29 Abril 2025
O relatório anual da ONG condena a violência contra ambientalistas e a ação "insuficiente" dos Estados.
A reportagem é de Noor Mahtani, publicada por El País, 29-04-2025.
Não é segredo que a crise climática está atingindo duramente a América Latina e o Caribe. Durante décadas, este continente se tornou um dos mais afetados pela elevação do nível do mar, perda de biodiversidade, desmatamento e outros desastres, como furacões. Também não é segredo que os esforços dos líderes para neutralizá-lo poderiam ter sido maiores. Para a Anistia Internacional, a resposta dos governos, especialmente na proteção dos povos indígenas, rurais e afrodescendentes, é “insuficiente”. “Os Estados não tomaram as medidas necessárias para minimizar os impactos da crise climática nos direitos humanos”, concluiu a organização em seu último relatório anual, publicado na terça-feira.
O estudo global, O Estado dos Direitos Humanos no Mundo 2025, analisa como políticas públicas, desinformação, censura e extremismo prejudicaram as liberdades dos cidadãos durante o ano anterior. Nesta edição, a ONG condenou a degradação dos direitos dos defensores dos direitos humanos na região e como eles continuam sendo estigmatizados, assediados e atacados por meio de práticas como detenções arbitrárias, deslocamentos forçados, vigilância ilegal, julgamentos injustos e até homicídios. Mulheres que procuravam pessoas desaparecidas também foram expostas a um alto nível de risco, uma tendência que continuou em 2025.
O único país a marcar pontos nesse quesito é a Guatemala, onde o governo reativou o órgão responsável por analisar os riscos que afetam os defensores, a Unidade de Proteção aos Defensores dos Direitos Humanos (Udefegua). Mas críticas positivas são raras. Países como Brasil, Equador e Venezuela aumentaram a extração de petróleo e a queima de gás. Centenas de incêndios se repetiram na região, especialmente na bacia amazônica, causando perdas massivas de ecossistemas frágeis. Na Bolívia, guardas florestais que protegem o Parque Nacional Madidi sofreram ameaças e ataques, e, no Peru, quatro defensores da terra foram assassinados.
Para Astrid Valencia, vice-diretora de pesquisa da Anistia Internacional para as Américas, o continente deve estar em alerta. “No entanto, estamos vivenciando a indiferença dos Estados às necessidades dos líderes e a cumplicidade com grupos que os atacam”, alertou. Há países onde não há mecanismos de proteção e outros onde eles são insuficientes. Honduras, por exemplo, é o país mais letal para defensores dos direitos humanos e não é signatário do Acordo de Escazú. Não há garantias para o direito de defender os direitos humanos.
A América Latina é a região do mundo com o maior número de assassinatos de ativistas. Isso foi confirmado mais uma vez pela Global Witness em seu último relatório, publicado em setembro de 2024, onde indicou que dos 189 assassinatos ocorridos em 2023, 85% ocorreram neste continente. A falta de mecanismos de proteção em países como Honduras e República Dominicana, ou a impunidade por mortes violentas no México, Colômbia e Brasil, fazem com que eles estejam no topo dessa lista ano após ano.
Johanna Cilano, pesquisadora regional caribenha da Anistia Internacional, concentra-se na República Dominicana e em Cuba. "Temos visto um ambiente que se deteriora rapidamente de um ano para o outro, especialmente no que diz respeito aos ativistas antirracistas que apoiam as populações migrantes na República Dominicana e às questões de liberdade de expressão em Cuba", explica ele por telefone. "Estamos profundamente preocupados que o que antes eram mensagens racistas contra migrantes haitianos nas redes sociais agora estejam se transformando em violência física", acrescentou, referindo-se à República Dominicana, um país que ele descreve como tendo "discriminação generalizada e estrutural". Esse discurso xenófobo, diz ele, também está começando a crescer em Porto Rico, após a chegada de Donald Trump à Casa Branca.
O especialista também lamentou a crescente crise no Haiti, onde a "escalada alarmante" deixou os ativistas completamente desprotegidos. "No final das contas, são eles que se levantam e denunciam muitos casos de meninas e mulheres vítimas de violência sexual."
A Anistia Internacional também se concentrou na migração climática. No Brasil, enchentes no estado do Rio Grande do Sul forçaram o deslocamento de 600.000 cidadãos. Em Honduras, comunidades no Golfo de Fonseca denunciaram os efeitos negativos da elevação do nível do mar em seus meios de subsistência e, no México, famílias na comunidade de El Bosque, em Tabasco, que haviam sido evacuadas em 2023 devido à elevação do nível do mar atribuída às mudanças climáticas, só foram realocadas após ação legal de líderes comunitários.
Em teleconferência com a América Futura, Valencia enfatizou a passividade desses governos: "Com a inação climática, as autoridades estão condenando as gerações presentes e futuras. A crise climática tem custos humanos." A organização também pediu que os países de alta renda forneçam financiamento suficiente para ações climáticas.
Outra questão abordada pela ONG sediada em Londres — além do direito de associação, liberdade de imprensa e detenções arbitrárias, entre outros — foi a discriminação, com ênfase particular em pessoas racializadas e transgênero. No Brasil, a organização de direitos humanos Grupo Gay da Bahia observou em um relatório publicado em 2024 que 257 mortes violentas foram registradas no ano anterior, a maioria de jovens negros transgêneros. Na Colômbia, a ONG Caribe Afirmativo informou que pelo menos 21 mulheres transgênero foram assassinadas. No México, foram pelo menos 59.
Por outro lado, a violência de gênero persistiu e "ficou impune em toda a região", obstruindo o acesso ao aborto — tanto na lei quanto na prática — principalmente para mulheres negras, indígenas e rurais. Vários países implementaram políticas, por lei ou prática, que reduziram o acesso aos serviços de saúde reprodutiva. Na Argentina, um feminicídio foi registrado a cada 33 horas; Na República Dominicana, casos de violência sexual foram relatados durante operações relacionadas à imigração e, no Peru, o governo registrou 12.924 casos de estupro de mulheres e meninas. "Gostaríamos de ver as autoridades das Américas se unindo séria e energicamente ao caminho dos direitos das mulheres, mas, infelizmente, isso não está acontecendo", conclui Valencia.