24 Abril 2025
"Os chefes de Estado e de governo que celebram hoje seu falecimento devem se lembrar de suas últimas palavras, pronunciadas ontem na bênção urbi et orbi: 'Nenhuma paz é possível sem desarmamento'. Esta, de fato, é a única garantia de paz. Sem armas, as guerras seriam impossíveis, o poder das organizações criminosas cessaria e o meio milhão de homicídios que ocorrem todos os anos no mundo diminuiria", escreve Luigi Ferrajoli, jurista italiano em artigo publicado por Il Manifesto, 22-04-2025. A tradução é de Luisa Rabolini.
O Papa Francisco personificou, nestes tempos sombrios e tristes, a consciência moral e intelectual de toda a humanidade. Não houve, antes dele, outro Papa que tenha reproposto a mensagem do Evangelho com igual força, lucidez e paixão. Ele denunciou todos os grandes desafios e catástrofes dos quais depende o futuro da humanidade: as terríveis e crescentes desigualdades globais e sociais, o horror das guerras, as agressões que um capitalismo selvagem e predatório está causando ao nosso ambiente natural. Acima de tudo, as desigualdades. Em sua encíclica Fratelli tutti, de 3 de outubro de 2020, o Papa Francisco relembrou os valores da fraternidade universal, da solidariedade e da igual dignidade de todos os seres humanos, violentamente prejudicados pelo crescimento exponencial de grandes riquezas e das pobrezas sem fim.
É na figura dos migrantes que Francisco identificou as vítimas mais emblemáticas hoje das nossas políticas desumanas, que dividiram a raça humana em duas: uma humanidade que viaja livremente pelo mundo, para turismo ou negócios, e outra humanidade, dos submersos e excluídos, forçados pela fome ou pelas guerras a terríveis odisseias, a ponto de arriscarem suas vidas para chegar aos nossos países, onde são destinados a detenções ilegítimas ou explorações racistas como não-pessoas.
É uma vergonha que o Papa Francisco nunca se cansou de denunciar. A visita a Lampedusa em julho de 2013, com a qual ele inaugurou seu pontificado, foi um ato de acusação aos nossos governos que, como disse em sua homilia, transformam “um caminho de esperança” em “um caminho de morte”.
E foi também uma condenação severa da “globalização da indiferença, que nos tirou a capacidade de chorar”.
Em segundo lugar, as guerras, com seu “poder destrutivo incontrolável que atinge”, escreveu ele em Fratelli tutti, especialmente “civis inocentes”. “Toda guerra”, acrescentou, “é um fracasso da política e da humanidade, uma rendição vergonhosa, uma derrota diante das forças do mal”.
Os chefes de Estado e de governo que celebram hoje seu falecimento devem se lembrar de suas últimas palavras, pronunciadas ontem na bênção urbi et orbi: “Nenhuma paz é possível sem desarmamento”.
Esta, de fato, é a única garantia de paz. Sem armas, as guerras seriam impossíveis, o poder das organizações criminosas cessaria e o meio milhão de homicídios que ocorrem todos os anos no mundo diminuiria.
Portanto, lembro-me com emoção da mensagem que o Papa Francisco enviou à conferência contra a guerra, promovida pelo nosso Grupo Constituinte Terra em 23 de maio do ano passado. Nele, afirmou que o princípio da paz, enunciado em tantas cartas internacionais, “serve realmente na medida em que é efetivo e produz mudanças na realidade do mundo”, que seria, justamente, a proibição da produção e do comércio de todas as armas, o desmantelamento das atuais empresas produtoras de morte, em suma, o desarmamento global e total.
Expressando seu apreço pelo “projeto de uma Constituição da Terra”, o Papa Francisco nos escreveu sobre o desarmamento e as garantias dos direitos humanos que “ninguém pode se sentir alienado do que acontece em nossa casa comum. É aqui que o direito deve ser implementado e tornado efetivo, diferenciando-se das meras declarações de princípio”.
Finalmente, a questão ecológica, à qual é dedicada possivelmente a mais bela e famosa encíclica do Papa Francisco, a Laudato si', de 24 de maio de 2015. Nela, o “desafio ambiental” é concebido como um fator de unificação da humanidade e a fonte de uma “nova solidariedade”, uma vez que “suas raízes humanas afetam e dizem respeito a todos nós”. Mas esse desafio é gerado justamente pela ausência irresponsável de solidariedade: “Produzem-se anualmente centenas de milhões de toneladas de resíduos: resíduos domésticos e comerciais, detritos de demolições, resíduos clínicos, eletrônicos e industriais, resíduos altamente tóxicos e radioativos. A terra, nossa casa, parece transformar-se cada vez mais num imenso depósito de lixo”. Tudo isso, escreve o Papa Francisco, se deve ao fato de que “a economia assume todo desenvolvimento tecnológico como uma função de lucro, sem prestar atenção às consequências negativas para os seres humanos”. E não é só isso.
“A energia nuclear, a biotecnologia, a informática, o conhecimento do nosso próprio DNA e outras potencialidades que adquirimos, nos dão um poder tremendo. Ou melhor: dão, àqueles que detêm o conhecimento e sobretudo o poder econômico para o desfrutar, um domínio impressionante sobre o conjunto do gênero humano e do mundo inteiro. Nunca a humanidade teve tanto poder sobre si mesma, e nada garante que o utilizará bem”. Pelo contrário, é lícito supor que o usará mal, nem que seja, escreve ainda Francisco, por causa da ilusão dominante “do crescimento infinito ou ilimitado”, que “supõe a mentira sobre a disponibilidade infinita dos bens do planeta, o que leva a ‘espremê-lo’ até o limite e além do limite”.
Hoje, essa voz revolucionária se apagou, gerando profunda tristeza entre crentes e não crentes e deixando um enorme vazio em todo o mundo dos defensores dos direitos humanos, da paz e da natureza. Mas seus ensinamentos são um legado precioso para todos, e sua defesa e implementação é o melhor tributo que poderemos prestar à sua memória.