04 Dezembro 2024
"Viver a fé em um contexto de diáspora coloca a questão de 'onde está Deus', 'onde está a Igreja'. A pergunta é essencial, pois a Igreja não tem um lugar geográfico específico. O Deus que ela anuncia não está localizado em um lugar específico e não tem uma residência específica", escreve o sociólogo italiano Luigi Berzano, em artigo publicado por Rocca, 01-12-2024. A tradução é de Luisa Rabolini.
“É melhor ser cristão sem dizê-lo, do que proclamá-lo sem sê-lo” - Inácio de Antioquia, mártir
Um dos efeitos mais inesperados da época laica e secular é a redescoberta da literatura patrística cristã dos primeiros séculos e de alguns escritos menores ainda mais antigos, como o Didaquê, a Carta a Diogneto, a Carta de Clemente Romano e outros. Assim, descobrimos que, para os cristãos, a fé na diáspora não é novidade. Ela já é encontrada na citada Carta a Diogneto, o pequeno livro escrito em época pouco posterior aos apóstolos por um autor desconhecido de língua grega e endereçada a um destinatário igualmente desconhecido, do qual conhecemos apenas o nome: Diogneto. O texto descreve o estilo de vida dos cristãos espalhados pelo mundo pagão: muito normal em suas formas e gestos, mas extraordinário em sua fidelidade evangélica. Diz que os cristãos vivem nas cidades como todo mundo, conformam-se aos costumes comuns, mas depois mostram o caráter admirável e paradoxal de sua fé na maneira como vivem a mensagem do Evangelho. Eles, diz a Carta, “vivem na sua pátria, mas como forasteiros; participam de tudo como cristãos e suportam tudo como estrangeiros. Toda pátria estrangeira é pátria deles, a cada pátria é estrangeira”. Para esses cristãos, a condição de diáspora foi ao mesmo tempo dramática e fascinante, tanto que se poderia dizer: “assim como a alma está para o corpo, os cristãos estão para a sociedade”.
É a mesma condição dos crentes nas sociedades laicas modernas, nas quais tudo é diáspora, já que o espaço público pertence a todos, crentes e não crentes. Até mesmo os cristãos se percebem, em certo sentido, como fora de lugar nesta existência, vivendo neste mundo, mas sem ser deste mundo. Eles se sentem como se fossem diferentes de si mesmos e como se não coincidissem consigo mesmos (S. Levi Della Torre). É a eterna discordância entre ser diferente quando se é igual a todo mundo e ser igual a todo mundo quando se é diferente. Nessa aspiração de não ser igual à maioria do mundo está uma visão inicial que vê na condição de diáspora um vício e uma culpa, e no enraizamento a sua cura. Essa visão da diáspora preocupada com seus perigos hoje é característica daqueles que nasceram cristãos em um contexto não de diáspora, para os quais a diáspora agora representa um decaimento.
Mas uma segunda visão, semelhante àquela dos cristãos de Diogneto, é mais positiva e não acolheu a elaboração do pensamento de se estabelecer no mundo como maioria, mas sim a experiência da oscilação entre o enraizamento e o desenraizamento. Na realidade, para os cristãos, o problema da condição de diáspora não foi imposto por outros, mas pela própria mensagem do Evangelho. Os cristãos sempre viveram em condições que, por princípio, consideravam provisórias.
A diáspora na qual os cristãos são chamados a viver em sociedades laicas e seculares não é a diáspora territorial, mas aquela no espaço público que mina o fundamento interno da fé religiosa, torna irrelevantes as suplências que as Igrejas realizavam no passado e despoja os cristãos de seu fundamento. Mas, por essas razões, os cristãos alimentam sua diversidade evangélica e durabilidade em outros lugares - como nas mil formas de comunidades de diásporas.
Nessa visão de defesa da diáspora no espaço público secular está a defesa da diversidade e durabilidade da mensagem do Evangelho. De um ponto de vista existencial, a diáspora é sempre uma condição intermediária em relação ao futuro e, por essa razão, é percebida como habitada por perigos e demônios.
Como nos lugares misteriosos da infância, todos pensam apenas em sair, em vez de poder ficar lá permanentemente.
