16 Dezembro 2024
“Vivemos um "vazio de futuro" na política nacional. Um interregno que, imagino, durará de 2 a 6 anos. Uma janela para a renovação de lideranças e expoentes políticos ou de reciclagem dos não novatos”, analisa Rudá Ricci, sociólogo, com larga experiência em educação e gestão participativa, diretor do Instituto Cultiva.
1. A saúde de Lula antecipa o processo de sucessão no campo lulista para evitar um "efeito Biden" em que o etarismo ganha ares de julgamento
2. Neste campo, Haddad força - como é do seu estilo - seu nome como natural sucessor, com o beneplácito de parte da Faria Lima e Globonews. O problema é que é o mais liberal dos petistas e só venceu uma eleição municipal, com ajuda decisiva de Lula. Os acordos feitos para sua eleição foram traídos por ele, segundo lideranças sociais da Zona Leste. Resultado: não se reelegeu.
3. No campo do centro-esquerda, Boulos seria o nome mais certo. Vinha numa ascensão política de alta visibilidade com perfil aproximado do de Lula, mas mantendo independência mais à esquerda.
4. Contudo, o primeiro turno das eleições municipais de São Paulo deste ano desmontou seu perfil. Boulos parecia uma gelatina sem sabor: não conseguiu manter uma forma estável. Virou um "Freixo Paulistano": aumentou os votos na classe média intelectualizada e perdeu feio nas periferias (seu habitat político). O lulismo fez mais uma vítima.
5. Na extrema-direita, o impacto do desmonte e caça ao bolsonarismo deixam este campo atordoado. Se o ciclo dos outsiders parece terminado, agora, o ciclo bolsonarista também parece incerto de continuar. O que abre uma temporada de cotoveladas para entrar na fila pelo espólio
6. Marçal e Eduardo Bolsonaro seriam nomes fáceis, mas, ainda sem consistência eleitoral e enraizamento orgânico. Mobilizam, mas ainda não organizam.
7. Michelle Bolsonaro parece ter perdido fôlego, assim como toda ala feminina do bolsonarismo, com destaque para a sniper Carla Zambelli.
8. O bloco 'Gzuis', tendo Nikolas Ferreira à frente é uma promessa. Dificilmente provará a que veio antes de 2030.
9. Finalmente, o Centrão, ou a direita sapatênis. Embora queira fazer parte deste clube, Tarcísio percebeu que sua PM o detonou - até aqui - como político moderado. Além de enfrentar um início de revolta na sua base política contra seu "primeiro-ministro" Gilberto Kassab.
10. O Centrão, ou direita que não quer dizer seu nome, herda o estilo PMDB: tem força regional, mas não consegue impor um nome nacional. É como se as forças regionais se equivalessem e não endossassem um príncipe maior. Preferem se dividir no apoio à um presidenciável mais à direita ou esquerda para poder chantageá-lo até sobrar algumas de suas peças de roupa.
11. Ciro Nogueira já caiu fora do barco bolsonarista, Arthur Lira sabe que o seu café esfriou, Pacheco insinua abandonar a política e sobra ao Centrão o puro sumo do baixo-clero.
12. Vivemos, portanto, um "vazio de futuro" na política nacional. Um interregno que, imagino, durará de 2 a 6 anos. Uma janela para a renovação de lideranças e expoentes políticos ou de reciclagem dos não novatos.
14. Qual seria o perfil das novas lideranças nacionais? Arrisco dizer que não será moderado, alguém morno ou sem sal. O Brasil é profundamente desigual e ressentido. Não há muito espaço para estilo gentleman.
16. Imagino que um perfil mais agressivo, com toques de carisma e demagogia, com forte inserção nas redes sociais teria espaço junto à massa do eleitorado.
18. O marketing deve continuar em alta, dado que nunca na minha vida percebi uma sociedade civil tão fragmentada e desmobilizada como agora. No máximo, faz eventos bissextos que não completam seu ciclo e não acumulam politicamente.
19. Então, viveremos um período de gladiadores solos, cercados de grupelhos e coletivos, embalsamados por marqueteiros e "especialistas" em redes sociais.
20. Não será monótono, teremos cadeiras sendo atiradas, bolinhas de papel e dancinhas em público. Um ou outro blefe, um arroubo aqui ou ali, enquanto a chantagem correrá solta nos bastidores.
22. Isso tudo se não surgir um raio em céu azul. Porque política não é algo tão previsível. Muito menos no Brasil. Já tivemos suicídio que mudou completamente o julgamento popular, tivemos liderança presa que voltou ao poder ou mobilização de massa que durou um único mês e quase enterrou todo sistema partidário.
23. Alguém já disse que o Brasil não é para amadores, mas que Deus é brasileiro. As duas máximas não se excluem. O que faz de um analista um candidato à terapia intensiva. Que 2025 seja generoso.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
Vazio de Futuro na política brasileira. Análise de Rudá Ricci - Instituto Humanitas Unisinos - IHU