30 Novembro 2024
A extrema-direita vive uma ascensão persistente na Romênia. As recentes eleições presidenciais evidenciaram o crescimento da Aliança para a União dos Romenos (AUR). Com um discurso ecologista telúrico e uma postura favorável ao retorno aos valores cristãos, essa força política sustenta posições que a distinguem de muitas outras organizações de extrema-direita europeia.
O artigo é de Mihaela Mihai e Camil Ungureanu, publicado por Nueva Sociedad, 27-11-2024.
Mihaela Mihai é professora de teoria política na Universidade de Edimburgo.
Camil Ungureanu é professor de filosofia política na Universidade Pompeu Fabra.
Os partidos populistas de extrema-direita europeus surgiram graças a ondas de sentimento anti-imigração, euroceticismo e protecionismo econômico. Atualmente, constituem o segundo maior grupo do Parlamento Europeu, dividido em três facções: Identidade e Democracia, Conservadores e Reformistas Europeus e um terceiro grupo formado por partidos não alinhados.
O principal partido de extrema-direita da Romênia, a Aliança para a União dos Romenos (AUR), pertence à terceira categoria, a dos "não alinhados". Fundado em 2019, reúne conservadores religiosos, nacionalistas ferrenhos, negacionistas da covid-19 e antivacinas, todos unidos na denúncia da chamada "ditadura da elite".
Seus partidários são predominantemente homens jovens, urbanos e em situações economicamente precárias, principalmente da região leste do país e da diáspora romena na Europa. Nas eleições europeias de 2024, a AUR ficou em segundo lugar, atrás da ampla coalizão formada por social-democratas e liberais. Alguns previam que seu líder, George Simion, um ex-ativista ambiental e agitador nacionalista, poderia chegar ao segundo turno das eleições presidenciais romenas deste ano.
A ascensão da AUR constitui fundamentalmente uma resposta a várias pressões sociais, econômicas e ecológicas que caracterizaram a Romênia pós-comunista. Após a queda do comunismo em 1989, havia grandes expectativas de que o país se alinhasse gradualmente às democracias seculares e capitalistas ocidentais. Contudo, com a reorganização do sistema mundial, a Romênia tornou-se um ator semiperiférico e semiautônomo na ordem capitalista global.
Apesar da instauração de um sistema político baseado no pluralismo e no multipartidarismo, e na consagração de direitos liberais básicos, a promessa democrática de uma "prosperidade compartilhada" não se materializou. A desigualdade estrutural, a pobreza e a corrupção sistêmica alimentaram a polarização política e a emigração em massa. Junto às baixas taxas de natalidade, a emigração provocou um grave declínio populacional: pelo menos 5,7 milhões de romenos vivem e trabalham atualmente no exterior, o que impactou negativamente a economia e o tecido social.
Em resposta, a maioria dos romenos se desencantou com as elites políticas, e o atrativo da integração à União Europeia diminuiu ao longo do tempo. O nacionalismo ortodoxo oferece um mínimo de consolo frente à desigualdade crescente e à ansiedade social. A Romênia também foi palco de várias ondas de mobilização sociopolítica, inclusive de partidos populistas de extrema-direita, como o Partido da Grande Romênia e o Partido da Unidade Nacional Romena. Esses partidos dependiam excessivamente de líderes carismáticos e enfraqueceram gradualmente, deixando espaço para a AUR.
A bibliografia existente sobre o populismo de extrema-direita tende a focar nos casos da Europa Ocidental e Central. Apresenta os populistas de extrema-direita como centrados na ideia de um "povo" puro e homogêneo, ameaçado por elites liberais corruptas e pela imigração em massa do Sul Global. Os pesquisadores também afirmam que os populistas de extrema-direita europeus utilizam o cristianismo de forma instrumental, como cultura ou herança, com efeitos secularizantes. Além disso, acredita-se que os partidos de extrema-direita europeus utilizam a ecologia de forma estratégica, para lidar com pressões externas ou atrair jovens eleitores.
Em um artigo recente, argumentamos que a AUR se afasta em parte desse modelo e questiona a suposição de que a maioria dos partidos da Europa Oriental imita modelos ocidentais. Em primeiro lugar, a Romênia é um país de emigração, e a AUR centra seu discurso na crítica ao que considera uma conversão do país em uma "colônia" que fornece recursos humanos e naturais baratos à Europa Ocidental. Enquanto muitos partidos europeus de extrema-direita adotam uma perspectiva de "ecofronteiras", invocando tropos neomalthusianos e a "teoria da grande substituição" para se opor à migração do Sul Global, a AUR aborda a "ansiedade demográfica" dos romenos por meio da defesa de políticas familiares, repatriação da diáspora e reintegração da República da Moldávia [de maioria romenófona]. O partido também promove o natalismo baseado em um retorno ao estilo de vida cristão "natural" da família heterossexual.