Essa condição de diáspora certamente acarreta riscos para a instituição, tanto que o teólogo Karl Rahner - que foi um dos primeiros a identificar esses riscos na década de 1960 – convidava a uma revolução eclesiológica. Qual é o desafio, para a Igreja Católica, em pensar sobre a fé hoje em um contexto diáspora?
Em primeiro lugar, exige que ela renuncie ao sonho de abraçar toda a sociedade e aceite uma menor relevância no espaço público, onde é a sociedade civil que pretende produzir o sentido da vida individual e coletiva. Isso é o que se chama de secularização qualitativa, em que é o espaço público que passa a regular as relações com todos como se Deus não existisse. Não é o desaparecimento da religião, mas certamente é a dissolução de indicações, valores e estilos de vida laboriosamente construídos pela religião ao longo de milênios para conectar a vida dos indivíduos com o divino.
Em segundo lugar, a revolução eclesiológica exigida pela entrada na condição histórica da diáspora comporta uma reflexão sobre a unidade cristã e um afastamento do medo da diferenciação interna interpretada como dissidência. A sociologia das diásporas certamente documenta um risco de dispersão, mas não o fim da mensagem que a constitui e do “povo” que a representa. A diáspora é um lugar de tensões, de reajustes constantes. Mas mesmo na presença de tais riscos, as diásporas representam também espaços para a recomposição permanente da religião, espaços fecundos em termos de renovação criativa do pensamento e das práticas, como já agora indicam iniciativas de todos os tipos, espirituais, teológicas, litúrgicas, sociais e caritativas.
Em terceiro lugar, viver a fé em um contexto de diáspora coloca a questão de “onde está Deus”, “onde está a Igreja”. A pergunta é essencial, pois a Igreja não tem um lugar geográfico específico. O Deus que ela anuncia não está localizado em um lugar específico e não tem uma residência específica.
Nenhuma instituição, estrutura ou local de culto pode conter todo o mistério de Deus. O teólogo Daniel Marguerat aponta para três formas da Igreja: a dispersão, a pluralidade e o provisório.
A dispersão é um indicador de incompletude e diversidade legítima, mas não de dissolução e desordem. É a vontade de não se impor, mas de não se dissolver e se deixar desconstruir, tornando-se insignificante.
A pluralidade é o sinal da insuficiência de cada um e da necessidade do outro. Não somos cristãos sem o outro. Para buscar a verdade, bem como para compreender o Evangelho, é necessário sermos muitos e diversos.
O provisório é um sinal de incompletude e de fragilidade e indica mudanças de perspectiva e viagem em direção ao futuro. A dispersão, a pluralidade e a provisoriedade são características mais ou menos acentuadas, mas indicam elementos que também encontramos no Jesus dos Evangelhos.
Em quarto lugar, viver a fé em um contexto de diáspora apresenta os dois problemas que a psicologia social define: dissonância cognitiva e estruturas de plausibilidade. A primeira é o esforço de viver entre outros que não compartilham as mesmas ideias; a segunda são os ambientes nos quais nos sentimos “em casa”.
Viver na diáspora da sociedade secular produz nos indivíduos religiosos o desconforto de ter que se confrontar com valores, convicções e estilos de vida diferentes, especialmente quando entram em conflito com aqueles de sua própria fé religiosa. Quando surge um conflito entre os pensamentos, as emoções e o comportamento de um indivíduo e aqueles do contexto em que ele vive, é natural que ele sinta desconforto e tente aliviar o conflito que produz a dissonância cognitiva com estruturas de plausibilidade.
São essas estruturas que lhe dão a sensação de estar entre os “seus” e “em casa”. Nelas (grupo, comunidade, associação, manifestação, evento, blog on-line e outros), o indivíduo reduz a dissonância cognitiva e fortalece sua própria identidade ao compartilhar elementos cognitivos consoantes com seus próprios modelos de referência. Isso é o que Blaise Pascal indicava em seus Pensamentos quando aconselhava aqueles que viam sua identidade religiosa ameaçada e tinham dificuldade em manter sua fé interiormente, a se comportarem como se acreditassem com segurança e compartilharem isso com os outros. As estruturas de plausibilidade, portanto, tendem não tanto a eliminar elementos dissonantes, mas a fortalecer aqueles que estão em consonância com a identidade pessoal, de acordo com um princípio compreensível de economia cognitiva para quem vive em diáspora, condição da qual é impensável escapar, mas com a qual, no entanto, é possível conviver multiplicando as estruturas de plausibilidade.
