07 Janeiro 2025
"Assim, Maria, a mãe de Jesus, é uma figura do crente realizado... do fim dos tempos, para o qual estamos nos dirigindo. Portanto, de acordo com essa leitura, não somos 'cristãos' no sentido identitário do termo, mas estamos nos tornando cristãos gradualmente", escreve a biblista e teóloga feminista francesa Anne Soupa, em artigo publicado por Garrigues et Sentiers, 05-01-2025. A tradução é de Luisa Rabolini.
Acabamos de ultrapassar o marco de 2024, sem saber se 2025 será mais fácil de viver, mas ainda assim confiantes em nossas capacidades pessoais e coletivas. E, em poucos dias, celebraremos os Magos, aqueles sábios que a Idade Média transformou em reis. Sua longa jornada atrás da estrela até o estábulo de Belém mostra sua deferência para com uma criança que traz a salvação. Os sábios precisam da criança, assim como a criança precisa de sua homenagem. Portanto, estamos lidando com uma articulação indispensável entre o cristianismo e o conhecimento sábio.
Sábio, uma palavra instigante. Ela está associada a uma noção ao mesmo tempo moderna e antiga, a de complexidade. Complexidade do mundo, complexidade do sujeito humano, complexidade das nossas relações interpessoais.
Gosto de pensar que os Magos, mensageiros da complexidade, estão nos convidando hoje a acolher a complexidade moderna.
Se eu consultar o “papa da complexidade”, o sociólogo Edgar Morin, encontro esta definição: o que é complexo (complexus, entrelaçado) estuda a articulação entre o todo (o ambiente, o contexto, as leis da espécie...) e a parte (a palavra, o artigo da lei, a decisão a ser tomada...). Postula que ambos são essenciais, tanto no que expressamos em palavras quanto nas decisões que tomamos.
Essa preocupação por uma boa articulação sempre existiu. Mas a proliferação de novas ciências de alto desempenho torna o processo de tomada de decisões particularmente “complexo”, ou “complicado”, uma palavra que já reflete o nosso constrangimento diante dessa articulação.
Os seres humanos ficam inquietos diante do que é complicado, “multifatorial” e fonte de incerteza, e essa inquietação gera uma insegurança difícil de suportar. Quando se sentem por demais ameaçados, às vezes escolhem a resposta mais primitiva e radical, ou seja, a negação, uma palavra que se tornou moda: “Não, não existe o aquecimento global”, “Não, o Covid não existe”. E também: “existe uma conspiração para me fazer acreditar nisso. E para me eximir antecipadamente de qualquer culpa, assumo um status insólito: sou a vítima”.
É assim, com a negação da complexidade, que interpreto a vitória de Trump. Os cidadãos estadunidenses escolheram o candidato das soluções simples, aliás, simplistas: vamos acabar com a guerra em 24 horas, vamos manter os migrantes longe com um muro etc. Mas, por trás desse teatrinho eleitoral, ainda estarão os especialistas da complexidade que terão de decidir. Mas como? Em virtude de qual missão? Dada pelo legislador? O legislador está preparado para isso? Diante do abismo aberto por essa pergunta, fica claro que são as nossas sociedades ocidentais como um todo que estão profundamente perturbadas pela complexidade moderna e pela negação que ela suscita. Qual é a posição do cristianismo diante desse desafio? Em todo âmbito de sua competência, tanto em palavras quanto nas decisões, é desafiado. Aqui estão alguns exemplos, apenas esboçados.
1. No campo teológico, ajustes nos aguardam. Devemos aceitar sem pesar a existência de “mitos fundadores”, que não alteram a fé, mas a inserem em um quadro, datado e, portanto, relativo.
A questão da intervenção de Deus nos assuntos humanos (a parte) também deve ser reconsiderada, porque a observação da realidade (o todo) a contradiz: se é um Deus de amor que faz o bem (o todo), por que permite que os ditadores prosperem e por que a paz não reina entre nós (a parte)?
Não deveríamos, então, parar de procurar a intencionalidade divina em tudo o que acontece conosco? Se Deus continua sendo a causa primeira de tudo (é verdade que ele cura), o ator visível do que nos acontece é a causa segunda (o médico, o psicólogo). Invocar o “aceno de Deus” todas as vezes me parece uma saída fácil que não dá crédito à realidade e contradiz o apelo à liberdade humana presente em toda a Bíblia.
