Direitos da Natureza e Direitos Humanos oferecem pistas para enfrentar o colapso ecossocial

Enrique Viale, advogado ambiental argentino, é o palestrante do Ciclo de estudos Direitos da Natureza e a proteção do não-humano na crise epocal desta semana no Instituto Humanitas Unisinos - IHU

Foto: Marcelo Camargo | Agência Brasil

Por: Patricia Fachin | 28 Junho 2025

“A paz na Terra não implica apenas o silêncio das armas”. A declaração de Enrique Viale é propositiva, particularmente no atual contexto internacional, onde declarações de cessar-fogo não indicam real desejo de paz e, por vezes, são subterfúgios para operações que sustentam conflitos bélicos, amparados em outras instâncias, como o ordenamento jurídico internacional ou seu total descumprimento. Líderes políticos reivindicam a paz, mas, juridicamente, impedem a serena convivência entre os povos. A paz exige, segundo Viale, “a interrupção de todos os processos que geram danos irreversíveis ao ambiente – do qual fazemos parte –, danos que afetam as comunidades locais e a humanidade, danos que muitas vezes constituem crimes de ecocídio”.

Para perseguir o caminho da paz, o argentino sugere que a proteção dos territórios seja ancorada em uma via dupla, ambas sustentadas por mecanismos jurídicos que integrem os Direitos Humanos e os Direitos da Natureza. “A destruição da natureza afeta as próprias bases da existência e agrava os conflitos sociais. Na prática, para superar este caminho de autodestruição, devemos promover a validade combinada dos Direitos Humanos e dos Direitos da Natureza: trata-se de uma somatória de direitos existenciais para garantir uma vida digna para seres humanos e não humanos”, propõe.

Essa perspectiva, explica, conduz à defesa e constituição de um pluralismo jurídico fundamentado na justiça ecológica e na justiça social, a partir do qual múltiplos mundos possam conviver. “Aceitemos que não pode haver nenhum direito que permita ou encoraje a exploração impiedosa da Mãe Terra, muito menos a destrua, mas apenas um direito à coexistência ecologicamente sustentável. As leis humanas e as ações dos humanos, então, devem estar harmonizadas e em sintonia com as leis da natureza. Nesta perspectiva, a validade destes direitos existenciais responde às condições materiais que permitem a sua cristalização e não a um mero reconhecimento formal no campo jurídico. A sua projeção, portanto, deve superar perspectivas que entendem os direitos como compartimentos estanques, uma vez que a sua incidência deve ser múltipla, diversa e transdisciplinar”, esclarece.

Essa temática será abordada por Enrique Viale na videoconferência intitulada “Colapso ecológico e os Direitos da Natureza como possibilidade de caminhar em paz com a Terra”, que integra o ciclo de estudos Direitos da Natureza e a proteção do não-humano na crise epocal, promovido pelo Instituto Humanitas Unisinos – IHU. O evento será transmitido na página eletrônica do IHU, nas redes sociais e no YouTube na próxima quarta-feira, 02-07-2025, às 10h. 

Viale é membro da Asociación Argentina de Abogados Ambientalistas (AAdeAA), juiz do Tribunal Internacional dos Direitos da Natureza e membro do Pacto Ecossocial Intercultural do Sul. Juntamente com Maristela Svampa, é autor de El colapso ecológico ya llegó: Una brújula para salir del (mal)desarrollo (Siglo XXI, 2020). 

Ambos criticam a expansão extrativista na América Latina, justificada, inclusive, por governos progressistas, em nome do enfrentamento das desigualdades sociais que assolam as populações do continente. Segundo Maristela Svampa, “existe uma falsa oposição entre o social e o ecológico ou ambiental”. Ao final do ciclo progressista que vigorou no continente nas duas primeiras décadas do século XXI, pontua, “vimos que a desigualdade não foi reduzida”. 

Na Argentina, o cenário extrativista não foi alterado com a mudança no espectro político e a gestão do governo de Javier Milei, da extrema-direita, eleito no fim de 2023. “O governo reforça o extrativismo e ameaça acabar com as leis ambientais, propondo uma caça aos ambientalistas, exacerbando a desigualdade e o conflito social sob um regime autoritário que prioriza os interesses corporativos”, denuncia Viale.

Para fazer frente à falta de perspectiva política no país e na América Latina, Maristela propõe um “pacto ecossocial e intercultural do Sul”. A iniciativa, promovida por ativistas e organizações sociais de vários países, explica, busca “instalar uma plataforma comum, a partir da qual possamos avançar com outra agenda de mãos dadas com conceitos-horizontes que foram desenhados no calor das lutas ecoterritoriais, feministas, indígenas e campesinas”.

Ciclo de estudos

Na última terça-feira, Ramiro Ávila Santamaría, advogado e doutor em Jurisprudência pela Pontifícia Universidade Católica do Equador, ministrou a conferência "Os direitos humanos e os Direitos da Natureza no novo constitucionalismo andino". No evento, o professor da Universidade Andina Simón Bolívar abordou a temática do pluralismo jurídico a partir da constituição de três grandes sistemas normativos: o sistema de Direito estatal, que ordena as leis do Estado, o sistema de Direito não estatal, que trata das normas que se formam na relação daqueles que vivem à margem do Estado, e o sistema de Direito Selvagem ou Direito da Natureza, que tem a ver com as leis da natureza. “De acordo com o Direito Selvagem, a premissa de legitimidade do Direito é que o direito humano, o direito da espécie humana, só será legítimo, sempre e quando, respeitar o direito da natureza”, destaca. A palestra completa está disponível abaixo. 

As demais conferências do ciclo estão disponíveis aqui. A programação completa pode ser acessada na página do evento. A atividade é gratuita. Será fornecido certificado a quem se inscrever e, no dia do evento, assinar a presença por meio do formulário disponibilizado durante a transmissão. 

Inscreva-se no ciclo de estudos aqui.

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