Entre ecologia e informática. Como Teilhard influi sobre o Vaticano II

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28 Julho 2014

Só pode surpreender positivamente a atenção reservada a um grande e controverso estudioso da matéria acerca do espírito, que foi o jesuíta francês Pierre Teilhard de Chardin (1881-1955). Como aparece de recentes contribuições, publicadas na Revista “Studium” (n° 3, maio-junho de 2014) e no número de 5-6 de julho do cotidiano “La Croix”, a figura de Teilhard assume hoje sempre mais nítidos contornos daquele singular pesquisador de Deus no universo em movimento, que lhe mereceu severas críticas e entusiásticos aplausos, da metade do século passado até o presente.

A reportagem é de Maurizio Gronchi, publicada pelo jornal L’Osservatore Romano, 24-07-2014. A tradução é de Benno Dischinger.

Os cinquenta anos do Concílio Vaticano II foram a ocasião para uma redescoberta do valor do pensamento teilhardiano, com os seus estímulos a se considerar o evolucionismo não só como teoria científica compatível com a fé cristã, mas também como modelo interpretativo de caráter antropológico e ecológico. A criança e a família humana, por obra de Deus, são o caminho para o seu cumprimento último, ao encontro do Cristo vindouro, e o homem representa o ápice consciente e responsável do seu desenvolvimento no tempo da história. A esta renovada sensibilidade teológica, é hoje dado relevo a partir de diversas partes, a começar pelo Papa Francisco, que recolhe e dá impulso ao tema, já frequentado pelo Papa Bento XVI, da custódia do que foi criado.

A Revista “Studium” dedica a própria secção monográfica a Teilhard de Chardin, hoje e amanhã, com quatro significativas contribuições, que se movem das ciências biológicas à teologia, da informática à ecoética, até a teologia das religiões. O curador da secção, Ludovico Galleni, zoólogo pisano, na sua introdução apresenta o quadro dos estudos teilhardianos, no interior do panorama científico hodierno, para depois aprofundar, no terceiro artigo da secção, a perspectiva que lhe é cara e mais vezes indagada: O mover-se em direção a Teilhard de Chardin: aspectos científicos, filosóficos e teológicos.

O conceito de “mover para”, da matéria para a complexidade e da vida para a complexidade e a cerebralização tem como resultado final o comparecimento da consciência e da liberdade humana, pela qual o ser pensante está em condições de responder à proposta da aliança divina. Em definitivo, o “mover para“ da evolução se refere ao projeto de Deus sobre o homem e culmina no ponto Ômega, que é a segunda vinda de Cristo.

A contribuição de Tommaso Bolognesi (pesquisador do CNR de Pisa) estabelece ao invés uma interessante conexão entre Teilhard e a informática: Teilhard de Chardin e Wolfram: modelos de universo computacional e emergência da membrana interna das coisas. Seguindo a tripartição teilhardiana de matéria (Pre- vita), psique (Vita) e consciência (Pensamento), e utilizando resultados desconhecidos na época de Teilhard, devidos a Wolfram, Chaitin e Tononi, o autor põe em destaque a possibilidade de interpretar o estofo último do universo, alguns fenômenos da biosfera e o próprio conceito de consciência em chave computacional, ou seja, como fenômenos emergentes ligados a processos de elaboração da informação.

O ecólogo pisano Fabio Caporali, tratando a ecologia profética de Teilhard de Chardin, sustenta a existência de pelo menos dois elementos de analogia entre a ciência da ecologia e o pensamento teilhardiano.  O primeiro se refere à concepção metodológica da transdisciplinaridade como base epistemológica para a concepção e a comunicação de uma visão unitária do universo. O segundo é dado pelo compartilhamento do paradigma sistêmico e de suas quatro propriedades: hierarquia, emergência, comunicação e controle. A conclusão do autor  que Teilhard pode ser considerado um pioneiro na fundação do novo campo de pesquisa ecoética.

O último ensaio, de Paolo Trianni, teólogo pisano, enfrenta um tema fascinante e atual, aliás pouco frequentado pelos estudos teilhardianos: Teilhard de Chardin, como profeta e precursor do diálogo inter-religioso e da teologia das religiões. A ideia que guia o estudioso é a contribuição indireta que Teilhard teria oferecido ao Concílio Vaticano II, em particular aos documentos ‘Nostra aetate’ e ‘Dignitatis humanae’, graças também às suas experiências orientais, como o período na China e certa afinidade com algumas perspectivas místicas indianas. O artigo introduz à teologia espiritual de Teilhard como reflexo de seu evolucionismo teológico; de fato, a evolução espiritual exige uma passagem através da realidade cósmica, pela qual o distanciamento do mundo se realiza na passagem através do mundo.

Em definitivo, é possível reconhecer a Teilhard de Chardin o mérito de ter sido precursor do diálogo inter-religioso, mas também um teólogo das religiões, colocado prevalentemente na perspectiva da teoria do cumprimento, segundo a qual todas as religiões convergirão para o Cristo Universal: “A única possibilidade da convergência do Mundo, a única forma imaginável para uma Religião do Futuro” (La mia fede. Scritti teologici [A minha fé. Escritos teológicos], p. 124).
    
A apreciável tentativa, a mais vozes, da secção monográfica dedicada a Teilhard mostra a fecundidade de um pensamento não só ainda atual, mas até mesmo profético, ao qual chegar da parte de diferentes disciplinas, e em particular da informática e da ecologia. Enfim, no que diz respeito à teologia das religiões, é preciso reconhecer ao grande jesuíta francês o ter permanecido dentre dos limites da doutrina de forma ainda mais prudente do que outros teólogos coevos e posteriores, que influenciaram mais diretamente o concílio e a teologia subsequente.

Chegamos, enfim, a mencionar a recente contribuição de Henri Madelin – do Serviço Jesuíta Europeu – publicado em “La Croix”. Embora admitindo que o pensamento de Teilhard não está livre de lacunas e dificuldades (mais do que de “ambiguidades perigosas e graves erros”, como recitava o ‘Monitum’ do Santo Ofício de 30 de junho de 1962), o jesuíta – citando entre outros “L’Osservatore Romano” de 29 de dezembro de 2013 – compartilha da influência exercida por Teilhard sobre o Vaticano II, em particular sobre o texto da Gaudium et spes n. 5, como pequeno texto concentrado de grande desenvolvimento que se encontra na obra de Teilhard de Chardin.

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