizado durante os intervalos das discussões”, diz a organização. “Frequentemente, esses atores pressionam Estados-membros, usam táticas de intimidação e tentam minar propostas ambiciosas em processos relacionados, ameaçando a integridade do tratado global.”
Ao longo das discussões, o governo brasileiro tem dado sinais contraditórios: ora apoia um tratado que estabeleça limitação à produção, ora retira o apoio sob a justificativa de que é preciso um mecanismo de financiamento à transição para os países em desenvolvimento.
O Executivo argumenta que um freio à fabricação de descartáveis pode causar perdas de emprego na indústria e queda de renda de catadores de materiais recicláveis, com impactos para as economias dessas nações. Organizações da sociedade civil, no entanto, apontam que o posicionamento do governo se deve ao forte lobby promovido pela indústria.
“O Brasil, historicamente, é corajoso em discussões de tratados sobre saúde e meio ambiente. Nesse caso, tem uma postura frustrante baseada no argumento de que não pode aceitar prejudicar sua economia. E isso vem da pressão da indústria sobre o MDIC (Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços)”, diz Paula Jhons, da ONG ACT Promoção da Saúde.
Comandada pelo também vice-presidente Geraldo Alckmin (PSB), a pasta foi a responsável por ordenar a retirada de uma proposta brasileira para banimento de determinados materiais na quinta rodada de negociações do tratado sobre poluição plástica, em Busan, Coreia do Sul, em novembro de 2024.
A história foi revelada em reportagem da Agência Pública. O recuo teria atendido um pedido das indústrias química e do plástico. Dias depois, o Brasil aderiu a uma proposta apresentada por México e Suíça de eliminação gradual de uma lista de produtos plásticos até um eventual banimento. No entanto, voltou atrás novamente sete meses depois, durante a terceira Unoc (Conferência das Nações Unidas sobre os Oceanos), realizada em Nice, em junho.
“A escuta ao setor produtivo é legítima e importante, desde que equilibrada com a participação de outros atores da sociedade. O que preocupa é quando essa influência da indústria é desproporcional”, pontua Michel Santos, da WWF.
Em nota, o MDIC afirma que o debate sobre a posição do Brasil no tratado global busca o equilíbrio entre os diferentes setores da sociedade “com vistas à construção de um instrumento internacional abrangente, equilibrado e eficaz”. Leia aqui a íntegra.
“O posicionamento do governo federal seguirá refletindo seu compromisso com a sustentabilidade e a justiça ambiental. Nesse contexto, o diálogo com todos os segmentos da sociedade, incluindo a sociedade civil e o setor produtivo, é parte legítima e necessária de qualquer democracia, especialmente diante de um desafio que exige transição industrial justa e sustentável”, diz a nota enviada à reportagem.
Em abril deste ano, durante uma audiência pública sobre o tratado na Comissão de Relações Exteriores do Senado, a embaixadora Maria Angélica Ikeda, responsável por liderar as negociações pelo Brasil, afirmou que a indústria não tem interesse em poluir, mas sim em produzir e manter o emprego e a renda. O desafio, segundo ela, reside em como fazer a produção estar aliada a um correto tratamento do resíduo.
“O Brasil buscará, sim, um acordo robusto, ambicioso, mas não podemos fazer isso às expensas dos setores econômicos, não podemos acabar por exemplo com a exportação do agronegócio”, defendeu, referindo-se à preocupação com barreiras às embalagens dos produtos do setor.
Também envolvido nas negociações, o secretário do MMA (Ministério do Meio Ambiente) Adalberto Maluf afirmou que o Brasil busca um acordo vinculante para reduzir a poluição plástica, mas fez ressalvas.
“Sabemos que o plástico é um produto importante, que está nas nossas vidas, que gera milhões de empregos, e que vai continuar sendo usado. Então, tem que conciliar todos esses interesses”, afirmou.
Dois meses depois, na Unoc de Nice, o governo brasileiro se recusou a assinar o Apelo de Nice, um documento firmado por 95 nações em defesa de um tratado global que previsse o banimento da produção de certos descartáveis. Um dia antes, presente no encontro, o presidente Lula havia feito um discurso enfático contra a poluição plástica.
“Nos preocupa quando essa tentativa de conciliação se traduz em um discurso genérico que, na prática, posterga decisões urgentes ou cede desproporcionalmente às pressões do setor produtivo, sem considerar os impactos socioambientais da poluição plástica”, analisa Michel Santos, da WWF-Brasil.
Procurado, o MRE (Ministério das Relações Exteriores) respondeu, em nota, que o Brasil tem buscado consenso entre todos os Estados-membros da ONU nas negociações do acordo. O texto afirma que os defensores do banimento de certos produtos “concentram-se excessivamente na fase da produção”.
“O Brasil favorece que o tratado conte com medidas que abordem tanto a produção quanto o consumo, a circularidade e a gestão adequada de resíduos, porém de forma justa e sustentável, em que todas as fases contem com atenção equilibrada, tendo em conta que são os países em desenvolvimento que enfrentam os maiores desafios de coleta e gestão de resíduos”, diz a nota enviada à reportagem. Leia aqui a íntegra.
Para o Itamaraty, há uma evidente falta de disposição de muitos países ricos em apoiar financeira, técnica e tecnologicamente as nações em desenvolvimento para que superem essas deficiências.
“Entre muitos países em desenvolvimento, existe a sensação de que se esvaiu o espírito de solidariedade que vinha regendo o sistema multilateral de meio ambiente, pelo menos desde a Rio 92 (Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento)”, diz o MRE.
A Repórter Brasil também procurou o secretário do MMA Adalberto Maluf, mas não obteve retorno. O texto será atualizado se a redação receber um posicionamento.