31 Mai 2025
Chaves para entender a situação nacional pós-eleitoral e o futuro da esquerda equatoriana.
O artigo é de Emílio Campos, publicado por El Salto, 29-05-2025.
Em 24 de maio, Daniel Noboa Azín foi empossado como presidente do Equador, garantindo, apesar dos desafios da Revolução Cidadã, a mudança neoliberal no país até 2029. A cerimônia ocorreu na Assembleia Nacional, como de costume, e foi marcada por ausências notáveis.
Por um lado, das mais de 90 delegações presentes no evento, apenas dois chefes de Estado estavam presentes. Por outro lado, horas antes da posse presidencial, o grupo Revolução Cidadã anunciou sua decisão de não comparecer devido às suspeitas de fraude que ainda pairam sobre o processo eleitoral de 13 de abril.
Noboa, fiel ao seu estilo, manteve seu discurso breve, prometendo mais segurança, como fez durante sua posse anterior, e prometendo reanimar a economia. A verdade é que 2025, com mais de 3 mil assassinatos intencionais entre janeiro e abril, está se configurando como o ano mais sangrento já registrado. Por sua vez, a economia não mostrou sinais de recuperação desde a primeira posse de Noboa e, após uma contração de mais de 2% em 2024, a situação em 2025 não é um bom presságio para melhorias substanciais para abordar as lacunas de investimento social de que o país precisa.
Enquanto isso, a esquerda social e política do país continua sem saber qual estratégia adotar para retomar o controle do Palácio de Carondelet, posição que ocupou ininterruptamente de 2006 a 2017 sob o governo de Rafael Correa. Uma vez que a vitória de Noboa foi ratificada pelo Conselho Nacional Eleitoral, é hora de refletir sobre os próprios fundamentos sobre os quais a política é construída no Equador, um país com altos níveis de polarização, onde a insegurança, a corrupção e os escândalos ocupam as principais manchetes da mídia, tanto nacional quanto internacional.
Talvez a esquerda equatoriana não tenha parado para considerar os novos códigos que regem o sistema político nacional, que também podem ser vistos em outros países da região. Entre memórias nostálgicas do passado, discursos cansados, alianças superficiais e improvisações, a esquerda equatoriana, liderada pela Revolução Cidadã, luta sem uma direção clara, acumulando derrota após derrota e enfrentando um futuro incerto.
A verdade é que, depois do fervor eleitoral dos últimos anos e da instabilidade política gerada pela pena de morte decretada pelo ex-presidente Guillermo Lasso quando decidiu dissolver os poderes legislativo e executivo para abrir caminho a novas eleições gerais, é hora de refletir sobre a situação atual, deixando de lado preconceitos, estratégias de comunicação ultrapassadas e eixos programáticos desgastados. Entender a política no Equador é a primeira e mais urgente tarefa para os setores progressistas, indígenas e sociais do país.
A primeira chave é regional. A bukelização da política e o efeito Milei são dois fenômenos que descrevem perfeitamente a nova situação regional. O antissistema e o politicamente incorreto foram invadidos pela direita reacionária regional. A esquerda, hoje, não controla mais os discursos revolucionários, transformadores e desafiadores do início do século. Pelo contrário, parece que a esquerda regional, assim como a social-democracia europeia, foi forçada a adotar as chaves discursivas da direita.
A securitização, a reaproximação com os Estados Unidos, o aumento dos controles de fronteira graças à política anti-imigração mais rigorosa do governo Trump e a inevitável deslegitimação do governo venezuelano são atualmente pontos em comum em todo o espectro político regional. Cada um deles representa uma vitória da direita; eles são seus principais proponentes, e são eles e a mídia que forçaram a construção desses grandes acordos, onde a única perdedora é a esquerda social e política, incapaz de influenciar e posicionar suas propostas dentro das prioridades regionais.
A segunda chave é ideológica. A clivagem esquerda-direita parece ter se transformado em um modelo difuso que combina novas linguagens e estratégias de comunicação. O discurso de Daniel Noboa adaptou-se às condições do cenário político, desde a postura conciliadora de sua primeira candidatura, ao anticorreísmo mais rançoso, até sua incorporação ao eixo reacionário continental que inclui Donald Trump, Javier Milei e Nayib Bukele, promotores de uma nova securitização e do dogmatismo conservador. Essa mutação da qual estou falando não se assemelha a um fim da história no estilo de Fukuyama. Pelo contrário, é um novo capítulo na luta ideológica e na batalha cultural latino-americana, que exige renovação, adaptação e pragmatismo. A esquerda equatoriana não conseguiu decifrar esses novos códigos, permanecendo em uma espécie de interregno entre um passado glorioso e um futuro desanimador.
