Rastro de sangue. Destaques da semana

Arte: Marcelo Zanotti | IHU

Por: Cristina Guerini | 09 Dezembro 2024

A patrulha policial paulista caminha a passos largos rumo à barbárie. Sob uma violência policial sem precedentes, o estado afastou 45 PMs em um mês. A cena de um homem sendo arremessado de uma ponte deixou até o comandante da corporação surpreso. Uma desumanização sem precedentes é vista em cada nova ação policial. Enquanto a PM mancha de sangue as periferias, os parasitas do sistema financeiro continuam drenando os recursos das políticas sociais para encher seus bolsos. O papa mais uma vez conclama os fiéis a esperançarem diante à escuridão. Esses e outros assuntos nos Destaques da Semana do IHU.

Confira os destaques na versão em áudio.

Barbárie

O Brasil assistiu atônito a mais uma cena da truculência policial paulista essa semana. Em uma tentativa de homicídio, um agente joga um homem rendido de uma ponte na zona Sul da capital, num “ato impensado”, como declarou o PM em seu depoimento. Antes estivéssemos falando de um caso isolado de violência policial, como falou Cristina Neme, mas os números mostram o contrário. A Polícia Militar de São Paulo ceifou a vida de 673 pessoas em 2024, 46% a mais do que em 2023, quando matou 460. Em relação a 2022, o aumento é 120%.  

Patrulha sanguinária

Com uma polícia operando com uma letalidade e violência sem precedentes, o governador Tarcísio de Freitas e seu secretário de Segurança Derrite não veem nada de anormal. Mas será que é normal o escárnio da desumanização que assombra a periferia paulista? Ninguém viu um morador do Pinheiros ser abordado da mesma forma que acontece nos bairros periféricos. Fazemos nossas as perguntas da jornalista Mônica Bergamo:

Em São Paulo, sim!

Esculacho

No estado que se transformou no laboratório da extrema-direita, o descaso e o deboche do governador Tarcísio de Freitas e seu secretário de Segurança Derrite estampam as manchetes. “O governador Tarcísio debocha, diz para os paulistas procurarem a ‘Liga da Justiça’. Derrite diz que a morte de uma criança de 4 anos é puro “vitimismo barato’. Com o aval de uma ‘não secretaria”, a PM segue matando e esculachando. Os freios primários à violência policial já deram todas as mostras de que resolveram deliberadamente não funcionar”, assinalou Almir Felitte essa semana. Entre os disparates que ainda ouvimos diante do horror, o senador do PL Jorge Seif ainda achou pouca a violência e declarou: “deveriam ter jogado do penhasco”.

Violência policial generaliza

Com a ausência de qualquer escrúpulo e se julgando juízes acima do bem e do mal, as forças policiais espalham a violência em todas as regiões do país. Basta lembrar que a polícia mata uma pessoa negra a cada quatro horas no Brasil

Na Bahia, o policial continuou solto e praticou um segundo extermínio. No Ceará, na tarde dia 4, um jovem foi brutalmente agredido por um policial militar durante uma abordagem realizada na presença de seus pais. A análise do colega Gabriel Vilardi foi certeira: “a violência sob qual o país foi construído cobra o seu amargo preço em uma sucessão de fatos chocantes. A força do patriarcado autoritário mostra-se desde o espírito golpista da caserna e os brutais casos de truculência policial, passando pela sanha ensandecida de controlar os corpos femininos até a onipresente ideologia neoliberal sempre ávida por cortes de gastos sociais”.

Dinossauro

“O dinossauro, entretanto, não foi abatido. Em nosso país o dinossauro continuou a ser alimentado por uma Justiça inócua. Aprovou-se uma lei esdrúxula, a ‘anistia recíproca’, em nome de uma suposta pacificação do país. Ora, como anistiar quem sequer foi denunciado, investigado, julgado e punido? Assim, assassinos e torturadores, autores de crimes hediondos cometidos sob o manto do Estado, permaneceram impunes. O dinossauro ainda estava aqui [...] em 2022, as patas do dinossauro se moveram da porta dos quarteis para depredar os prédios dos três poderes da República, em Brasília”, pontuou Frei Betto, lembrando a importância de celebrarmos a memória do sofrimento para permanecermos acordados e avançarmos. Luiz Eduardo Soares também fala sobre democracia e segurança pública, advertindo que “Não é razoável continuar discutindo segurança com foco exclusivamente na criminalidade e em organizações criminosas, enquanto a autoridade democrática vai se tornando refém e se condenando à impotência. Tampouco é aceitável deixar-se acuar pela arrogância militar”. Por falar em arrogância, o vídeo da Marinha mostra que para manter seus privilégios, a caserna não tem limites. 

