15 Julho 2025
O ex-primeiro-ministro israelense Ehud Olmert considera que a "cidade humanitária" que o atual ministro da Defesa israelense, Israel Katz, propôs edificar sobre as ruínas de Rafah, no sul de Gaza, equivale a um campo de concentração, e que obrigar os palestinos a entrar ali seria limpeza étnica. Ele defende a necessidade de aumentar a pressão internacional.
A informação é de Emma Graham-Harrison, publicada por El Salto, 15-07-2025.
Em entrevista ao jornal The Guardian, Olmert assinala que Israel já está cometendo crimes de guerra em Gaza e na Cisjordânia e que a construção desse campo suporia uma escalada. "Me desculpe, é um campo de concentração", respondeu o ex-primeiro-ministro quando questionado sobre os planos expostos na semana passada por Katz, que especificou que, segundo seu plano, os palestinos não poderiam sair de Rafah, salvo para ir a terceiros países.
Katz ordenou ao exército que comece a redigir os planos operacionais para a construção da chamada "cidade humanitária" sobre as ruínas do sul de Gaza com o objetivo de abrigar, em uma primeira fase, 600 mil pessoas; e depois, toda a população palestina.
"Se [os palestinos] forem deportados para a nova 'cidade humanitária', poderá ser dito que isso faz parte de uma limpeza étnica; ainda não aconteceu", diz Olmert. Ele também assegura que essa é "a interpretação inevitável" diante de qualquer tentativa de criar um campo para centenas de milhares de pessoas.
Olmert, que foi primeiro-ministro de Israel entre 2006 e 2009, não considera que a atual campanha de Israel constitua limpeza étnica até o momento. Segundo defende, evacuar os civis para protegê-los dos combates cumpre com o direito internacional, e os palestinos retornaram às zonas nas quais terminaram as operações militares [um critério que não compartilham juristas e organizações como a Human Rights Watch, que considera que o que Israel denomina “evacuação” constitui um deslocamento forçado e, portanto, um crime de guerra].
O projeto do ministro da Defesa conta com o respaldo de Benjamin Netanyahu, o primeiro-ministro de Israel. A rejeição do governo israelense a retirar o exército da zona que Katz prevê para o campo se tornou um fator de desequilíbrio nas vacilantes negociações para um acordo de cessar-fogo, segundo informações de meios de Israel.
Olmert não considera críveis as afirmações do governo de que o plano é uma forma de proteger os palestinos, haja vista os projetos de construção de assentamentos israelenses na Faixa e os meses de retórica violenta em que vários ministros têm falado em “limpar” Gaza.
Quando constroem um acampamento no qual [planejam] ‘limpar’ mais da metade de Gaza, a interpretação inevitável desta estratégia é que não se trata de salvar [os palestinos]; é para deportá-los, empurrá-los e destruí-los; ao menos eu não vejo outra coisa.
Advogados e acadêmicos israelenses especializados em direitos humanos descreveram o plano como um projeto para cometer crimes contra a humanidade, e sua aplicação “poderia constituir delito de genocídio, em determinadas condições”.
Outros israelenses que descrevem essa “cidade humanitária” como um campo de concentração têm sido criticados por evocar a lembrança da Alemanha Nazista, quando o que o governo Israelense diz estar fazendo é proteger os palestinos. O Yad Vashem, o centro israelense pela memória do Holocausto, acusou um jornalista israelense que utilizou essa comparação de “distorção grave e inapropriada do significado do Holocausto”.
Olmert falou com o The Guardian no dia em que se celebravam na Cisjordânia os funerais de dois palestinos, um deles cidadão americano, assassinados por colonos israelenses. Essas últimas mortes fazem parte de uma campanha de dois anos com intimidações violentas que têm obrigado os moradores de várias aldeias a fugir de seus lares.
