24 Abril 2025
Quando encontrei o Papa Francisco brevemente em março de 2024, durante uma visita de uma delegação da Universidade de Santa Clara liderada pela reitora Julie Sullivan, ele disse: “Rezem por mim”. Essas eram suas palavras costumeiras de despedida.
O artigo é de Agbonkhianmeghe E. Orobator, jesuíta, publicado por America, 22-04-2025.
Agbonkhianmeghe E. Orobator é reitor da Escola Jesuíta de Teologia da Universidade de Santa Clara, na Califórnia, e autor de O papa e a pandemia: lições de liderança em tempos de crise (Orbis, 2021).
Na noite de 13-03-2013, quando a notícia se espalhou de que o cardeal Jorge Mario Bergoglio acabara de ser eleito o novo papa, sob o nome de Francisco, eu estava sentado na sala de recreação da comunidade jesuíta em Nairóbi, no Quênia. O cardeal encarregado de fazer essa proclamação histórica gaguejou cuidadosamente as palavras em latim, quase tornando-as ininteligíveis. Levou algum tempo para que o que tradicionalmente era chamado de “anúncio com grande alegria” fosse compreendido: Temos um papa!
Um jesuíta da América do Sul? Lembro-me da incredulidade misturada com a empolgação de testemunhar a história sendo feita. Naquela noite, o Papa Francisco entrou na consciência global com humildade, ao inclinar a cabeça em súplica por uma bênção da multidão jubilosa na Praça São Pedro e dos milhões que acompanhavam pela televisão e pela internet. Francisco partiu com a mesma humildade em 21 de abril, mas não antes de se mostrar como um dos melhores exemplos da humanidade que agraciaram o século XXI.
Tive o privilégio de encontrar Francisco em diversas ocasiões. Em 2019, ele convocou os líderes das facções do dilacerado Sudão do Sul para um retiro espiritual sem precedentes que facilitei em sua residência em Roma, a Casa Santa Marta. Ele abriu sua casa a eles e os enviou para fazer a paz, ajoelhando-se para beijar os pés — alguns diriam manchados de sangue — dos beligerantes sul-sudaneses. Todos na sala ficaram em silêncio absoluto, e lágrimas escorriam pelas faces de alguns. Aos que tentaram resistir a seu gesto humilde porém potente, Francisco suplicou: “Por favor, permitam-me”. Esse era o homem que Deus incumbiu de renovar o rosto da Igreja e testemunhar o poder da reconciliação, da justiça e da paz.
O pontificado de Francisco foi um capítulo instrutivo e fascinante sobre como ser Igreja. Ele pediu que a Igreja se tornasse um “hospital de campanha” para os feridos do coração, da alma e do corpo; um portador de alegria para aqueles cuja alegria foi roubada pelo desespero; um canal de misericórdia para os relegados às margens da ortodoxia e da sociedade; e uma comunidade ferida que caminha pelas ruas com os sem-teto e sem rumo, sem esperança e sem amigos. Essas pessoas eram suas convidadas frequentes no Vaticano e em suas numerosas viagens apostólicas.
Um colega jesuíta comentou certa vez como, em seus últimos anos, a fisionomia de Francisco parecia transformar-se gradualmente, fazendo-o se parecer com um predecessor reverenciado, o Papa João XXIII. O que João fez com o Concílio Vaticano II, Francisco realizou com o Sínodo sobre a Sinodalidade. Com audácia e convicção características, talvez com um toque de ousadia, ele declarou que “o caminho da sinodalidade é o caminho que Deus espera de sua Igreja no terceiro milênio”. Persistiu nessa convicção apesar da resistência e oposição de eclesiásticos que viam a sinodalidade como uma ameaça não apenas à tradição recebida, mas também aos seus privilégios e benefícios habituais.
Vi outro lado do Papa Francisco durante o Sínodo sobre a Sinodalidade. Todos os dias, na Sala Paulo VI, ele era levado de cadeira de rodas muito antes do início oficial das sessões. Recebia todos com um sorriso, uma palavra de incentivo ou uma bênção, e nunca recusava uma selfie. Ali estava um homem que abominava protocolos, alguém que você podia abraçar como um companheiro de caminhada ou um avô querido. Francisco era um cristão comum que carregava com alegria a boa nova de Jesus Cristo em seu coração e a irradiava para todos que tinha o privilégio de encontrar.
