24 Julho 2025
Há quase dois anos o conflito em Gaza é coberto principalmente por jornalistas palestinos em razão do bloqueio imposto por Israel, que impede a entrada de repórteres estrangeiros. Os veículos de comunicação temem cada vez mais pela segurança de seus jornalistas que, como o restante da população, enfrentam a violência dos bombardeios, mas também a fome, como relata o correspondente da RFI na região, Rami El Meghari.
A reportagem é publicada por RFI, 23-07-2025.
Em um cenário de guerra que já dura quase dois anos, Rami El Meghari vivenciou bombardeios, deslocamentos forçados e algumas vezes viu a morte de perto. Mas nos últimos dias, a fome se tornou uma ameaça real para o jornalista em um território onde a entrada de alimentos é cada vez mais rara.
"Quando saio para fazer reportagens, preciso de energia, de carboidratos. Não é possível encontrá-los", explica e correspondente da RFI em Gaza. "Hoje, vemos as pessoas desmaiando de fome nas ruas. Algumas crianças estão sendo forçadas a beber água com sal para aguentar, porque não há comida ou porque tudo está extremamente caro", conta. "Eu pelo menos tenho uma pequena fonte de renda [como jornalista]. Mas, nos últimos dias, está cada vez mais difícil..."
Rami relata que precisa alimentar quatro pessoas e lembra que atualmente em Gaza um quilo de farinha custa US$ 45 (cerca de R$ 250 no câmbio atual), uma fortuna para os padrões locais, ainda mais em um contexto de guerra. Além dos preços elevados, a distribuição pontual de alimentos pelas organizações humanitárias também representa um risco. Desde junho, mais de 1.000 palestinos de Gaza foram mortos enquanto esperavam para receber ajuda alimentar, incluindo a tão necessária farinha.
Aqui, a maioria das pessoas são civis! São pessoas pobres. Eles não têm o que comer.
“É uma nação abandonada, e por causa disso, não é levada em consideração. E isso não é normal!", desabafa Rami.
Mais de 100 ONGs alertaram na quarta-feira (23) sobre a propagação de uma "fome" em larga escala no território, onde vivem mais de dois milhões de habitantes. Um bloqueio total imposto em março por Israel, que foi parcialmente relaxado no final de maio, resultou em uma severa escassez de alimentos, medicamentos e combustíveis.
Youssef Hassouna, jornalista de vídeo da AFP que vive em Gaza, também conta que sua principal dificuldade atualmente é conseguir comida suficiente para ele e sua família. Em quase dois anos de guerra, ele perdeu mais de 40 quilos: "Eu pesava cerca de 110 quilos, hoje estou entre 65 e 70 quilos", relata.
"O acesso à água é igualmente difícil, seja água doce ou salgada", acrescenta Hassouna. "As crianças precisam esperar de quatro, cinco, seis ou até sete horas para conseguir água", diz ele.
Os deslocamentos no território também se tornaram cada vez mais complexos para o jornalista exercer seu trabalho. "Todos os dias, eu caminho de 14 a 15 quilômetros" sob um calor escaldante para coletar informações na faixa de Gaza em guerra, conta. "Eu costumava trocar de sapatos a cada seis meses, mas agora, desgasto um par a cada mês", compara.
A campanha militar lançada por Israel em Gaza, em represália ao ataque sem precedentes do Hamas em seu território em 7 de outubro de 2023, custou a vida de 59.219 pessoas, sendo a maioria civis, segundo dados do Ministério da Saúde de Gaza, considerados confiáveis pela ONU. A ONG Repórteres Sem Fronteiras (RSF) indicou no início de julho que mais de 200 jornalistas foram mortos no enclave desde o início do conflito.
O governo israelense declarou nesta quarta-feira (23) que não era responsável pela crônica escassez de alimentos na faixa de Gaza e acusou o movimento islâmico palestino Hamas de ter criado deliberadamente uma crise.
"Em Gaza, hoje, não há fome causada por Israel", afirmou o porta-voz do governo, David Mencer, após o alerta emitido pelas mais de 100 ONGs, instando Israel a liberar ajuda humanitária. "Trata-se de uma escassez provocada pelo Hamas", acrescentou Mencer, acusando o movimento de impedir a distribuição de alimentos e de saquear a ajuda para suas próprias necessidades.