02 Junho 2025
"Teilhard de Chardin foi um dos poucos estudiosos do século XX a propor uma síntese dessas duas perspectivas, com igual amor pela ciência e pela espiritualidade", escreve Vito Mancuso, teólogo italiano, em artigo publicado por La Stampa, 26-05-2025. A tradução é de Luisa Rabolini.
A profissão de fé desse extraordinário jesuíta, por muito tempo “proibido” e agora citado com favor por papas e cardeais (cuja biografia mais recente, da estudiosa francesa Mercè Prats, “Pierre Teilhard de Chardin. Biographie”, acaba de ser publicada pela Libreria Editrice Vaticana) era para o mundo. Não para Deus, não para Cristo, não para o Espírito, muito menos para a Igreja, mas para o Mundo, que aqui coloco em letra maiúscula, como ele fazia. E era a partir do Mundo como seu único ponto firme que ele voltava para Deus, Cristo e o Espírito.
Um dia, em 1934, enquanto estava exilado na China por causa de suas ideias heterodoxas sobre o dogma do pecado original, um monsenhor parisiense pediu-lhe que escrevesse sua profissão de fé, e ele escreveu aquilo em que realmente acreditava, não a religião oficial do Credo composto por outros há tantos séculos, mas aquela de seu coração, íntima e existencial (o que é um exercício espiritual aconselhável para todos: escrever preto no branco aquilo em que realmente cremos, pelo que realmente vivemos). Pierre Teilhard de Chardin tinha na época 53 anos, havia nascido no castelo de uma família abastada e nobre, parente de Voltaire por parte de mãe, há 23 anos era sacerdote, tinha viajado pelo mundo em várias expedições científicas como paleontólogo, tinha participado da Primeira Guerra Mundial como maqueiro, recebendo a medalha “pela distinção de seu caráter e desprezo pelo perigo” e recusado se tornar capitão para permanecer perto de seus homens - “Sou mais útil na tropa, posso fazer mais bem aqui, por favor, permita-me ficar entre meus homens”, ele respondeu a quem lhe ofereceu a promoção -, tinha sido nomeado Cavaleiro da Legião de Honra por indicação de seu regimento, tinha assumido a cátedra de geologia no Institut Catholique de Paris, mas três anos depois ela lhe fora retirada por causa de suas ideias sobre o pecado original. Tinha sido exilado para a longínqua China na década de 1920, já havia escrito textos maravilhosos como A Missa no Altar do Mundo e O Meio Divino, havia se tornado um bicho-papão para os católicos tradicionalistas e uma esperança para aqueles que acreditam na bondade original do mundo e da vida.
Teilhard, portanto, atendeu ao pedido de seu superior em Paris e escreveu um ensaio articulado, cuja frase mais pessoal e, portanto, mais importante, é a seguinte: “Se, em consequência de alguma perturbação interior, eu chegasse a perder sucessivamente minha fé em Cristo, minha fé em um Deus pessoal, minha fé no Espírito, parece-me que continuaria acreditando no Mundo. O Mundo (o valor, a infalibilidade e a bondade do Mundo) é, em última instância, a primeira e a única coisa em que acredito. É por essa fé que eu vivo. E é a essa fé que, sinto-o, na hora da morte, além de qualquer dúvida, eu me entregarei”.
Em 1962, quando Teilhard já havia morrido há sete anos, essa frase foi retomada pelo L'Osservatore Romano e comentada da seguinte forma: “Essas são palavras de 1934, mas como teria sido melhor se nunca tivessem sido escritas!” Naquele mesmo dia, 30 de junho, o órgão da Santa Sé continha um Monitum do Santo Ofício ordenando a todos os responsáveis pela educação católica para “defender os espíritos, especialmente dos jovens, dos perigos das obras do Pe. Teilhard de Chardin”, obras consideradas cheias de “erros tão graves que ofendem a doutrina católica”.
Teilhard não tinha podido publicar quase nada durante sua vida, exceto artigos científicos em revistas especializadas, porque nunca lhe foi concedido o chamado Imprimatur. No entanto, ele teve a feliz intuição de legar os direitos de suas obras não à Companhia de Jesus, a quem seriam diretamente devidos, mas a alguns de seus colaboradores, que, assim, post mortem, iniciaram a publicação sistemática de seus escritos, dando vida aos treze volumes da Opera Omnia publicada pela editora parisiense Seuil entre 1955 e 1976, traduzidos na Itália primeiramente pela editora leiga Il Saggiatore e depois por editoras católicas como Queriniana e Il Segno dei Gabrielli.