Lembro-me dos anos turbulentos da pandemia de Covid-19, quando líderes ao redor do mundo se mostravam perdidos, colocando em risco a vida de seus povos. O mundo parecia um navio à deriva, prestes a naufragar diante da negligência de lideranças incompetentes. Francisco surgiu como um farol de luz, uma âncora de esperança e uma fonte de caridade num mundo abalado por um inimigo formidável. Ele nomeou com clareza solene o cerne daquele momento: “Uma escuridão densa cobriu nossas praças, nossas ruas e nossas cidades; ela tomou nossas vidas, enchendo tudo com um silêncio ensurdecedor e um vazio angustiante que paralisa tudo ao passar”.
As palavras de Francisco agiram como um bálsamo sobre a alma de todo ser humano envolvido na pandemia. Estamos num barco sacudido pela tempestade, declarou ele, mas resistamos, Jesus está conosco: “Temos uma âncora: pela sua cruz fomos salvos. Temos um leme: pela sua cruz fomos redimidos. Temos uma esperança: pela sua cruz fomos curados e acolhidos para que nada e ninguém possa nos separar de seu amor redentor”. Em um dos momentos mais sombrios do século XXI, Francisco, com sua vida, palavras e ações, ensinou ao mundo lições preciosas de solidariedade, compaixão, misericórdia, esperança e liderança.
O Papa Francisco não fingia infalibilidade nem imitava a perfeição. Lembra quando ele se identificou como pecador numa entrevista à revista America e outros periódicos jesuítas? “Sou um pecador”, disse Francisco. “Essa é a definição mais precisa. Não é uma figura de linguagem, nem um gênero literário. Sou um pecador”. E ele desenvolveria essa ideia anos depois numa entrevista à revista italiana Credere: “Sou um pecador... Tenho certeza disso. Sou um pecador sobre quem o Senhor teve misericórdia. Sou... um homem perdoado... Ainda cometo erros e pecados, e me confesso a cada quinze ou vinte dias. E se me confesso é porque preciso sentir que a misericórdia de Deus ainda está sobre mim”.
Francisco cometeu alguns deslizes em questões de abuso sexual clerical de menores e pessoas vulneráveis. Mas não teve medo de admitir seus erros e pedir perdão. Sobre o papel das mulheres no ministério da Igreja, ele talvez tenha sido excessivamente cauteloso e errou demais pelo lado da prudência doutrinária, apesar de ter rompido com a tradição ao nomear mulheres para cargos importantes antes reservados exclusivamente a altos clérigos no Vaticano. No fim das contas, algumas de suas afirmações sobre o “gênio feminino” — como a de que “Maria é mais importante do que Pedro” — e sobre a feminilidade da Igreja soaram mais como elogios do que como revolução. Seu categórico e amplamente divulgado “não” a um jornalista que lhe perguntou se uma menina católica de hoje poderá um dia ser diácona me deixou consternado e decepcionado. Sua decisão de encomendar estudos inconclusivos sobre o diaconato feminino frustrou uma oportunidade de recuperar uma tradição venerável da Igreja que reconhecia o papel ministerial das mulheres.
De todos os líderes religiosos que viveram no fim do século XX e início do XXI, o Papa Francisco se destaca. Com insistência profética, ele chamou o mundo a corrigir sua rota e aprender a cuidar da nossa casa comum, a Terra. Com paixão e compaixão, dirigiu nosso olhar à situação dos deslocados, refugiados e migrantes em busca de um lugar para repousar a cabeça. Com energia incansável, abriu nossos olhos para a vergonha e a crueldade da guerra e da violência que derrotam nossa humanidade. E com a alegria e humildade de um bom pastor, conduziu a Igreja às periferias existenciais e geográficas para acolher, honrar e defender a dignidade dos pobres, oprimidos e marginalizados.
O Papa Francisco não teve medo de denunciar aqueles dentro da Igreja que se contentavam em usar seu status para buscar e servir a interesses pessoais. A resistência firme à sua reforma da burocracia vaticana centenária foi bem documentada, assim como sua caracterização do clericalismo como um câncer que corrói o tecido eclesial do povo de Deus. Angariou inimigos não poucos, sustentado pela convicção de que o Espírito Santo era o protagonista mais importante em qualquer empreendimento digno de reforma eclesial.
Quando encontrei o Papa Francisco brevemente em março de 2024, durante uma visita de uma delegação da Universidade de Santa Clara liderada pela reitora Julie Sullivan, ele disse: “Rezem por mim”. Essas eram suas palavras costumeiras de despedida.
Na África, uma pessoa com o calibre moral e a substância espiritual de Francisco recebe a cobiçada designação de “ancestral”, cuja função inclui o cuidado eterno pela comunidade que deixa. A Igreja e o mundo podem se alegrar por ter um bom discípulo, um servo fiel e um querido ancestral rezando e intercedendo por nós na presença de Deus.
Descanse em paz, querido Francisco.