Um teólogo reformista do antigo Santo Ofício. O Papa: chega de condenações

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03 Julho 2023

“Já não há os hereges do passado e nem mesmo os crentes...”, murmura o prelado à meia-luz a poucos metros da Praça de São Pedro. A partir dali os Papas ao longo dos séculos ditaram a lei e reprimiram o dissenso. Chamava-se Santa Inquisição, depois Santo Ofício, finalmente Congregação para a Doutrina da fé. Era a "suprema", a primeira congregação romana, Francisco a rebaixou para "dicastério", anexado ao da Evangelização. E ontem, de surpresa, nomeou prefeito o arcebispo argentino Victor Manuel Fernandez, conhecido como "Tucho".

A reportagem é de Iacopo Scaramuzzi, publicada por La Repubblica, 02-07-2023. A tradução é de Luisa Rabolini.

Um teólogo reformista no cargo que foi de Joseph Ratzinger — ou, voltando no tempo, do cardeal Alfredo Ottaviani, que amortecia o impulso de novidade do Concílio Vaticano II.

Uma bomba

“O dicastério que o senhor presidirá, em outras épocas chegou a usar métodos imorais”, escreve o primeiro papa latino-americano em uma carta ao primeiro responsável latino-americano da ortodoxia: “Eram tempos em que, mais que promover o conhecimento teológico, perseguiam-se os erros doutrinários. O que espero do senhor é muito diferente. Preservar a fé, mas não como inimigos que apontam e condenam".

Uma época mudou. Em relação aos séculos passados, quando os hereges iam para a fogueira, mas também ao passado mais recente. Com Wojtyla e Ratzinger a congregação sancionou com firmeza a teologia da libertação, os bispos progressistas, as aberturas sobre a contracepção, os casais homossexuais, o fim da vida. Bergoglio imprimiu uma mudança, mas lentamente. “Se formos devagar é mais difícil voltar atrás”, preconizava anos atrás o próprio Fernandez. Ele tirou a centralidade do dicastério.

Confirmou o ratzingeriano Gerhard Ludwig Müller, para depois aposentá-lo precocemente sem muitas explicações, substituiu-o por um moderado, o jesuíta espanhol Luis Ladaria. Agora a virada. Fernandez, 60, não é um revolucionário, mas está aberto à mudança. Seu início de carreira foi atrapalhado pelos conservadores. Ele tem 300 obras em sua bagagem, entre as quais (mas não por experiência pessoal) um ensaio sobre "a arte do beijo". Ele foi o spin doctor de Francisco para a "Amoris laetitia".

O Papa, chegou a dizer, “poderia até ir morar fora de Roma, ter um dicastério em Roma e outro em Bogotá, e se conectar por teleconferência com os especialistas de liturgia na Alemanha”. A Igreja, esse foi o sentido, não é centrada no Vaticano: os conservadores ficaram estupefatos.

Fernández, que assumirá o cargo em meados de setembro e certamente será cardeal no próximo Consistório, é o primeiro argentino a ser convocado para um cargo de peso em Roma. O Papa lhe pediu para encorajar a pesquisa dos teólogos e - referindo-se ao sínodo - escutar o "povo de Deus". As “diversas linhas de pensamento”, escreve Francisco, “podem fazer crescer a Igreja, e será este crescimento harmonioso que preservará a doutrina cristã mais eficazmente do que qualquer mecanismo de controle”. Devemos entrar em diálogo com os "questionamentos" da sociedade, que "se tornam instrumentos de evangelização". Porque hoje o problema, para a Santa Igreja Romana, não são os hereges, mas os fiéis que não existem mais.

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