Genocídio e Estado

A Anistia Internacional confirmou o que salta aos nossos olhos há meses: é genocídio. No relatório “É como se fôssemos seres infra-humanos: O genocídio de Israel contra a população palestina de Gaza”, a entidade afirmou que se trata de um "inferno de destruição sem qualquer pudor, continuamente e com absoluta impunidade". Na ONU, foi aprovada a cúpula para a criação de um Estado palestino, o que confere legitimidade internacional a sua luta. Enquanto isso, o Ocidente dá mais um nó no parafuso da fome e no da crise humanitária sem precedentes

Negócios de guerra

“A indústria de armamentos continua a crescer. As receitas aumentaram 4,2% no ano passado, chegando a 632 bilhões de dólares. Infelizmente, sabemos bem a que outros números esse crescimento está associado: o número de mortos e feridos, tanto militares quanto civis, as cidades destruídas, os deslocados, o futuro roubado de gerações de jovens e a devastação ambiental”, denunciou Andrea Tornielli, ao falar sobre os lucros recordes da indústria armamentista.

Na Síria, “esperança morta”

Na Síria “a esperança está morta” e as pessoas têm um único desejo: “Escapar”. Quatorze anos de conflito, pobreza extrema, sanções internacionais, o terremoto, agora uma nova onda de tensões e violência começam a pesar também no coração de Mario Zenari. O cardeal vê com preocupação a tomada de Aleppo, que está fora do controle do governo de Assad e nas mãos dos rebeldes jihadistas. Trata-se agora de mais um conflito no Oriente Médio, que se aproxima cada vez mais da guerra total.

Parasitas

Destrinchando os últimos 30 anos da política econômica do país e o Novo Arcabouço Fiscal, o economista Evilásio Salvador explicou que há “um enorme esforço do governo e da sociedade brasileira para transferir parcelas significativas do orçamento público para uma classe privilegiada de rentistas [...] com mecanismos para reservar e garantir uma verdadeira bolsa banqueiro, uma transferência de dinheiro pago às custas dos impostos e tributos da classe trabalhadora para uma pequena parcela de uma classe social parasitária da sociedade”. Além disso destacou os mitos que rondam o debate sobre as finanças: comparação do orçamento público com o orçamento doméstico e a “fadinha da confiança”. Ainda afirmou que “outra economia é possível”. 

Ancorados no dom

Mas, em tempos sombrios, como guardar a esperança? O papa Francisco ensina. Nos aproximamos do Jubilei 2025. Nesse contexto, mesmo diante às dores que percorrem o mundo, é hora de firmarmos as mãos na corda da âncora da esperança. No seu vídeo de intenção de oração para este mês, “Pelos peregrinos da esperança”, Francisco convoca a todos a esperar por um novo tempo. “A esperança é uma âncora, que se joga com a corda e se enraíza na praia. E nós devemos nos agarrar à corda da esperança". A esperança, prossegue o pontífice, não decepciona nunca. E lembra: “A esperança cristã é um dom de Deus que enche de alegria a nossa vida. E hoje precisamos tanto dela, o mundo precisa tanto dela!”.

Beleza que encanta

Por que ouvir Bach neste tempo de Advento? “Pela beleza que encanta. Pela alegria que você sente. Pelo desejo de ser um com Cristo e em Cristo, um desejo que se realiza e se nutre na participação eucarística. Quanto mais somos um com Cristo e em Cristo – quanto mais vivemos a união mística com Ele – mais nos tornamos humanos, à maneira de Cristo. Em Cristo estamos mais presentes e vivos, participando humanamente das coisas deste mundo”, responde a musicista Chiara Bertoglio. Por falar em Esperança e Advento, encerramos convidando nossos leitores, junto com o cardeal José Tolentino de Mendonça, a abrir as janelas para um tempo de otimismo: “Advento, tempo de abrir janelas na noite do sofrimento, da solidão, das dificuldades e sentir-se prometido às estrelas, não ao escuro”.

Desejamos uma boa semana a todos e todas!