26 Junho 2025
Moradores de Gaza enfrentam risco de morte em pontos de distribuição israelenses apoiados pelos EUA.
A informação é de Maha Hussaini, publicada por El Salto, 25-06-2025.
Hala Raheem, mãe de cinco filhos em Gaza, se recusa a deixar o marido ir aos pontos de distribuição de ajuda apoiados pelos Estados Unidos. Após ouvir sobre as centenas de palestinos mortos a tiros nesses locais, ela diz que prefere "passar fome a ficar viúva".
"Desde que esse mecanismo israelense foi implementado, discuti muitas vezes com meu marido porque ele quer ir buscar ajuda. Eu o lembro que não quero perdê-lo lá", explica Raheem. "Centenas de pessoas foram baleadas enquanto tentavam pegar pacotes de comida. Conheço mulheres que ficaram viúvas e mães que perderam seus filhos depois de enviá-los aos pontos de distribuição".
Em 27 de maio, Israel começou a aplicar um novo mecanismo de distribuição na Faixa de Gaza, após quase três meses de proibição total de entrada de bens e ajuda, um bloqueio que forçou a ONU e organizações internacionais de ajuda a suspenderem suas distribuições no empobrecido enclave.
O controverso mecanismo, gerenciado pela Gaza Humanitarian Foundation (GHF), dos EUA, sob supervisão israelense em três pontos de distribuição no centro e sul de Gaza, resultou na morte de mais de 397 palestinos por fogo israelense desde sua implementação, segundo organizações de direitos humanos.
"Há inúmeras razões pelas quais não conseguimos ter acesso à ajuda. Em primeiro lugar, viver no norte de Gaza significa uma exaustiva viagem de ida e volta de 20 quilômetros apenas para pegar um único pacote com alimentos básicos, mal o suficiente", nos conta Raheem.
"Em segundo lugar, esses lugares não são meros pontos de distribuição de ajuda; são locais de morte. Não consigo suportar a ideia de perder qualquer um dos meus filhos ou meu marido apenas para conseguir uma refeição que durará apenas alguns dias".
Raheem, cujo marido trabalhava na construção antes do início da guerra de Israel contra Gaza em outubro de 2023, agora depende quase que completamente da caridade para alimentar seus filhos.
"O trabalho do meu marido foi interrompido no início da guerra, e desde então não temos nenhuma fonte de renda. Nos meses anteriores ao bloqueio das fronteiras pela ocupação israelense, dependíamos muito da ajuda internacional distribuída pela UNRWA e outras organizações humanitárias", explicou.
"Essa ajuda era relativamente suficiente, incluía uma variedade de alimentos, especialmente os adequados para as crianças, inclusive as que sofriam de desnutrição. Mas agora, pelo que vi nas redes sociais, os pacotes distribuídos pela organização americana contêm apenas os itens mais básicos, em sua maioria amidos".
Na sexta-feira, Fares, o filho mais velho de Raheem, saiu de casa pela manhã dizendo que ia visitar um amigo. Quando ele não voltou a tempo, Raheem ligou para ele, apenas para descobrir que ele tinha ido buscar um pacote de comida em um ponto de distribuição de ajuda no centro de Gaza.
"Quando ele me disse onde estava, quase desmaiei. Comecei a gritar e a chorar, implorando para ele voltar. Eu disse que não precisávamos da comida, que só precisávamos dele vivo e seguro", ela lembra.
"Ele me disse que ele e seus irmãos estavam com fome, que não aguentavam mais. Felizmente, ele conseguiu voltar para casa, mas de mãos vazias. As forças israelenses abriram fogo contra a multidão, e ele escapou por pouco. Ele prometeu que nunca mais voltaria lá depois do que presenciou".
Raheem se considera "sortuda" por ter o filho de volta com vida. Mas nem todos tiveram a mesma sorte. Ramez Jendiya, um palestino deslocado de 32 anos do bairro de Shijaiya, no leste de Gaza, morreu na hora por disparos enquanto tentava pegar ajuda.
Em meio a um calor sufocante, Jendiya deixou pela última vez sua barraca no Estádio Palestino, na cidade de Gaza. Ele não disse muito naquela manhã, apenas que tentaria novamente levar comida para sua esposa e seus cinco filhos. Não era sua primeira tentativa. Com a escassez de ajuda e as filas que se estendiam por horas, cada viagem carregava o risco crescente de nunca mais voltar.
Em outros dias, Jendiya havia voltado tarde, de mãos vazias, mas vivo. Desta vez, sua esposa esperou até tarde da noite, com os olhos fixos na abertura da barraca e os ouvidos atentos a qualquer som que pudesse significar seu retorno. Mas Jendiya não voltou.
"Ela tentou ligar para os homens que geralmente iam com ele, mas nenhum atendeu. Ela não conseguiu dormir por dois dias, tentando desesperadamente localizá-lo ou descobrir algo sobre seu destino, especialmente depois de ouvir que pessoas haviam sido mortas perto do ponto de distribuição", disse Ahmed, seu irmão.
Foram os familiares de Jendiya que agiram. No sábado à noite, eles viajaram para o centro de Gaza, determinados a encontrá-lo. Levavam a foto dele no telefone, andavam pelas ruas e paravam estranhos, perguntando se alguém havia visto um homem com olhos cansados e cinco bocas para alimentar.
No final, alguém os indicou a ponte do vale de Gaza. "Há corpos lá", disse um beduíno. Mas ninguém se atrevia a se aproximar, era muito perigoso. Então a família ofereceu dinheiro para ajudar.
"Ele se despiu até a roupa de baixo, na esperança de que os franco-atiradores e quadricópteros que sobrevoavam a área o considerassem inofensivo. Ele conseguiu recuperar o corpo", acrescentou Ahmed.
"O lado esquerdo do rosto de Ramez havia desaparecido. Ele tinha uma ferida aberta na nuca; acreditamos que foi atingido por um drone quadricóptero, uma bala, talvez duas, que pôs fim à sua desesperada jornada por um único pacote de comida que ele nunca recebeu".
De volta ao estádio, cinco crianças esperavam sob uma tenda de plástico. Seu pai havia saído para lhes trazer comida. Em vez disso, retornou envolto em uma mortalha.