15 Abril 2025
Cresce a ideia de que a ciência é um ‘lobby da esquerda’ e que universidades seriam redutos do pensamento progressista
A informação é de Universiteit van Amsterdam, publicada por EcoDebate, 15-04-2025.
Pesquisa internacional mostra que a desconfiança conservadora na ciência vai além das pautas ambientais e de costumes — no Brasil, o padrão se repetiu na pandemia.
Um estudo conduzido por psicólogos sociais da Universidade de Amsterdã, publicado na revista Nature Human Behaviour, revelou que pessoas de perfil conservador nos Estados Unidos desconfiam da ciência de forma ampla — e não apenas em temas que confrontam suas visões políticas.
A pesquisa mostrou que, em comparação com americanos liberais, conservadores demonstram menos confiança mesmo em áreas científicas que contribuem diretamente para o crescimento econômico e a produtividade.
O trabalho também testou cinco intervenções destinadas a aumentar a confiança dos conservadores em cientistas, com resultados frustrantes: nenhuma delas foi eficaz.
O estudo aponta que essa desconfiança não é superficial, mas profundamente enraizada.
“A ciência é essencial para enfrentar desafios como pandemias e mudanças climáticas, mas quando as pessoas não querem confiar, tendem a rejeitar as soluções propostas”, explica o pesquisador Bastiaan Rutjens, um dos autores do estudo. Segundo ele, desde a década de 1980, a confiança dos conservadores americanos na ciência vem despencando.
Parte desse ceticismo, de acordo com Rutjens, se deve ao desalinhamento entre as descobertas científicas e as crenças políticas ou econômicas desse grupo. “Além disso, cresce a ideia de que a ciência é um ‘lobby da esquerda’ e que universidades seriam redutos do pensamento progressista”, afirma.
Embora o estudo tenha analisado dados exclusivamente dos Estados Unidos, o fenômeno também se manifesta no Brasil. Durante a pandemia de Covid-19, o país presenciou episódios marcantes de desconfiança em relação à ciência, especialmente entre grupos conservadores.
A rejeição às vacinas, a disseminação de teorias conspiratórias sobre a eficácia de medicamentos e a ideia de que a ciência teria se tornado um braço ideológico da esquerda foram amplamente difundidas em redes sociais e discursos políticos. O padrão de desconfiança que se observou no Brasil segue a mesma lógica apontada pelo estudo: a filtragem ideológica das informações científicas se intensifica quando as evidências entram em conflito com crenças políticas consolidadas.
O estudo ouviu 7.800 americanos sobre sua confiança em 35 profissões científicas, de antropólogos a biólogos e físicos nucleares. Em todos os campos analisados, os liberais demonstraram mais confiança do que os conservadores — incluindo áreas voltadas para o setor produtivo e tecnológico.
As maiores diferenças surgiram nas respostas sobre cientistas do clima, pesquisadores médicos e cientistas sociais, áreas cujas descobertas frequentemente entram em choque com crenças conservadoras sobre livre mercado ou políticas públicas.
Mesmo em disciplinas aplicadas, como a química industrial, o estudo identificou que os conservadores tendem a confiar menos do que os liberais. “Isso é surpreendente, pois essas áreas estão diretamente ligadas ao crescimento econômico, o que, em tese, deveria atrair a simpatia dos conservadores. Ainda assim, o ceticismo se mantém”, diz Rutjens.
Os pesquisadores também testaram diferentes abordagens para tentar recuperar a confiança dos conservadores, apresentando conteúdos que destacavam, por exemplo, cientistas com valores conservadores ou pesquisas alinhadas a esse perfil. Nenhuma das tentativas surtiu efeito.
“Mesmo quando os argumentos respeitavam as crenças e valores desse grupo, a postura de desconfiança quase não mudou. Isso sugere que se trata de uma visão profundamente enraizada e difícil de reverter”, explica Rutjens.
O pesquisador acredita que o fenômeno não se limita aos Estados Unidos. “Mesmo aqui na Holanda, temos visto debates cada vez mais tensos e desconfiados em torno da ciência”, afirma. Para ele, o desafio exige mais do que ações pontuais. “Precisamos de estratégias que tornem a ciência mais pessoal e próxima do cotidiano das pessoas. A grande pergunta é: de que maneira a ciência pode melhorar sua vida, aqui e agora?”
Gligorić, V., van Kleef, G.A. & Rutjens, B.T. Political ideology and trust in scientists in the USA. Nat Hum Behav (2025). Disponível aqui.