A terceira chave são as alianças e os quadros políticos. A esquerda equatoriana, liderada pela Revolução Cidadã, é conhecida por sua abordagem arbitrária na escolha de líderes políticos. A traição de Lenin Moreno após sua eleição como sucessor de Correa foi o clímax desse ciclo vicioso, refletindo o colapso dos canais de comunicação entre a base e o bureau político da organização. Tanto Andrés Arauz, candidato presidencial em 2019, quanto Luisa González, candidata presidencial em 2023 e 2025, são produto de cálculos eleitorais e raciocínios políticos que, como se vê, não se materializaram em vitórias eleitorais. Da mesma forma, as alianças políticas da Revolução Cidadã representaram um ponto fraco em sua estratégia política. Sua incapacidade de formar uma ampla frente de esquerda com o movimento indígena, em parte devido a divergências e atritos não resolvidos do passado, tornou-o presa fácil para campanhas multimilionárias de candidatos de direita, bem como para campanhas de ódio e difamação realizadas principalmente pela mídia.
Mas vemos não apenas uma incapacidade de formar alianças, mas também inconsistências. Raúl Chávez, presidente do Movimento RETO e principal aliado da Revolução Cidadã nas últimas eleições, é hoje um dos principais porta-vozes da "centro-esquerda" no legislativo equatoriano. O empresário guayaquilense, próximo do prefeito de Guayaquil, Aquiles Álvarez, não é uma figura que represente minimamente o legado histórico do que foi a Alianza PAÍS — hoje Revolução Cidadã — e inclusive nos lembra daquela aliança entre o correísmo e o partido Avanza, presidido por Ramiro González, atualmente acusado de vários delitos de corrupção no país. Mais uma vez, os cálculos políticos prevaleceram sobre os processos de deliberação interna e os princípios de horizontalidade característicos de qualquer partido de massa.
A quarta e última chave é a ausência de um significante vazio para a esquerda. A política equatoriana, sitiada pelo crime organizado, corrupção e improvisação, encontra-se num beco sem saída. Não existe um projeto comum, nem de direita nem de esquerda, capaz de unir grupos sociais diversos, como, por exemplo, o projeto constituinte proposto pela Alianza País em sua primeira campanha eleitoral. Há vários anos, a esquerda equatoriana precisa de um programa transformador, tangível e pragmático, capaz de inspirar e unir um país diverso. Por sua vez, a direita é quem mais lucra com as fissuras entre sindicatos, movimentos sociais e partidos políticos de esquerda, assumindo o papel de mal menor, mas isso só resulta em desinvestimento social, privatização e redução da capacidade do Estado.
O Equador, há menos de uma década um bastião do progressismo latino-americano, hoje é um país completamente diferente. A guerra jurídica, a corrupção, o nepotismo e a narcopolítica desmantelaram o Estado, deixando o povo à sua própria sorte, sitiado pela insegurança e pela falta de serviços públicos. Hoje, a migração volta a ser um fenômeno central na realidade equatoriana, como já foi no início do século, após o chamado feriado bancário. O declínio é palpável em todas as áreas. Quedas de energia, escassez de medicamentos, desemprego, pobreza, crise prisional e a destruição do sistema educacional são apenas alguns dos problemas que o país enfrenta hoje.
A esquerda, enquanto isso, continua vivendo um sonho do passado, ansiando por uma vitória eleitoral que redirecione a situação política, social e econômica. No entanto, compreender a nova situação nacional e regional, bem como os próprios fundamentos da política, é a principal tarefa da Revolução Cidadã e da esquerda social equatoriana. É hora de reconstruir o movimento desde suas bases, gerando uma nova liderança, contribuindo com alianças coerentes e abordando as necessidades básicas do povo para construir um fio condutor que desmantelará de uma vez por todas a divisão entre correísmo e anticorreísmo. A perda de influência política, tanto no poder executivo quanto no legislativo, e a nova concepção de política no Equador estão forçando a esquerda social e política a voltar sua atenção para as ruas, as praças, o campo e as periferias, em vez de para os estúdios de televisão, as cadeiras legislativas e os tribunais. Parafraseando o ex-presidente Correa, é imperativo que a esquerda vivencie uma mudança de era, e não simplesmente uma era de mudanças.