2. No que diz respeito à moral, a Igreja Católica ainda está muito ligada a soluções binárias indiscutidas. Por exemplo, o bem e o mal seriam absolutos, o casamento seria indissolúvel e a ordenação seria válida por toda a vida. No entanto, uma das conquistas do pensamento complexo é mostrar as inúmeras nuances entre o bem e o mal, entre as diferentes atitudes de um sujeito dependendo da idade e do ambiente, entre crentes e não crentes e até mesmo entre homens e mulheres.
Por exemplo, a Igreja rejeita o divórcio, embora ele seja (às vezes, nem sempre!) necessário para trazer paz aos relacionamentos familiares. Ela quer ignorar a realidade da homossexualidade. Ao fazer isso, nega a complexidade da realidade, o que costuma nos empurrar para o bem relativo ou para o mal menor. As minorias sexuais existem (a parte) e precisam encontrar seu lugar na sociedade (o todo).
3. Quanto às escrituras, o século XX foi um século de grande progresso na compreensão de seu status. Elas são “a palavra de homens e a palavra de Deus”, de acordo com as palavras do biblista Paul Beauchamp.
Sabemos que a Bíblia é um mosaico complexo: diferentes gêneros, reelaborações sucessivas, repetições, desconexão do evento descrito e, portanto, a potencial evasão da história factual.
No entanto, há outra maneira de lê-la, que não é historicizante, mas “teleológica”, ou seja, pensada em termos de um objetivo ou de um fim, o que torna o discurso não apenas um relato de um evento, mas uma exortação para o futuro. Assim, Maria, a mãe de Jesus, é uma figura do crente realizado... do fim dos tempos, para o qual estamos nos dirigindo. Portanto, de acordo com essa leitura, não somos “cristãos” no sentido identitário do termo, mas estamos nos tornando cristãos gradualmente. Entretanto, hoje a instituição está validando uma onda de leituras literais da Bíblia que são uma vergonha para a complexidade que reconhece à sua constituição. Apenas um exemplo: a exigência de que os sacerdotes sejam do sexo masculino.
Qualquer leitor minimamente informado sabe que os Doze escolhidos por Jesus foram escolhidos por analogia com as doze tribos de Israel. O número sugere que todo o Israel é chamado. O oposto de uma seleção! A exclusividade masculina (a parte) contradiz o contexto e a intenção de Jesus (o todo). Ela simplesmente expressa a preocupação de uma casta que defende seus privilégios.
Nesses três âmbitos, e em muitos outros, a instituição católica e todos os fiéis que desejam continuar a servir à verdade devem aceitar a complexidade. Somente com essa condição poderá continuar a fazer o bem.
No entanto, o que me surpreende no cristianismo é que, desde suas origens e por muitos séculos, teve uma consciência aguda, não da natureza científica do mundo, mas da necessidade de harmonizar a parte com o todo.
Escolherei apenas um exemplo, entre muitos, o da relação entre a Igreja universal, que é o Corpo de Cristo, e as muitas Igrejas locais (paróquias, Igrejas regionais, etc.). Poderíamos pensar que a Igreja local é apenas uma “sucursal” com legitimidade relativa, mas não é assim. Como Cristo está presente onde dois ou três estão reunidos em seu nome (Mateus 18,20), a Igreja local é “uma parte” que já tem “tudo”.
Também acho que o cristianismo está apto a conceber a complexidade de hoje, porque nasceu sabendo como pensar a complexidade de seu tempo. Rapidamente se espalhou pelo Império Romano, depois por novas e às vezes desconcertantes culturas; rapidamente explorou os meandros das paixões humanas; rapidamente foi capaz de colocar a questão das relações no centro de seu discurso.
Sim, pode fazer isso.
Para explicar de uma forma um tanto banal, o cristianismo de hoje precisa apenas de uma sólida atualização. Esses são os votos que os Magos nos trazem, e espero que vocês se juntarão a mim em expressá-los: que o cristianismo recupere seu vigor natural. Pois o mundo precisa do cristianismo.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
Os Magos, mensageiros da complexidade. Artigo de Anne Soupa - Instituto Humanitas Unisinos - IHU