25 Julho 2025
A informação é de José Manuel Vidal, publicada por Religión Digital, 24-07-2025.
Nos bastidores eclesiásticos anti-Francisco, nunca desaparece de todo a esperança – ou ilusão, dependendo do ponto de vista – de que, com cada novo pontífice, soprem finalmente ventos mais favoráveis aos desejos dos setores mais conservadores da Igreja. Não poderia ser diferente com a chegada de Leão XIV, recebido pelos chamados rigoristas – como os batizou Bergoglio – com um suspiro de alívio e um olhar expectante: seria ele finalmente o Papa que viria a corrigir, mesmo que nas entrelinhas e com luvas de pelica, os “erros” (e até as ‘heresias’) atribuídos ao seu carismático predecessor?
Desde a Cúria Romana (que sempre detestou Francisco, que os fustigava para que deixassem de ser clericais e simples funcionários do sagrado) até os fóruns digitais ultramontanos, muitos conservadores se apegaram — e se apegam — à fantasia de uma restauração paulatina do ‘sempre se fez assim’.
Veem na sobriedade e na moderação de Leão XIV sinais inequívocos de uma “correção discreta”, uma espécie de volta à ordem, ao Direito Canônico e à doutrina entendida de forma restritiva e segura. Interpretam qualquer nuança tradicional nos gestos ou linguagem do Papa como o início de um “novo ciclo”, ainda que esses gestos sejam, na realidade, acenos à unidade ou ao abraço da totalidade católica.
Os ultraconservadores pensam assim por uma série de razões:
A mudança de estilo: menos manchetes, menos gestualidade e menor exposição midiática são lidos como sintoma de desvinculação em relação a Francisco.
A cautela nas reformas: o ritmo prudente das mudanças estruturais é interpretado como um “freio” ao impulso transformador anterior.
Gestos litúrgicos ou simbólicos: a recuperação (ainda que circunstancial) de certos usos tradicionais (murça, estola) alimenta a narrativa da restauração.
Falso antagonismo: o desejo de contraste os leva a ver rupturas drásticas onde há apenas nuanças ou prudência pastoral.
A história ensina que esse desejo tem pernas curtas, porque, normalmente, as mudanças de ciclo na Igreja não são bruscas e costumam durar mais de um pontificado. Por exemplo, do ciclo reformador conciliar de João XXIII e Paulo VI passou-se ao involutivo de João Paulo II e Bento XVI. E deste último, ao primaveril de Francisco, que continuará Leão XIV.
Nesse sentido, a realidade é teimosa: o novo Papa mantém a primavera sinodal, aposta na reforma da participação laical e na inclusão, e defende a misericórdia e o diálogo como eixos insubstituíveis em sua aposta pela paz e pela unidade.
À medida que as nomeações curiais, os primeiros documentos e os grandes gestos forem confirmando a continuidade de fundo e não uma restauração de formas, a bolha conservadora irá se esvaziando. Os mais lúcidos entre os rigoristas já começam a assumir isso, ainda que a contragosto: Leão XIV não é o Papa do retrocesso, mas da série reformista, sem estridências, mas sem recuos.
Chegará então o momento de “cair do cavalo” para os conservadores. Alguns, com honestidade intelectual, deixarão de chamar Francisco de herege e — talvez em voz baixa — reconhecerão o alcance espiritual e pastoral de seu pontificado. Aceitarão, ainda que a contragosto, que a Igreja não quer nem pode desandar o caminho percorrido.
Mas, se a história se repete, outro setor mais rigorista dentro do conservadorismo buscará um novo objetivo para seu descontentamento: passarão de ver Leão XIV como restaurador para rotulá-lo de traidor ou, pior ainda, prolongador dos erros “bergoglianos” e seu discípulo predileto.
Haverá, portanto, quem – desiludido – anatematize também o novo Papa, elevando a pureza doutrinal acima da comunhão eclesial e repetindo a velha tática de “outsiders” eternamente desencantados. Um círculo sem fim de medos e rupturas, alimentado mais pelos medos do que pela realidade pastoral e eclesial.
O certo é que a primavera do Espírito não se detém com mudanças de estilo nem com trocas de inquilino no papado. Leão XIV continuará a obra de Francisco, com seu próprio ritmo e personalidade, mas sem volta atrás. Mais cedo ou mais tarde, os rigoristas terão que voltar a conviver (ou continuar convivendo) com a Igreja real, diversa, aberta e em saída que se constrói a partir de e para todos.
E talvez aprendam, com humildade, que a história nunca marcha em círculos perfeitos para trás, mas avança, às vezes a passo lento, mas sempre guiada pelo mesmo Espírito que já derreteu tantas ilusões de restauração. Porque ninguém pode parar a primavera na primavera e, sobretudo, nas asas do Espírito.