18 Dezembro 2024
Sua pessoa, seus gestos, suas palavras, esse ir leve de bagagem como em uma viagem contínua e explícita rumo a Deus, fazem parte do encanto com o qual muitos de nós ouvimos o frei inglês Timothy Radcliffe, criado cardeal no último consistório convocado pelo Papa Francisco, em 21 de outubro.
É teólogo, foi mestre mundial dos dominicanos, pregou junto com a irmã Maria Ignazia Angellini os retiros prévios às duas sessões do Sínodo da Sinodalidade. Juntos, também deram consistência à espiritualidade dessas reuniões, que foram fundacionais em tantos sentidos para a Igreja no mundo. Nascido em Londres em 1945, foi um entusiasta do Concílio Vaticano II — e continua sendo — e recebeu a proposta de diálogo com o DNA Celam pelas mãos do escritor e jornalista inglês Austen Ivereigh, um amigo fiel que sempre está por perto, mesmo que nos separe um oceano. Compartilhamos aqui o fruto desse intercâmbio.
A entrevista é de Virgínia Bonard, DNA Celam, 16-12-2024.
Já foi criado cardeal, padre Timothy. Algo mudou ou não no senhor? Sua vida mudará a partir de hoje?
Quando o Papa Francisco me nomeou cardeal, o que foi uma completa surpresa, minha primeira reação foi sentir: «Deve haver um engano». Depois, quando compreendi, pensei: «Quero continuar sendo um irmão». Disse ao Santo Padre que estou plantado no chão da fraternidade. Por isso, pedi para ser dispensado da ordenação episcopal e permissão para usar o hábito dominicano no Consistório. O Papa Francisco entendeu imediatamente, antes mesmo que eu dissesse uma palavra! Sua grande encíclica é Fratelli Tutti, todos irmãos e irmãs. Por isso, não tenho certeza do que significará para mim ser cardeal, mas tenho certeza de que é um ministério que viverei como irmão, porque todos os seres humanos são chamados a ser irmãos e irmãs de Cristo.
Padre, em sua terceira pregação no Sínodo de outubro, o senhor falou da escuridão, do mistério de um “novo” Jesus para seus seguidores, e citou um adjetivo com o qual a BBC qualificou um novo beato. Me chamou a atenção que, em uma pregação diante de tamanho auditório, fosse mencionado um meio de comunicação de massa. O que o senhor pensa sobre as formas de comunicação atuais da humanidade, não apenas através dos meios tradicionais — rádio, televisão, portais de notícias —, mas também das redes sociais? O senhor se inscreveria como usuário em alguma dessas opções? A Igreja deve estar também nesses espaços, com sua mensagem de evangelização?
Sim, onde quer que as pessoas caminhem e busquem, devemos estar com elas. O continente digital é onde muitos jovens vivem, e por isso devemos estar ao lado deles e compartilhar suas buscas. Durante sua homilia no Consistório, o Papa Francisco citou Primo Mazzolari, que disse: “A Igreja começou caminhando, a Igreja continua caminhando. Não é necessário bater à sua porta nem esperar ser admitido. Caminhe e você a encontrará; caminhe e ela estará ao seu lado; continuem caminhando e estarão na Igreja” (Tempo di credere, Bolonha 2010, 80-81). Não nos esqueçamos de que ficar parado arruína o coração, assim como a água estagnada é a primeira a se contaminar. Caminhemos, então, com os jovens no mundo digital!
É emocionante estar presente nas redes sociais porque lá existe muita criatividade jovem de que precisamos. Mas não é fácil, já que, muitas vezes, as pessoas procuram apenas por indivíduos com ideias semelhantes e não se relacionam com aqueles que pensam de maneira diferente. Assim, as redes sociais são um lugar de comunhão, mas também de divisão. Muitas vezes, há uma polarização entre os chamados tradicionalistas e progressistas, algo tão alheio à mentalidade católica, que aprecia a tradição e busca o Reino. Nossa presença ali só será curativa e frutífera se nos aproximarmos de outras pessoas com as quais não concordamos, imaginando por que pensam como pensam. Qual experiência, qual alegria ou sofrimento os levou a ver o mundo da maneira como o veem, e a falar e sentir como o fazem? Preciso abrir meu ser para lhes dar um espaço em minha mente e coração. Mesmo que pensemos que estão errados, sempre têm algo a nos ensinar.
“Em segundo lugar, devemos manter viva a paixão pela verdade. A verdade do evangelho, sim, mas também a verdade sobre o que as pessoas vivem e amam. Nossa fé vem do Verbo feito carne, e é, portanto, nos dramas reais de carne e osso da vida cotidiana que podemos encontrar a Deus. Nossa fé nunca é abstrata. Somente na verdade podemos encontrar os outros. As notícias falsas e as loucas teorias da conspiração são destrutivas para nossa humanidade. Santo Agostinho chamou a humanidade de ‘a comunidade da verdade’”, refletiu o cardeal Tim, indo ao núcleo do nosso ser cristão.
Em sua pregação, o senhor falou do Ocidente, do dinheiro, do imperialismo e do sistema bancário, em contraposição a um Jesus que brilhou pelo testemunho de humildade. Onde o senhor colocaria a virtude da humildade em uma hipotética escada para o céu (é apenas uma imagem)? Por que é tão difícil aprender as lições de quem nos antecedeu na vida? É possível sair da armadilha do conceito de homens e mulheres todo-poderosos — pensemos na tecnociência e nas novas tecnologias que nos levam constantemente a limites éticos — que não aprendem a conviver com seus próprios limites?
Muitas vezes, queremos um Deus que seja útil para minha agenda, meus planos. Tratamos a Deus como se fosse a apólice de seguro definitiva. Mas Deus não é relevante para mim. É na beleza e na alegria de Deus que descobrirei toda essa relevância. Somos mais felizes quando nos esquecemos de nós mesmos, seja por amor aos outros ou pela beleza.
A humildade não é pensar mal de si mesmo, mas ser libertado do meu pequeno mundo egocêntrico para a gloriosa imensidão da beleza de Deus. A palavra humildade está relacionada ao humus, a terra onde estamos plantados, que dá vida, a terra do mundo real, que é dom e vida. Há uma pequena história, provavelmente mítica, que conta que, certa noite, morreu um irmão chamado Gabriel. Correram até o quarto de outro irmão e disseram: “Gabriel morreu”. Ao que ele respondeu: “Oh… Eu também passei uma noite ruim!”.
Precisamos transcender nossos limites, mas não fingindo que somos todopoderosos. Não no sentido do chamado ‘sonho americano’, em que você pode ser o que quiser. Por exemplo, eu nunca poderia ser um atleta. A autotranscendência libertadora está naqueles momentos em que você se esquece de si mesmo por amor aos outros.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
Timothy Radcliffe: "Sou cardeal, mas quero continuar sendo um irmão" - Instituto Humanitas Unisinos - IHU