Mas hoje é a própria editora do Vaticano que está publicando uma bela e bem documentada biografia decididamente favorável ao pensamento do jesuíta proibido, além disso com um prefácio do Cardeal José Tolentino de Mendonça, prefeito do Dicastério para a Cultura e a Educação, que, por sua vez, incentiva a leitura de Teilhard. O que contradiz explicitamente o Monitum magisterial.
Livro "Pierre Teilhard de Chardin. Biographie", de Mercè Prats (Foto: Divulgação)
Em 2009, o Papa Bento XVI lembra positivamente Teilhard em uma homilia na Catedral de Aosta. Em 2015, o Papa Francisco cita Teilhard na encíclica Laudato si'. Em 2017, o Pontifício Conselho para a Cultura, presidido pelo Card. Ravasi emite uma Nota solicitando ao Papa que remova o Monitum contra Teilhard. Em 2023, o Papa Francisco lembra Teilhard durante sua viagem à Mongólia, exatamente onde um século antes o jesuíta cientista havia composto um de seus mais belos textos, A Missa no Altar do Mundo. E, no entanto, apesar de tudo isso, o Monitum de 1962 ainda está lá. O que o Papa Leão fará? Será que ele responderá à nota do Pontifício Conselho para a Cultura que ficou sem resposta pelo Papa Francisco, removendo assim, finalmente, a dura advertência contra o jesuíta francês?
Uma coisa é certa, e é o que Teilhard escrevia um século atrás: “O cristianismo deixará de vegetar e retomará sua expansão como em suas origens somente se souber como se enxertar resolutamente nas aspirações naturais da Terra”. O que significa julgar positivamente as “aspirações naturais da Terra”, o que é exatamente o oposto do que ensina o dogma do pecado original. Assim, fica claro por que o Papa Francisco, apesar da simpatia natural, permitiu que a advertência contra Teilhard fosse mantida. Como provavelmente fará o Papa Leão, especulo eu, que, além disso, é agostiniano, filho espiritual de Agostinho, o pai do dogma do pecado original.
A inevitável consequência será que o cristianismo, como Teilhard escrevia, continuará a vegetar, ou talvez nem sequer será mais capaz disso.
Mas agora é preciso enfatizar o ensinamento mais importante que, em minha opinião, a obra de Teilhard contém, a saber, a ideia de que não pode haver “magistérios não interferentes” na ciência e na fé, para usar a expressão do biólogo estadunidense Stephen Jay Gould. Teilhard sempre foi contrário a essa cômoda bipartição e, de fato, escrevia: “Nunca me resignarei a ficar confinado à ciência pura. Para mim, pesquisa científica e esforço 'místico' formam um único poder complexo que exige irresistivelmente se propagar”. A divisão entre a fé e a ciência é explicada historicamente, tendo surgido quando a Igreja exercia tal poder de censura que impedia a pesquisa científica, basta pensar no caso Galileu em 1633. Ela é explicada epistemologicamente, porque a ciência e a fé têm uma maneira completamente diferente de obter conhecimento.
No entanto, não é legítima do ponto de vista do conteúdo, porque o que elas dizem sobre o mundo e o homem refere-se sempre e somente a um único objeto, o mesmo para ambas, de modo que seu magistério nesse nível deve ser perfeitamente interferente. Não existe uma dupla verdade. Existe apenas uma. E se não houver concordância, a fé deve tomar nota disso e, amando a verdade mais do que a si mesma, revisar sua doutrina, como é precisamente o caso do pecado original, que, apesar de Santo Agostinho, do dogma e do Catecismo, é evidentemente falso, como Teilhard havia explicado, obtendo em troca o exílio (e teve sorte: seu destino dois ou três séculos antes teria sido diferente). Nosso mundo tem uma enorme necessidade de sabedoria espiritual, de unir conhecimento científico e sabedoria humanística. Sem essa união, há apenas conhecimento e nenhum significado. Nós, seres humanos, no entanto, temos sede de ambos, tanto do conhecimento quanto do seu significado.
Além de dados exatos para operar a máquina da civilização tecnológica, precisamos de perspectivas de sentido para viver e amar. Teilhard de Chardin foi um dos poucos estudiosos do século XX a propor uma síntese dessas duas perspectivas, com igual amor pela ciência e pela espiritualidade. Era o amor pelo Mundo que o conduzia, um Mundo que ele experimentou como criação em ação, como Ambiente Divino, e não é por acaso que ele tenha intitulado assim uma de suas mais belas obras, Le Milieu Divin. Em outro dia, ele escreveu: “A única religião agora possível para o Homem é aquela que primeiro o ensinará a reconhecer, amar e servir apaixonadamente o Universo do qual faz parte”.