29 Julho 2025
As organizações israelenses B'Tselem e Médicos pelos Direitos Humanos em Israel (PHRI) acusaram o governo israelense de cometer genocídio na Faixa de Gaza na segunda-feira, uma denúncia histórica feita por ONGs locais em relação à ofensiva contra o enclave palestino. A alegação foi feita no momento em que as primeiras entregas de ajuda humanitária à Faixa foram anunciadas, embora organizações internacionais questionassem a eficácia da liberação parcial diante da enorme crise humanitária.
A reportagem é publicada por Página|12, 29-07-2025.
"É crucial que chamemos as coisas pelos seus nomes neste momento", disse a Dra. Daphna Shochat, do PHRI, em uma coletiva de imprensa em Jerusalém, apresentando o relatório do grupo sobre a situação médica em Gaza.
A diretora executiva da B'Tselem, Yuli Novak, também expressou sua tristeza, afirmando que "nada nos prepara para a percepção de que fazemos parte de uma sociedade que comete genocídio. Este é um momento profundamente doloroso para nós". Novak também observou que a realidade "não nos deixa outra escolha a não ser reconhecer a verdade: Israel está cometendo genocídio contra os palestinos de Gaza".
Este relatório chega em um momento em que as entregas de ajuda humanitária ao enclave estão começando a ser registradas, após as "pausas humanitárias" iniciais: no domingo, Israel anunciou que suas forças armadas suspenderiam temporariamente as operações em Gaza, Deir al-Balah e Muwasi por 10 horas por dia para melhorar o fluxo de ajuda e garantir rotas seguras para sua entrega.
No entanto, as autoridades palestinas relataram que pelo menos 36 palestinos morreram na Faixa de Gaza na segunda-feira. De acordo com o Ministério da Saúde de Gaza, 14 mortes por desnutrição foram registradas nas últimas 24 horas, elevando o total de vítimas da fome para 147 desde o início do conflito.
Durante a coletiva de imprensa, as ONGs apontaram os líderes israelenses como os principais culpados pelo que está acontecendo, mas também acusaram a comunidade internacional de não fazer o suficiente para deter a guerra. "A análise da política israelense na Faixa de Gaza e suas terríveis consequências, bem como as declarações de altos funcionários políticos e militares israelenses sobre os objetivos do ataque, nos levam à conclusão inequívoca de que Israel está realizando uma ação coordenada com o objetivo de destruir intencionalmente a sociedade palestina na Faixa de Gaza", afirma a investigação.
O relatório do PHRI detalha os efeitos médicos da ofensiva israelense, observando que ela atende aos requisitos legais para genocídio, segundo a Convenção de Genebra. A B'Tselem, por sua vez, documenta declarações de altos funcionários israelenses que pedem a destruição da sociedade palestina em Gaza. "É uma combinação aterrorizante de circunstâncias que nos leva à realidade que estamos testemunhando hoje", explicou a autoridade da B'Tselem.
Além disso, a organização alertou que Israel poderia estar replicando o modelo de Gaza na Cisjordânia ocupada, embora em menor escala, estendendo o genocídio a toda a população palestina. Novak descreveu a sociedade israelense como "capaz de apagar a humanidade das pessoas e perder toda a empatia e moralidade" por meio de um "processo de desumanização sistemática dos palestinos".
Por sua vez, o porta-voz do governo israelense, David Mencer, rejeitou firmemente as acusações, afirmando que "não faz sentido" enviar 1,9 milhão de toneladas de ajuda se houver intenção genocida genuína. "Nossas forças de defesa atacam terroristas, não civis. O Hamas é responsável pelo sofrimento em Gaza", acrescentou.
Enquanto isso, o primeiro-ministro israelense Benjamin Netanyahu reiterou na segunda-feira que Israel não interromperá sua ofensiva em Gaza até atingir dois objetivos principais: "Temos uma tarefa a cumprir: eliminar o Hamas e trazer de volta nossos reféns. Não desistiremos por um momento sequer. Esses são dois objetivos inter-relacionados", disse ele durante uma visita à sede da Diretoria de Inteligência Militar, o principal braço de inteligência das Forças de Defesa de Israel (IDF).
ONGs internacionais como a Anistia Internacional e a Human Rights Watch já denunciaram "atos genocidas" em Gaza, e a África do Sul entrou com uma ação na Corte Internacional de Justiça (CIJ) em dezembro de 2023 acusando Israel de genocídio, um caso que ainda está em andamento. A CIJ chegou a emitir mandados de prisão contra Netanyahu e seu ex-ministro da Defesa, Yoav Gallant.
Apesar das repetidas garantias do governo israelense de que não está sujeitando a população do enclave à fome, alguns de seus aliados mais próximos parecem ter dúvidas.
O presidente dos EUA, Donald Trump, disse na segunda-feira que discordava de Netanyahu sobre a ausência de uma crise humanitária, citando imagens de televisão de "crianças famintas", embora tenha culpado o Hamas pelo roubo de alimentos. "Essas crianças parecem estar com muita fome, mas estamos doando muito dinheiro e muita comida, e outras nações estão intervindo", disse Trump durante uma reunião com o primeiro-ministro britânico, Keir Starmer, na Escócia. Starmer rapidamente se pronunciou, chamando o que está acontecendo em Gaza de uma crise humanitária e " uma catástrofe absoluta ".
O bloqueio israelense à distribuição de ajuda humanitária é um dos pontos focais das alegações de genocídio feitas por ONGs. "As estradas estão prontas, os caminhões estão prontos, a comida e os remédios estão lá. Tudo está pronto para levar ajuda a Gaza, que fica a poucos quilômetros de distância", observaram na investigação.
Na segunda-feira, a organização Médicos Sem Fronteiras (MSF) descreveu os lançamentos aéreos de ajuda humanitária de Israel para os moradores de Gaza como " ineficazes " e " perigosos ", uma iniciativa que chamou de "cheia de cinismo". Isso foi explicado pelo coordenador de emergência da MSF em Gaza, Jean Guy Vataux, que defendeu o uso de caminhões para entregar suprimentos com segurança. "Eles transportam muito menos suprimentos do que as 20 toneladas que podem ser transportadas em um caminhão", observou.
Nesse sentido, Vataux esclareceu em comunicado que "tudo o que é necessário é que as autoridades israelenses decidam facilitar a chegada deles: agilizar o processo de autorização, permitir a entrada de mercadorias em larga escala e coordenar-se para permitir sua coleta e entrega seguras. Só então poderemos começar a lidar com a fome que estamos presenciando", afirmou.
A organização observou que "dois milhões de pessoas estão presas em um pequeno pedaço de terra, representando apenas 14% de toda a Faixa de Gaza", tornando as baixas inevitáveis caso a ajuda chegue a essas áreas. Vataux acrescentou que os lançamentos aéreos em áreas onde Israel ordenou o deslocamento de civis " forçam as pessoas a entrar em zonas militarizadas, arriscando suas vidas, para obter alimentos".
O exército israelense informou que, nas últimas horas, cerca de 20 carregamentos de alimentos foram entregues a moradores do norte e do sul de Gaza "em cooperação com a Jordânia e os Emirados Árabes Unidos". No entanto, testemunhas de Gaza disseram à EFE que apenas 12 paletes haviam chegado à área até segunda-feira.
"As Forças de Defesa de Israel continuarão trabalhando para melhorar a resposta humanitária na Faixa de Gaza, em cooperação com a comunidade internacional, ao mesmo tempo em que negam as falsas acusações de fome deliberada em Gaza", afirmou o governo na rede social X.