Isso é também o que haviam entendido os cristãos dos primeiros séculos descritos na Carta a Diogneto, integralmente inseridos no mundo pagão, mas fortemente unidos às suas comunidades de origem.
A avaliação sobre a oportunidade de reconhecer estar em diáspora, embora com a responsabilidade de ainda testemunhar os próprios valores e estilos de vida no espaço público, acentua hoje as discussões dentro da Igreja, revelando uma linha divisória entre aqueles que se esforçam para pensar a relação com o mundo de um catolicismo que assume a condição de diáspora que a sociedade contemporânea lhe prescreve, e aqueles que, por outro lado, acreditam que a Igreja não possa aceitar essa situação, continuando a interpretar a questão em termos de autodefesa e reconquista.
Trata-se de uma contraposição, não apenas ideológica, mas teológica, pois se trata de um confronto entre uma visão que associa a vitalidade da Igreja à sua influência geográfica, cultural e política na sociedade, e a visão de diáspora, própria do catolicismo entendido como “alma da sociedade”, que aceita “estar no meio dos outros”, como dizia Michel de Certeau em La faiblesse de croire.
A definição da Igreja que aceita estar “entre os outros” em uma sociedade que não se dirige mais a ela como no passado não significa, entretanto, que a Igreja não tenha mais nada a dizer. Essa conversão de sua visão de si mesma e de seu papel implicaria uma revisitação completa da teologia cristã, a partir do princípio fundamental de levar a mensagem do Evangelho até os confins da terra.
A separação entre Igreja e Estado, entre as esferas espiritual e secular da vida sempre esteve presente na cultura cristã, ao contrário de outros contextos, como o islâmico. Isso se deve à convicção da provisoriedade do ordenamento deste mundo em comparação com a realidade definitiva do Reino de Deus.
Na linguagem sociológica, poder-se-ia concluir de forma positiva que os cristãos hoje são parte ativa nas sociedades seculares. Todas as sociedades na Europa e nas Américas são organizadas de acordo com os princípios da laicidade do espaço público e do pluralismo de valores e estilos de vida.
As religiões, em todas as suas formas coletivas e individuais, também estão envolvidas. Em tal condição, elas não podem deixar de estar em diáspora. Nas sociedades pré-modernas, essa questão não era relevante, uma vez que a religião era uma só coisa com o pertencimento a uma comunidade. O caráter essencialmente étnico-territorial da religião foi expresso após as guerras de religiões de 1500 no princípio cuius regio, eius religio. Nesse contexto se inseria a acusação de iniquidade para todos aqueles que rejeitavam a religião.
Em 1500, a Igreja Católica realizou uma grande reforma para combater o protestantismo. Hoje, muitos acreditam que é necessária uma coragem semelhante para conviver com a modernidade contemporânea e superar algumas escolhas tridentinas que não são mais sustentáveis nesta fase histórica. A primeira é a territorialidade tridentina das comunidades paroquiais e diocesanas e de todo o sistema eclesiástico, nesta fase histórica em que tudo é cada vez mais relacional e digital.
A segunda é a superação da atual rigidez litúrgica baseada no predomínio da missa rigidamente regulada pelo missal, que penaliza a criatividade das comunidades individuais na linguagem, nas formas de expressão, nos paramentos e no estilo dos participantes. A terceira opção é a superação da estrutura atual das ordens hierárquicas, com a exclusão das mulheres das ordens maiores do diaconato e do presbiterado e a exclusão dos homens casados do presbiterado.
A quarta opção é a superação do ecumenismo rígido que, por medo de divisões, impede a Igreja Católica de Roma de fazer as escolhas necessárias impostas pela mensagem do Evangelho.
As formas para buscar e rezar a Deus podem ser diferentes e não negam o amor mútuo. O Cardeal Cusano costumava repetir: Una religio in varietate rituum.
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Viver a fé no meio dos outros. Artigo de Luigi Berzano - Instituto Humanitas Unisinos - IHU