01 Novembro 2024
“Historia mínima de las derechas latinoamericanas é um livro propício em nossa conjuntura para dimensionar, com perspectiva histórica, o retorno de um discurso da ordem em todos os âmbitos (mercado, ruas, casa), mas que já perdeu o componente elitista e, ao contrário, reivindica um povo próprio enfrentando um establishment progressista, o que nos permite, portanto, pensar em um populismo de direita”, escreve Luis Diego Fernández, doutor em Filosofia, em resenha da obra do historiador Ernesto Bohoslavsky, publicada por Clarín-Revista Ñ, 30-10-2024. A tradução é do Cepat.
A análise da ascensão das novas direitas no mundo, exitosas eleitoralmente e eficazes na comunicação, desencadeou a publicação de uma série de textos com diversas perspectivas (filosóficas, sociológicas, antropológicas, históricas etc.), dentro da qual a Historia mínima de las derechas latinoamericanas (Prometeo), do historiador Ernesto Bohoslavsky, é uma valiosa contribuição para continuar aprofundando o tema, neste caso, dentro da convulsionada história da América Latina.
Articulado em seis capítulos que reúnem diferentes períodos históricos, de 1880 até o nosso presente mais imediato, o ensaio de Bohoslavsky coloca como condição necessária a definição de uma posição de direita que, partindo da precisão conceitual de Norberto Bobbio, está unificada na noção de desigualdade como valor natural, enquanto manifestação de uma hierarquia necessária que impede qualquer homogeneidade.
Portanto, se as esquerdas buscam reforçar e aprofundar o igualitarismo, as direitas, pelo contrário, almejam aguçar a diferença e defender especificamente os interesses das elites de cada país, a saber: a propriedade e produção de bens materiais (recursos naturais, capitais, imóveis), os vínculos com o poder militar, a produção simbólica (meios de comunicação, Igreja, redes sociais) e as alianças no plano das relações internacionais.
Consequentemente, será determinante compreender esta análise histórica das direitas na América Latina como o desenvolvimento de diferentes movimentos atravessados pela convicção de que as hierarquias são algo positivo que deve ser defendido, estimulado e aprofundado.
Subsequentemente, Bohoslavsky, partindo de José Luis Romero, detalha as características específicas das direitas latino-americanas: em primeiro lugar, uma certa predileção por regimes políticos autoritários e excludentes e, em segundo lugar, a defesa de estruturas socioeconômicas tradicionalistas que têm a sua origem na ordem colonial. Por conseguinte, como destaca o autor, as direitas da América Latina constituem um “objeto plural”.
Neste aspecto, a convergência entre 1880 e 1918 das direitas liberais e conservadores é um exemplo da multiplicidade de perspectivas unidas sob um guarda-chuva comum: a conveniência em apoiar um regime representativo que pode ser inserido na expressão de Alberdi da “república possível”, ou seja, uma visão oligárquica que faz um resgate seletivo de certos elementos liberais, mas mantendo um governo de minorias seletas até que o povo demonstre sinais de “maturidade política”.
Esta convivência política entre direitas liberais e reacionárias por necessidade ou espanto, no entanto, como destaca Bohoslavsky, não podia ocultar diferenças inegáveis: se os liberais eram otimistas, cosmopolitas e almejavam a chegada de um tempo em que os caudilhos, os reacionários, não seriam necessários, por sua parte, tinham uma visão decadente da sociedade presente, idealizavam as zonas rurais e culpavam o “vírus mercantilista” pela degradação dos costumes e o predomínio do materialismo.
De fato, como ressalta o autor, o liberalismo americano, em inícios do século XIX, situava-se à esquerda em relação àqueles que postulavam a necessidade de respeitar as hierarquias, algo que muda, no final de tal século, em consequência da proteção de interesses comuns com a direita conservadora que são o resultado do compartilhamento dos mesmos espaços de formação e sociabilidade.
Posteriormente, durante as primeiras décadas do século XX, o “medo vermelho” aglutinará as direitas latino-americanas. A entrada do fascismo nas camadas intelectuais da região gerará discursos emblemáticos como La hora de la espada, de [Leopoldo] Lugones: “Soou outra vez, para o bem do mundo, a hora da espada”.
Segundo a hipótese de Bohoslavsky, é possível ver os anos 1920 como um laboratório no qual direitas liberais e reacionárias foram processando uma série de fenômenos internacionais a partir de quatro variáveis: o abandono dos princípios do liberalismo laissez-faire e a adoção de uma economia autárquica, a impugnação feroz dos valores burgueses (termos como razão e civilização foram deslocados por decisão ou instinto), a intensificação do catolicismo como identidade política e o agrupamento contra o surgimento do horizonte socialista na esteira da revolução bolchevique.
Nos anos 1930, virá a “idade de ouro” das direitas fascistas, construídas teoricamente a partir dos discursos de Ramiro de Maetzu, José Antonio Primo de Rivera e Charles Maurras. Como salienta Bohoslavsky: “O amor à pátria seria o cimento orgânico, natural e harmonioso que permitiria postergar as formas mais agudas do materialismo e do ressentimento social”.
Da mesma forma, as mitologias da conspiração (maçons, judeus, sinarquia) e o complotismo, tão recorrentes nas novas direitas do século XXI, já eram comuns nos fascismos. Naquele momento, a argamassa discursiva que unificava todas as posições reacionárias era constituída a partir do anticomunismo e da recristianização como moralização social.
A segunda metade do século XX para as direitas latino-americanas será impensável sem o triunfo da Revolução Cubana como elemento desencadeador que contribuiu para produzir as convergências de liberais e conservadores, apoiando golpes de Estado, amparados na ameaça da propagação comunista na região. Sucessivamente, a recepção das diferentes escolas neoliberais será determinante nos anos 1970 e 1980: a Escola Austríaca, através de Alberto Benegas Lynch, o ordoliberalismo alemão, através de Álvaro Alsogaray, e a Escola de Chicago, na Universidade Católica do Chile.
A aliança direta ou então a tolerância complacente entre as direitas liberais e conservadoras latino-americanas com as ditaduras militares fizeram com que, segundo Bohoslavsky, a tradição liberal e a conservadora pagassem um preço alto, sem se saíram bem com o retorno gradual das democracias na região. Por fim, após uma revisão das experiências neoliberais do final do século XX (o menemismo) matrizadas pelo Consenso de Washington, Bohoslavsky aborda a situação atual das primeiras décadas do século XXI como reação à “maré rosa”, ou seja, a ascensão dos governos populistas de esquerda (chavismo, kirchnerismo, Correa, Evo Morales, Lugo).
As novas formações das direitas radicalizadas se articularão por meio de três elementos: a restauração do livre mercado e o fim da heterodoxia, a difusão da “memória completa” (reivindicação de uma mão dura contra o crime) e a exaltação da luta antissubverssiva e, por último, a recuperação das formas patriarcais e da masculinidade primitiva ao lado do desmantelamento dos avanços em matéria sexual, reprodutiva e de gênero (que chamam de forma paranoica e delirante de “ideologia de gênero” e “marxismo cultural”).
Historia mínima de las derechas latinoamericanas é um livro propício em nossa conjuntura para dimensionar, com perspectiva histórica, o retorno de um discurso da ordem em todos os âmbitos (mercado, ruas, casa), mas que já perdeu o componente elitista e, ao contrário, reivindica um povo próprio enfrentando um establishment progressista, o que nos permite, portanto, pensar em um populismo de direita.
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Genealogia da América Latina reacionária, segundo Ernesto Bohoslavsky - Instituto Humanitas Unisinos - IHU