21 Mai 2025
Biografia. Mercè Prats acompanha a vida de Pierre Teilhard de Chardin: ele isolou o dinamismo no universo e misturou “os dois magistérios não-interferentes”. Décadas mais tarde, e de minha atual posição eclesial, posso confessar uma espécie de transgressão.
O artigo é do cardeal italiano Gianfranco Ravasi, em artigo publicado em Il Sole 24 Ore, 18-05-2025. A tradução é de Luisa Rabolini.
Em 1962, o então Santo Ofício emitiu um Monitum contra as teorias do jesuíta paleontólogo (mas também teólogo e místico) Pierre Teilhard de Chardin, que nasceu na Auvergne francesa em 1881 e morreu em Nova York no domingo de Páscoa de 1955.
Naquela época, eu era estudante de teologia na Universidade Gregoriana de Roma e minha curiosidade era ler justamente aquelas obras proibidas do jesuíta. Além de sua extensa produção científica e popular, ele foi autor de apenas dois livros, publicados postumamente: Le milieu divin, escrito entre 1926 e 1927, e Le phénomène humain (1938–40). Eles foram publicados pela Seuil em 1957 e 1955, respectivamente.
Pierre Teilhard de Chardin. Biographie, de Mercè Prats (Foto: Divulgação)
Então me aventurei a comprá-los, o que foi trabalhoso, pois estavam vinculados a um mercado exterior e bastante caros para as economias de um estudante da época. Consegui e, apesar do Santo Ofício, li os textos com grande paixão, um tanto acrítica, também porque o estilo era fascinante, inclusive com altos picos literários. Jamais teria imaginado que um teólogo nada imprudente como Joseph Ratzinger, anos depois, introduziria uma das concepções teilhardianas dentro de uma reflexão sobre a Eucaristia, mas, acima de tudo, que o Papa Francisco, em sua viagem à Mongólia em setembro de 2023, daria mais um passo adiante.
No deserto de Odos, onde o pe. Teilhard – que, como paleontólogo, realizava pesquisas – compôs o famoso poema de oração Missa sobre o mundo (Queriniana, 2019, em 5ª edição), o pontífice declarou citando o jesuíta: “Esse sacerdote, muitas vezes incompreendido, intuiu que ‘a Eucaristia é sempre celebrada, em certo sentido, no altar do mundo’ e é ‘o centro vital do universo, o centro transbordante de amor e de vida inesgotável’, mesmo em um tempo como o nosso de tensões e guerras”. Em italiano, contamos pelo menos 36 versões dos textos de Teilhard, começando com suas duas principais obras mencionadas acima, inicialmente traduzidas pela “secular” Saggiatore e, posteriormente, por uma editora católica sempre corajosa, rigorosa e criativa, como a Queriniana de Brescia (ambas as obras são de 2020 e estão na 7ª edição).
Nessa linha inovadora em relação à rigidez do passado, surge agora uma biografia impecável e rica do pe. Teilhard publicada por ninguém menos que a editora oficial do Vaticano. A autora é uma estudiosa de história contemporânea, Mercè Prats, que mergulhou fundo e com impressionante acurácia nos arquivos da Fundação que leva o nome do jesuíta. No entanto, seu retrato, confiado a uma documentação impecável, é traçado de forma límpida e interessante, de modo a evidenciar não apenas a extraordinária envergadura do personagem, mas – como escreve o cardeal José Tolentino de Mendonça em seu prefácio – também revelar a capacidade do pensamento do jesuíta de interceptar os desafios de nosso tempo.
Assim, ele antecipa muitas instâncias da subsequente pesquisa tecnológica, entrelaçando-as, no entanto, com a tensão em direção à espiritualidade; seu interesse pelo dinamismo evolutivo da matéria já descortina as atuais questões sobre a transição ecológica; sua antropologia unitária antecipa a perspectiva filosófico-teológica contemporânea inclinada a superar dicotomias sub-reptícias; mesmo que talvez questionável no método, seu programa de confronto entre fé e ciência é relevante. Neste último debate ele entrou – embora com a discrição e a elegância de sua personalidade (o retrato fotográfico na capa é emblemático) – com um verdadeiro golpe de martelo epistemológico.
Ao volatilizar os muros que separavam as duas pesquisas, a científica e a teológica, ele isolou, por meio da concepção evolucionária, o dinamismo no universo que se estende e protende em direção a uma culminação terminal, que ele definiu como o “ponto ômega”. Naquele ponto, se cruzariam e se pacificariam na plenitude tanto a realidade cósmica quanto a realidade antropológica marcada pela consciência e a própria transcendência. A paleontologia, a antropologia e a teologia se aplacavam naquele ponto final, tipificado na cristologia, onde o Verbo divino assume em si a criação humana e cósmica. Também são emocionantes, em nível literário, textos como a já citada Missa sobre o mundo ou o Hino do Universo.
Como ele chegou a esse resultado, que necessariamente simplificamos e esquematizamos, deve ser descoberto por meio da diacronia biográfica de Prats. Ela começa com sua adolescência e sua entrada na Companhia de Jesus (seu primeiro artigo foi em 1905, em uma revista jesuíta, e já aborda as “leis, teorias e princípios da física”), depois prossegue etapa por etapa com suas longas estadias na China, suas explorações paleoantropológicas, suas firmes oposições, não apenas romanas, até seus últimos anos nos EUA.
Apesar das grandes intuições, dos cenários vertiginosos, das rigorosas investigações científicas, permanece a reserva sobre sua abordagem holística. Ele havia introduzido uma mistura nos dois “magistérios não-interferentes”, como dizia Stephen Gould, intuindo que, na realidade, ambos exigem uma interlocução recíproca necessária, referindo-se um (ciência) ao fenômeno e o outro (filosofia‑teologia) ao fundamento do ser. No entanto, a compactação unitária final por ele proposta desagradou os teólogos e irritou os cientistas, criando uma impressão de concordismo. No entanto, sua visão ainda hoje emociona, como mostram as páginas de Mercè Prats e como devo testemunhar sessenta anos depois de minha transgressão juvenil.