13 Agosto 2025
País não apoiou nenhuma das propostas que regulamentam a produção do material
A reportagem é de Ana Carolina Amaral, publicada por Agência Pública, 13-08-2025.
A diplomacia brasileira fez uma guinada conservadora nas negociações que buscam criar um tratado de combate à poluição por plásticos. O país deixou de se posicionar sobre as questões críticas do acordo, ao mesmo tempo em que adotou argumentos similares aos grandes produtores de petróleo.
As negociações, que acontecem na sede da Organização das Nações Unidas (ONU) em Genebra, na Suíça, buscam criar até quinta-feira, 14 de agosto, as bases para uma nova convenção. O evento é a continuação da quinta rodada de negociação do Comitê Intergovernamental de Negociação sobre Plásticos (INC, na sigla em inglês).
Na última rodada, em Busan, na Coreia do Sul, o Brasil chegou a rascunhar uma proposta de banimento de plásticos perigosos, mas foi barrado por um membro da delegação ligado à indústria química, conforme revelou a Agência Pública. Após a reportagem, o país chegou a aderir, ao final da conferência, a uma proposta similar encabeçada pelo México e pela Suíça. À época, a lista de banimento do plástico de uso único contava com apoio de 95 países.
Agora em Genebra, a proposta tem mais de 100 signatários, mas o Brasil não está entre eles. O país não apoiou nenhuma das propostas que regulamentam a produção de plásticos. Em resposta, nesta terça-feira,12 de agosto, organizações da sociedade civil brasileira emitiram um posicionamento crítico à omissão do Brasil.
“A delegação brasileira até agora não se comprometeu com propostas claras, deixando dúvidas quanto ao seu posicionamento e enfraquecendo os esforços por um tratado global efetivo”, diz a nota da Coalizão Vida Sem Plástico, que reúne 15 organizações.
Outra mudança em relação à última rodada de negociações foi o aumento da participação Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio (MDIC), que em 2024 só contava com um representante – Washington Bonini, o ex-secretário do governo de Jair Bolsonaro que barrou a proposta brasileira, como revelado pela Pública.
Neste ano, a delegação conta com três membros da pasta: Carlos Leonardo Teofilo Durans, diretor de insumos e materiais intermediários; José Carlos Cavalcanti de Araújo Filho, coordenador de comércio e sustentabilidade; e Júlia Cortez da Cunha Cruz.
Em conversas informais, membros da delegação brasileira relataram que a nova composição reflete a mudança na estrutura do acordo, que deixou de tratar apenas sobre meio ambiente e saúde para ambicionar a economia.
Essa visão refletiria uma postura mais defensiva do Brasil, que passou a ecoar os argumentos dos grandes produtores de petróleo, principalmente através de dois pontos.
O primeiro é o de que as medidas definidas aqui devem ser completamente voluntárias, de modo que cada país fique livre para decidir como e o quanto implementar. A postura é a mesma da Arábia Saudita, da Rússia e dos Estados Unidos.
Como as negociações em Genebra buscam criar uma nova convenção com suas próprias regras para tratar o novo tema, países podem decidir como as decisões serão tomadas a partir daqui. Uma das propostas na mesa é que as negociações sobre os plásticos sejam adotadas a partir de um sistema de votação – e não por consenso, como acontecem nas convenções do clima e da biodiversidade. A votação prioriza acordos robustos entre os países que desejam um compromisso, enquanto o consenso prefere a inclusão de todos os países na decisão. O Brasil, assim como o bloco de grandes produtores de petróleo, defendem o modelo de consenso.
O segundo ponto é que o Brasil se limitou a submeter apenas um tipo de proposta como documento formal, condicionando a implementação do acordo à existência de financiamento. O argumento é o mesmo usado pelo bloco de grandes petroleiros, encabeçados pela Arábia Saudita.
A reportagem conversou com negociadores de três países-membros do grupo. Os três afirmam reconhecer alinhamento entre suas propostas e as do Brasil. Um deles destacou que o alinhamento é natural, já que o Brasil também é um grande produtor de petróleo.
“Já conseguimos enfrentar interesses comerciais poderosos em relação a outros temas complexos, como, por exemplo, na quebra de patentes para enfrentar a crise do HIV-AIDS ou na liderança das negociações da Convenção-Quadro para o Controle do Tabaco, apesar de ser o maior exportador de tabaco do mundo. Por isso, é decepcionante que nesta rodada o Brasil não assuma seu papel”, afirma a diretora executiva da ONG ACT Promoção da Saúde, Paula Johns, que observa as negociações em Genebra.
Para Lara Iwanicki, diretora de advocacy e estratégia da ONG Oceana, o Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio poderia adotar um olhar amplo sobre as oportunidades em diversos setores da economia.
“Acabar com plásticos problemáticos é também abrir mercado. O tratado global pode impulsionar novos negócios de reuso e refil, criar empregos e tornar o Brasil competitivo em um cenário global que já exige soluções sustentáveis. Muitos desses itens já são banidos no mundo e estamos perdendo a chance de liderar essa transição”, ela afirma.
O Brasil também tem sido criticado por negociadores de diferentes blocos por uma postura opaca e confusa, de acordo com pelo menos onze delegados de países em desenvolvimento e também desenvolvidos, além das nações mais afetadas pela poluição plástica, ouvidos pela reportagem ao longo da última semana.
Pelos corredores, a postura opaca da delegação brasileira virou piada entre negociadores da High Ambition Coalition e ganhou o apelido ‘Psyduck’. O personagem do desenho animado Pokémon é lembrado por aparecer com as mãos na cabeça, confuso e com dor de cabeça.
Em nota, o Itamaraty afirmou que o Brasil busca facilitar uma negociação polarizada, buscando caminhos que possam contar com o apoio de todos os membros da ONU. A resposta cita que alguns países defendem “incrementos de infraestrutura e tecnologias dos sistemas de gestão de resíduos, bem como por meio de desenho de produto mais circular”.
“Outros defendem que, para enfrentar o problema, cortes e limites diretos à produção de plásticos devem ser impostos globalmente para todos os países. Via de regra, estes últimos concentram-se excessivamente na fase da produção”, afirma a nota.