14 Dezembro 2024
“Penso que o Oriente Médio, assim como a Líbia, o Iêmen e tantos outros países destruídos pela intervenção “humanitária” dos impérios, pode servir de espelho para pensarmos o que vem pela frente. Não porque vamos ter exatamente o mesmo destino, mas para tirar lições que nos permitam antecipar o que o capitalismo prevê para os nossos territórios”, escreve Raúl Zibechi, jornalista e analista político uruguaio, em artigo publicado por La Jornada, 13-12-2024. A tradução é do Cepat.
Agora que os Estados Unidos alcançaram boa parte dos seus objetivos no Oriente Médio e têm espaço para se ocupar de outros continentes. Agora que ninguém pode colocar em dúvida que o Ocidente criou e financiou grupos terroristas, como a Al-Qaeda. Quando fica evidente que entre os objetivos fundamentais do capitalismo está a destruição dos estados-nação, porque acumula mais e melhor em situações caóticas. Agora, devemos olhar para o nosso continente para refletir sobre o que nos espera nos próximos anos.
Vamos aprendendo também que os chamados “geopolíticos” são apenas propagandistas, salvo exceções, que se limitam a acobertar os objetivos das potências para as quais trabalham. Isto nos obriga a pensar com as nossas próprias cabeças, mas com os pés bem firmes no chão e nos territórios de nossos povos. Tomar ideias emprestadas é um jeito errado de nos orientarmos na tempestade.
Penso que o Oriente Médio, assim como a Líbia, o Iêmen e tantos outros países destruídos pela intervenção “humanitária” dos impérios, pode servir de espelho para pensarmos o que vem pela frente. Não porque vamos ter exatamente o mesmo destino, mas para tirar lições que nos permitam antecipar o que o capitalismo prevê para os nossos territórios.
A primeira é que almejam a destruição dos estados-nação, criação neocolonial das burguesias crioulas para seguir oprimindo os setores populares quando as metrópoles europeias não davam mais conta disto. Temos um exemplo muito próximo: o Equador. Foi um dos países menos turbulentos e mais pacíficos da região. Em bem poucos anos, tornou-se um inferno para os de baixo. Assim que o sol se põe, a população se fecha em suas casas, sem eletricidade e com pouca água, porque sair às ruas é perigoso. O protesto social foi silenciado e a militarização se tornou a norma.
Precisamos saber como fizeram isso. Incluindo o papel abominável dos meios de comunicação, que são capazes de transformar um terrorista, por cuja cabeça os Estados Unidos ofereciam 10 milhões de dólares, em um “rebelde moderado” ou em um autêntico democrata.
A segunda é que o capital e os seus auxiliares (do Pentágono e os governos ao suposto crime organizado) cooperam para alcançar os seus objetivos. É evidente que não os anunciam, nem os proclamam. Ninguém diz “vou destruir o seu país”. Escondem os seus planos para executá-los melhor. Por isso, devemos interpretar as suas intenções pelas tendências que podemos observar. Sigo pensando que as colocações do EZLN no seminário Pensamento crítico frente à hidra capitalista, em maio de 2015, e a dissertação do subcomandante Marcos, Quais são as características fundamentais da quarta guerra mundial?, são elementos centrais para compreender este mundo.
A terceira é que, de imediato, o principal objetivo do capitalismo estadunidense na região é deter e reverter a presença da China, para a impedir o acesso aos bens comuns do continente. Busca reverter a presença da China na região, refletida na recente inauguração do Porto de Chancay, no Peru. Assim como no Oriente Médio, estão dispostos a pular qualquer obstáculo legal ou humanitário.
O subsecretário de Estado para o Crescimento Econômico, Energia e Meio Ambiente da Casa Branca, José W. Fernández, projetou as futuras relações do seu país com a América Latina e se deteve em um punhado de nações. Como exemplo, disse que “estamos trabalhando estreitamente com o Equador em temas de segurança, cadeias de abastecimento e geração de empregos”. Omitiu que estão negociando a instalação de bases militares.
Parabenizou El Salvador por “destinar economias da redução da dívida para projetos de preservação ambiental”. Bukele chegou a um acordo com os Estados Unidos para financiar a recompra de títulos da dívida externa por um bilhão de dólares. Os dois países são governados com regimes de exceção, onde governam as forças armadas. “Os Estados Unidos já possuem 76 bases militares na América Latina e querem mais”, afirma o analista Alfonso Insuasty.
A quarta é que o capitalismo precisa impedir que os povos se organizem e se levantem, como acontecia em vários países da região. A principal tendência do capital global consiste em subjugar os povos, impedir que implementem as suas iniciativas e tentar deslocá-los de lugares onde existem bens comuns dos quais decidiu se apropriar.
É para a matança do povo palestino que devemos olhar. Agora, sabemos que os de cima podem exterminar povos inteiros à vista do mundo, sem limites e quase sem oposição. Enquanto isso, os cidadãos/consumidores seguem indiferentes em sua vida cotidiana, até que a tempestade os arrase.
Estamos na era dos genocídios. Não resta outra coisa a não ser se resguardar das tempestades, evitar as guerras e semear o futuro em silêncio, em comum e em comunidade.
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Lições do Oriente Médio para a América Latina. Artigo de Raúl Zibechi - Instituto Humanitas Unisinos - IHU