Para Olmert, esses ataques são crimes de guerra. “É imperdoável e inaceitável; são operações constantes, organizadas e orquestradas por um grande grupo da maneira mais brutal e criminosa”. Em Israel, os atacantes costumam ser descritos como extremistas marginais. Chamam-nos de “a juventude das colinas”.
Olmert prefere o termo “atrocidades das colinas” para as atividades desses jovens, que estão desenvolvendo uma campanha de violência crescente com uma impunidade quase total. “Não há forma de que possam agir de forma tão coerente, prolífica e generalizada sem um quadro de apoio e proteção proporcionado pelas autoridades [israelenses] nos territórios [palestinos ocupados]”, diz.
O antigo primeiro-ministro opina que nenhum inimigo exterior representa uma ameaça maior para a segurança a longo prazo de Israel do que os próprios ministros extremistas do gabinete, por seu respaldo à violência contra os palestinos de Gaza e Cisjordânia. Com o objetivo de ampliar as fronteiras israelenses, o Governo tem autorizado grandes ampliações dos assentamentos e lhes tem cedido as labores policiais. “Esses tipos são o inimigo de dentro”, acusa.
O sofrimento extremo em Gaza e as atrocidades cometidas pelos colonos na Cisjordânia alimentam uma ira contra Israel que não pode ser taxada de antissemitismo, segundo Olmert. “As expressões de ódio contra Israel nos Estados Unidos cada vez são maiores”, diz. “Rebaixamos isso dizendo ‘são antissemitas’, mas não creio que só haja antissemitas, creio que muitos deles são anti-israelenses pelo que veem na televisão, pelo que veem nas redes sociais [...] É uma reação dolorosa, mas normal de gente que diz: 'Vocês cruzaram todas as linhas possíveis’”.
Segundo Olmert, a atitude dentro de Israel não mudará até que os israelenses comecem a sentir o peso da pressão internacional. À falta de uma boa oposição dentro de Israel, o ex-primeiro-ministro pede uma intervenção internacional mais contundente e critica os meios israelenses por não informar sobre a violência contra os palestinos.
Olmert deu seu respaldo à campanha inicial contra o Hamas depois dos ataques de 07-10-2023. Mas diz que nesta primavera, quando o Governo abandonou “publicamente e de forma brutal” as negociações para um cessar-fogo, já havia chegado à conclusão de que Israel estava cometendo crimes de guerra.
Ele diz que “envergonhado e com o coração partido” pela transformação de uma guerra de autodefesa em outra coisa, decidiu levantar a voz: “O que posso fazer para mudar a atitude, exceto reconhecer os males, em primeiro lugar; e em segundo, criticá-los e assegurar-me de que a opinião pública internacional saiba que em Israel há outras vozes, muitas vozes?”
Mais do que a uma campanha de brutalidade organizada, Olmert atribui o que chama de crimes de guerra à negligência e à vontade de tolerar um nível desmesurado de morte e devastação. “[Os comandantes] deram uma ordem? Nunca”, diz. O que sim crê é que os militares olham para o outro lado quando se fazem coisas que inevitavelmente “provocarão a morte de um grande número de pessoas não implicadas”. “Por isso não posso deixar de acusar este Governo de ser responsável pelos crimes de guerra cometidos”, diz.
Olmert é o último primeiro-ministro israelense que tentou chegar a uma solução negociada com os palestinos. Durante seu mandato, Israel também realizou a chamada Operação Chumbo Fundido sobre Gaza, que causou mais de 1.400 mortos. Hoje, apesar da destruição da Faixa, ainda acredita possível a solução dos dois Estados. Agora trabalha com Nasser al-Kidwa, que foi ministro das Relações Exteriores da Palestina, para impulsionar essa solução a nível internacional.
O veterano político acredita que se Netanyahu pudesse ou quisesse aceitar, inclusive se poderia chegar a um acordo histórico: o fim da guerra em Gaza em troca da normalização das relações com a Arábia Saudita.