30 Abril 2025
Como o ciclo vicioso do poder econômico e sua influência sobre a política bloqueiam avanços reais na justiça climática, apesar de esta ser um desejo genuíno da maioria da população.
O artigo é de Wallace Rafael Rocha Lopes, diretor Adjunto da Ascema Nacional, publicado por ((o))eco, 28-04-2025.
Uma pesquisa global recente, publicada na revista Nature Climate Change, entrevistou quase 130 mil pessoas em 125 países e revelou que 89% da população acredita que seus governos deveriam fazer mais para combater o aquecimento global [1]. O número me impressionou, não por ser maior do que eu esperava, mas porque escancara um paradoxo que venho tentando entender há anos: se a maioria da população mundial está tão convicta da urgência climática, por que isso não se reflete nas urnas? Por que seguimos elegendo líderes que ignoram ou minimizam essa emergência?
Os resultados desta pesquisa me fizeram pensar no quanto essa “maioria silenciosa” está presa em uma espécie de labirinto psicológico e político. Essa “ignorância pluralista” leva as pessoas a acreditarem, equivocadamente, que sua preocupação ambiental é minoritária, o que as leva a se calarem publicamente, deixando de pressionar seus representantes ou engajar-se ativamente em debates sociais. É uma espiral de silêncio onde o medo de estar sozinho em uma opinião nos empurra para o silêncio coletivo.
Há quem diga que isso pode ser atribuído também a uma espécie de cansaço democrático, onde a descrença nas instituições políticas faz com que muitos, embora preocupados com a questão climática, não enxerguem no voto um instrumento eficaz para mudar a realidade.
Mas um ponto que me parece central nesse desencontro entre convicção ambiental e escolha eleitoral é o imediatismo das dores sociais, o conflito entre prioridades de curto e longo prazo. Embora as pessoas reconheçam a importância do clima, no momento da votação, questões como insegurança alimentar, desemprego e ausência de serviços básicos costumam pesar mais, fazendo a pauta climática soar como uma preocupação meramente técnica, distante e até elitista, ou pior, como uma pauta de nicho exclusiva de um grupo político. A propagação de desinformação e polarização política na qual o mundo vive hoje também acaba obscurecendo a ligação intrínseca existente entre justiça climática e urgências sociais, levando muitas vezes as pautas de clima a serem rejeitadas por associação ideológica e não por seu mérito real.
O cenário brasileiro ilustra claramente o problema: embora a pauta climática tenha ganhado destaque nas eleições presidenciais de 2022, o debate ficou restrito à oposição entre um ex-presidente explicitamente negacionista e um candidato com discurso mais favorável ao meio ambiente, porém com ações ainda distantes do necessário. As propostas permaneceram abstratas, desconectadas do dia a dia da população, o que dificultou a criação de um vínculo claro entre a urgência climática e os benefícios imediatos para os cidadãos.
Se as políticas climáticas forem vistas apenas como um conjunto de restrições, proibições e custos, dificilmente obterão apoio popular. O desafio é apresentar a transição verde como uma fonte de benefícios concretos, imediatos e palpáveis, tais como energia mais barata, transporte público eficiente, empregos sustentáveis, alimentos saudáveis e cidades mais seguras e habitáveis. A agenda ambiental precisa ser vista como parte de uma solução para o presente, e não como um sacrifício em nome de um futuro incerto. Este é um ponto.
A pesquisa que motivou essa reflexão que compartilho aqui sugere que as pessoas tendem a cooperar mais quando percebem que outras estão fazendo o mesmo, indicando que uma das chaves para a ação climática está em quebrar a percepção de isolamento, criando ambientes em que a ação coletiva pareça não só possível, mas inevitável. Neste outro ponto tenho uma posição um tanto quanto pessimista, especialmente ao olhar para a realidade do Brasil.
Não é uma exclusividade nossa, mas aqui vimemos sob uma forte influência de setores econômicos como o de energia, mineração e agronegócio, que exercem grande poder de lobby e dominam o financiamento eleitoral. Tragicamente, são justamente esses setores que mais recebem subsídios públicos. Em 2023, por exemplo, o governo federal destinou R$ 81,74 bilhões (81,9% dos incentivos energéticos) aos combustíveis fósseis, contra apenas R$ 18,06 bilhões para fontes renováveis [2]. O agronegócio recebeu R$ 364,22 bilhões em créditos subsidiados pelo Plano Safra 2023/2024 [3], enquanto, na mineração, incentivos fiscais concederam até 82,5 % de isenção de IRPJ para empresas que atuam na Amazônia Legal [4], gerando perdas bilionárias ao erário. Portanto, não seria nenhum absurdo dizer que, no fim das constas, o lobby feito pelos setores que atrasam as ações da humanidade pelo clima é pago com dinheiro público.
São estes grandes grupos econômicos os verdadeiros donos do clima. É este ciclo vicioso de poder econômico e influência política que bloqueia avanços reais na justiça climática, apesar de ser um desejo genuíno da maioria da população. Se quisermos recuperar o controle sobre o futuro climático, precisamos enfrentar diretamente esse problema estrutural.
Por mais utópico que possa parecer, um caminho possível seria a regulação do financiamento de campanhas eleitorais. Por que o mesmo princípio da Lei da Ficha Limpa, que impede que políticos condenados por crimes graves concorram a eleições, não se aplicam a indivíduos que financiam campanhas? Se um candidato pode ser barrado por ter sonegado impostos ou desviado verba pública, não faria sentido também vetar doações de pessoas condenadas por crimes ambientais, trabalho análogo à escravidão ou corrupção ativa? O financiamento privado de campanhas no Brasil está desde 2015 restrito às pessoas físicas por decisão do STF [5], porém os maiores doadores das campanhas de 2022 e 2024 são justamente pessoas físicas ligadas às empresas de setores que captaram grandes volumes de renúncia fiscal ou subsídios diretos.
Se o dinheiro é o combustível da política, não podemos permitir que ele venha justamente daqueles que lucram com a destruição do planeta e que tomaram para si o controle do termostato global.
ANDRE, Peter; BONEVA, Teodora; CHOPRA, Felix; FALK, Armin. Globally representative evidence on the actual and perceived support for climate action. Nature Climate Change, Londres, 2024. Disponível aqui. Acesso em: 22 abr. 2025.
INSTITUTO DE ESTUDOS SOCIOECONÔMICOS (INESC). Subsídios às fontes fósseis e renováveis (2022‑2023): 7ª edição. Brasília, 2024. Disponível aqui. Acesso em: 22 abr. 2025.
BRASIL. Ministério da Agricultura e Pecuária. Presidente anuncia Plano Safra 2023/2024 com financiamento de R$ 364,22 bilhões. Brasília, 27 jun. 2023. Disponível aqui. Acesso em: 22 abr. 2025.
BRASIL. Senado Federal. Sancionado prazo maior para incentivos na área da Sudene e da Sudam. Agência Senado, Brasília, 13 dez. 2023. Disponível aqui. Acesso em: 22 abr. 2025.
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 4.650/DF. Rel. Min. Luiz Fux, julgamento em 17 set. 2015.