25 Julho 2025
"A distribuição de ajudas é controlada e militarizada, e aqui em Gaza já se tornou impossível produzir alimentos localmente. Isso não é assistência, mas um massacre disfarçado de misericórdia".
O artigo é de Mohammed Abu Mughaisib, publicado por La Stampa, 22-07-2025. A tradução é de Luisa Rabolini.
Mohammed Abu Mughaisib vice-coordenador de Médicos Sem Fronteiras em Gaza.
Nunca imaginei que esse dia chegaria. Eu costumava documentar a fome e a desnutrição que afetam crianças, gestantes e famílias deslocadas. Relatava a falta de saneamento, a insegurança alimentar e o sofrimento diário. Mas nunca pensei que teria que vivenciar isso pessoalmente. Há um mês venho sobrevivendo com apenas uma refeição por dia. Agora, com apenas uma refeição a cada dois dias. Não porque não possa comprar comida, mas porque não há mais comida para comprar. Os mercados estão vazios. Tento aliviar a dor de estômago com qualquer coisa que consiga colocar em minha boca. As energias estão me abandonando, meu corpo está cedendo. E não sou o único: todos nós que trabalhamos na área da saúde sofremos da mesma fome. Tratamos pacientes que estão morrendo de fome, enquanto nós mesmos sofremos fome. Aqueles que dirigem as ambulâncias e transportam os feridos estão com fome.
Espera-se que salvemos vidas enquanto as nossas se consomem lentamente. Não se trata apenas de fome, mas de uma lenta destruição da vida, da dignidade e da humanidade. Em nossas instalações médicas no sul e no norte de Gaza — nas clínicas de Al-Mawasi e da Cidade de Gaza —, os Médicos Sem Fronteiras estão registrando o maior número de casos de desnutrição jamais visto aqui na Faixa de Gaza.
Em nossos centros de alimentação terapêutica, mais de 700 mulheres estão sendo tratadas, algumas grávidas e outras amamentando, e quase 500 crianças com desnutrição grave e moderada. Essa é a primeira vez que vemos um número tão alto de casos de desnutrição em Gaza. Essa fome a que somos forçados é intencional: poderia acabar amanhã se as autoridades israelenses permitissem a entrada de alimentos em larga escala.
Em vez disso, são limitados ao mínimo necessário para a sobrevivência. A distribuição de ajudas é controlada e militarizada, e aqui em Gaza já se tornou impossível produzir alimentos localmente. Isso não é assistência, mas um massacre disfarçado de misericórdia. Essas distribuições de alimentos não são ajudas humanitárias, são crimes de guerra. Quantas pessoas mais terão que morrer antes que o mundo pare de fingir que tudo isso é um ato de ajuda?