13 Junho 2025
Uma grande mobilização civil com o objetivo de romper o cerco israelense a Gaza partirá do Cairo em 13 de junho.
O artigo é de Jaume Asens, membro do Parlamento Europeu, publicado por Ctxt, 12-06-2025.
O genocídio em Gaza abriu uma cisão entre os governos e a consciência de seus povos. Uma ferida moral que continua a se agravar. Enquanto muitas instituições optam pela passividade — se não pela cumplicidade —, cidadãos organizados emergem como sujeitos de esperança ativa e desobediência ética. Eles agem como um contrapeso ao colapso da lei e à indiferença institucional.
Em 13 de junho, terá início a Marcha Global para Gaza, uma mobilização civil que parte do Cairo com um duplo objetivo: romper o cerco de uma população faminta e desafiar uma comunidade internacional cada vez mais cega. Centenas de pessoas de todo o mundo marcharão a pé até Rafah, porque não queremos que a história passe sem que tenhamos tentado.
Esta ação se junta a inúmeras iniciativas que surgem da sociedade civil internacional, mas também de dentro do próprio inferno palestino. Em Gaza, onde os hospitais não são mais um refúgio, os médicos continuam a operar sem eletricidade, sem água, sem garantia de retorno para casa. Jornalistas como os da Al Jazeera, que se tornam alvos militares simplesmente por dizerem a verdade. Voluntários acompanham agricultores nos olivais da Cisjordânia para evitar que sejam atacados. Ativistas embarcam na Flotilha da Liberdade porque sabem que a solidariedade não pode esperar pelos governos.
Nestes tempos sombrios, a culpa não pode ser uma emoção estéril. Há silêncios que doem mais que gritos e ausências que pesam mais que bombas. Mas também há maneiras de estar presente sem a permissão dos que estão no poder. Quando os governos falham em cumprir seu dever legal — o de não colaborar com um Estado acusado de genocídio pela Corte Internacional de Justiça —, os cidadãos têm não apenas o direito, mas a obrigação moral, de desobedecer.
A desobediência civil tornou-se a forma suprema de responsabilidade jurídica e política. Diante dessa cumplicidade estrutural, é ela que mantém acesa a chama da lei quando os Estados tentam apagá-la. Porque o direito internacional não apenas proíbe a prática de genocídios: ele nos obriga a não nos rendermos a eles, como nos lembra a Corte Internacional de Justiça. Nos obriga a não vender armas, a não manter relações comerciais, a não participar — de forma alguma — da lógica do extermínio.
É também por isso que o movimento Boicote, Desinvestimento e Sanções (BDS) está crescendo, apelando para que as pessoas não consumam produtos, marcas ou instituições que colaborem com a ocupação, o apartheid ou o genocídio. Cada euro conta e cada cumplicidade tem um custo. Como aconteceu com a África do Sul, não será apenas a diplomacia oficial que deterá esta barbárie, mas a pressão organizada de milhões de pessoas em todo o mundo. Quando a consciência coletiva era mais forte que o conforto e mais digna que a inércia, o apartheid começou a ruir.
Em todos esses corpos colocados a serviço da dignidade, persiste uma forma de esperança que não é otimismo, mas ética. A esperança daqueles que sabem que podem perder, mas ainda assim escolhem estar do lado da justiça. Daqueles que agem não porque acreditam que vencerão, mas porque não fazê-lo seria indecente. Essa esperança é o que resta quando todo o resto desmorona.
Hoje, o mundo está dividido por uma linha invisível, mas intransponível. Não mais entre esquerda e direita, norte e sul, leste e oeste. É uma linha divisória ética. De um lado estão aqueles que colaboram com o genocídio. Do outro, aqueles que o denunciam. De um lado, os governos que continuam a proteger a impunidade de Israel. Do outro, os médicos, jornalistas e ativistas que arriscam seus corpos, até mesmo suas vidas, para apoiar as vítimas.
Essa esperança também se expressa nas ruas da Europa, nas salas de aula, nos portos que dizem "não" aos navios da morte. Na pressão que levou a TVE a condenar ao vivo o que outros transformaram em espetáculo. Nas sessões paralelas organizadas em Bruxelas enquanto o Parlamento permanecia em silêncio. Ali, o espírito do Tribunal Russell é revivido: nomear o crime quando os governos o encobrem. Julgar moralmente quando a lei vacila. Não para substituir a justiça oficial, mas para lembrá-la de sua função.
Porque mesmo no coração da noite, há gestos que salvam o mundo da sua própria destruição. Pequenos atos que não param a maquinaria do horror, mas lembram à história que nem tudo foi silêncio e cumplicidade. Há uma forma de beleza que não brilha, mas perdura. Que não salva, mas sustenta. E nessa beleza frágil — ética, humana, incorruptível — a dignidade do nosso tempo ainda se sustenta.
Talvez não haja vitória. Talvez tudo esteja perdido. Mas, como o Dr. Rieux — o protagonista do romance A Peste, de Albert Camus —, há aqueles que continuam a salvar vidas sem fé ou recompensa em meio ao horror. Não porque acreditem no céu, mas porque não querem fazer parte do inferno.
Como Fátima Hassouna, que fotografou a morte para que o mundo não pudesse dizer que não a viu antes de ser morta. Como o Dr. Ghassan Abu Sitta, que continuou operando sob bombardeios enquanto tanques israelenses cercavam hospitais antes de ser preso e torturado. Eles não buscavam glória. Simplesmente se recusaram a abandonar a condição humana.
Há aqueles que, diante do inferno, preferem fazer parte dele até não poderem mais vê-lo. Mas há também aqueles que persistem em buscar o que, em meio ao inferno, não é inferno. Quando o mundo se torna um deserto moral, a decência — como disse Camus — é continuar operando em meio aos escombros, continuar quebrando barreiras com o próprio corpo como bandeira, continuar erguendo a lei onde os governos a abandonaram, continuar escolhendo a luz, mesmo quando a escuridão reina.
Podemos não conseguir abrir Rafah para a ajuda humanitária. Mas em tempos em que ignorar o passado se tornou a norma, dar um passo em direção às vítimas — mesmo que seja simbólico, mesmo que seja uma derrota — já é uma forma de vitória moral. Não o fazemos porque achamos que venceremos. Fazemo-lo porque não fazê-lo seria perder-nos. Porque, como escreveu Camus: "Em meio ao ódio, descobri que havia, dentro de mim, um amor invencível". E esse amor — pela justiça, pela dignidade, pela vida — é o que continua a avançar hoje, mesmo em meio ao genocídio.