Essa linguagem "anticolonial" reflete-se na denúncia da AUR à exploração capitalista estrangeira e aos danos ambientais na periferia da Europa. Dá voz a uma sensação amplamente compartilhada de que forças corporativas globais, em conluio com especuladores nacionais, se aproveitaram dos recursos da Romênia após a queda do comunismo, transformando o país em um "lugar que não importa". Ao descrever a Romênia como uma "colônia", a AUR também critica sua condição de membro de segunda categoria da União Europeia, reativando ressentimentos geopolíticos existentes sobre a marginalidade econômica e cultural do país na Europa. Esse discurso "perdura" porque está historicamente enraizado nas experiências e tradições locais do pensamento nacionalista anti-imperialista que remontam ao século XIX. Vale ressaltar que, após 1989, tanto políticos quanto intelectuais de esquerda e de direita utilizaram essa linguagem para condenar os custos sociais e ambientais da liberalização selvagem.
A AUR também questiona a natureza "laicista" do populismo de extrema-direita. Acredita que o cristianismo ortodoxo é essencial para a salvação pessoal e nacional, como fundamento teológico, transpólítico e essencial de toda política, incluindo a política ambiental. O principal inimigo da AUR não é o Islã, o que a distingue de outros partidos ocidentais de extrema-direita, que defendem o laicismo e utilizam de forma hipócrita o feminismo e o pinkwashing para demonizar populações muçulmanas. O principal adversário da AUR é o laicismo, visto como uma imposição colonial e "neomarxista". Em sua visão antissecular, a religião é uma fonte-chave de normatividade para a existência terrena, abrangendo relações de gênero, sexualidade, família e ecologia. Portanto, o partido defende uma "contrarrevolução" ou uma "revolução conservadora" destinada a restaurar os princípios cristãos ortodoxos.
A AUR tem uma postura peculiar em relação à ecologia. Devido ao longo compromisso de seu líder, George Simion, com o meio ambiente, a ecologia é um tema primordial para o partido. Desde sua fundação, a imagem de decadência nacional que motiva o partido foi enquadrada em termos ambientais, e uma "revolução sustentável" foi apresentada como central para a "revolução conservadora". A perspectiva ecológica da AUR tem uma base teológica, já que os interesses da nação divinamente ordenada têm primazia: acredita-se que a nação é capaz de grande virtude e de um florescimento sustentável no território dado por Deus.
Os temas anticoloniais orientam o ecologismo da AUR. Condenam a exploração abusiva dos recursos naturais da Romênia por capitalistas estrangeiros predatórios, adotam uma posição de nacionalismo rígido em defesa dos próprios recursos e promovem a soberania alimentar. A AUR celebra o "verdadeiro camponês romeno", construído como modelo do "natural" e como expressão de uma "gestão sustentável". O foco na proteção das florestas – um símbolo-chave da resistência anti-imperial e da identidade nacional – reproduz inadvertidamente uma imagem exotizante da periferia do continente, ou seja, a "fronteira selvagem" da Europa Oriental.
O discurso da AUR apresenta várias contradições. Em primeiro lugar, há uma tensão entre seu compromisso com a sustentabilidade e a defesa dos interesses econômicos do país, levando a uma posição oportunista em relação às normas ecológicas da União Europeia.
Em segundo lugar, enquanto critica a exploração capitalista predatória pós-1989 e as desigualdades ambientais e econômicas que ela gerou, a AUR propõe um extrativismo capitalista "com c minúsculo" dos recursos naturais do país por empresários romenos.
Em terceiro lugar, a AUR permanece dividida entre a proteção do bem-estar terreno da nação e um "otimismo escatológico" cristão, que trivializa as preocupações ambientais terrenas.
No entanto, essas contradições não enfraquecem a força do discurso da AUR. Sua ascensão política é um sinal de uma forma poderosa de populismo de extrema-direita na Europa, com uma mensagem política tóxica, mas formidável, que ressoa profundamente em muitos romenos desiludidos. Embora sua visão possa estar enquadrada em termos ecológicos, representa graves perigos tanto para a democracia quanto para uma autêntica transição verde.
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Romênia: uma extrema-direita ecologista, cristã e "anticolonial". Artigo de Mihaela Mihai e Camil Ungureanu - Instituto Humanitas Unisinos - IHU