23 Novembro 2024
A sequência de atentados a instituições políticas no Brasil aponta para um aprofundamento do radicalismo no país. Em novembro, um homem morreu ao detonar dois explosivos na Praça dos Três Poderes, em Brasília (DF). A Polícia Federal revelou ainda um plano golpista para impedir a posse do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que previa seu assassinato.
Para o coordenador do Observatório da Extrema Direita e professor de História Contemporânea da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), Odilon Caldeira Neto, é preciso estar alerta aos riscos trazidos por esse aumento.
"À medida que os indícios, as averiguações, os problemas jurídicos de Bolsonaro e outras lideranças da extrema direita brasileira tendem a avançar, a radicalização e a contraposição contra as instituições democráticas aumentam também", afirma Caldeira Neto em entrevista à DW.
O especialista destaca ainda que o país precisa enfrentar o extremismo de direita, para que o tema não caia no esquecimento. "O evento mais extremado não concretizou seus objetivos, mas o alerta precisa estar ligado porque o grau de radicalização da extrema direita brasileira estabelece uma relação com as instituições que não é apenas de crítica."
A entrevista é de Jéssica Moura, publicada por DW, 22-11-2024.
Diante desses episódios recentes de ação violenta, é possível dizer que o Brasil passa por um surto de terrorismo?
Eu diria que os indícios de terrorismo, a utilização do terrorismo como uma estratégia do extremismo de direita está envolta num cenário mais amplo, que é o cenário de naturalização do discurso da presença dos valores do extremismo de direita na sociedade brasileira.
Não é um problema somente do campo político, é um problema que diz respeito a toda a sociedade, a formas inclusive exclusivistas de perceber a sociedade, a comunidade nacional e assim por diante. Então os eventos recentes são, na verdade, pontas de um iceberg mais profundo, que é justamente a naturalização e a presença do extremismo de direita na sociedade brasileira. Nesses últimos dez anos ou mais, a extrema direita se tornou um elemento ativo.
O senhor pode detalhar como ocorreu essa naturalização? Como se passa da disseminação de um discurso de ódio para a formação de grupos de extrema direita que partem para a ação terrorista?
É um fenômeno de dupla dimensão: uma institucional, que diz respeito à política formal; e uma mais subalterna, que é anti-institucional. Nessa dinâmica anti-institucional, coexistem no campo do extremismo de direita desde grupos voltados ao bolsonarismo, até outras ideologias políticas ainda mais radicais e violentas, como neonazismo, neofascismo, supremacistas brancos.
Essas tendências existem no Brasil desde a transição democrática, para não dizer antes, mas existem momentos em que esses grupos se sentem legitimados e podem sair da profundeza das suas próprias limitações e ambições políticas, buscando não apenas assumir compromissos com lideranças políticas, e até mesmo atuando na vida material por meio de atentados.
É necessário ponderar que esse fenômeno em alguma medida é retroalimentado pela própria dinâmica institucional, ou seja, com o processo de formação e chegada do bolsonarismo ao poder. Com seus processos de radicalização, essas bases extremadas sentiram-se mobilizadas para as suas atuações.
Como esses grupos de extrema direita se organizam, se espalham e mobilizam apoiadores que passam do discurso à prática?
Esses grupos se organizam e se articulam das mais diversas maneiras possíveis. Por exemplo, o campo bolsonarista é muito plural e muito fértil. Ele converte diversas subtendências: intervencionistas militares, grupos orientados para o resgate de valores do fascismo histórico e grupos que articulam uma importação de ideias da direita alternativa nos Estados Unidos.
Quais são os objetivos dos grupos de extrema direita com essas ações mais violentas?
O evento mais extremado não concretizou seus objetivos, mas o alerta precisa estar ligado porque o grau de radicalização da extrema direita brasileira estabelece uma relação com as instituições que não é apenas de crítica, não é apenas de uma contraposição episódica.
Do 8 de Janeiro para cá, o bolsonarismo, sobretudo o mais extremado, não vê mais em um sistema político e na via política eleitoral uma forma legítima de atuação, não somente para eles, mas para a totalidade da sociedade brasileira. Então, eles vêm em grande medida que o inimigo agora são as próprias instituições democráticas, as suas lideranças e representações.
Qual tipo de risco a democracia no país estaria submetida diante dessa mobilização ou avanço da extrema direita?
À medida que os indícios, as averiguações, os problemas jurídicos de Bolsonaro e outras lideranças da extrema direita brasileira tendem a avançar, a radicalização e a contraposição contra as instituições democráticas aumentam também. Por isso, não é apenas um perigo, mas um alerta para que estejamos preparados e atentos à diversidade e a complexidade desse fenômeno.
Enquanto a sociedade brasileira, e eu falo em termos inclusive das instituições políticas e da democracia, não discutir esse problema, o perigo continua ativo efetivamente. Não é possível colocar mais uma camada de esquecimento aos problemas dos ataques à democracia.
Então esse tipo de atentado não é isolado, certo? A tese do lobo solitário faz sentido no caso da extrema direita no Brasil? Como as pessoas são captadas para esse tipo de movimento?
A figura do lobo solitário vem sendo utilizada por alguns expoentes do campo bolsonarista com uma espécie de tábua de salvação, e busca estabelecer uma leitura de desvios patológicos, de perspectivas psicológicas e psiquiátricas para retirar essa figura do cenário mais coletivo, de uma comunidade forjada por valores políticos em comum, que têm inimigos políticos bem definidos e pessoas que são alvos prioritários.
A noção de lobo solitário não retira um grau de socialização que estabelece a legitimidade para esses indivíduos em buscar esses atos extremados e atentados terroristas. O lobo solitário é um tipo de estrutura que diz respeito à inexistência nítida de uma cadeia de comando. No terrorismo em grande medida praticado no século 20, existia uma estrutura, existiam lideranças. O líder que falava e ditava as regras para aqueles que eram seus seguidores.
Na atualidade, essa espécie de liderança é partilhada pela própria comunidade. Há lideranças que ultrapassam essas comunidades de radicalização. Muitas dessas lideranças estão em expoentes do campo político formal e em espaços estratégicos das instituições políticas da sociedade brasileira. Então o lobo solitário precisa ser lido como a figura que participou de uma alcateia de radicalização mobilizado em torno das ideias basilares da extrema direita brasileira.
Qual é o perfil de quem participa e milita nesses grupos e chega a atitudes extremas?
As vias de acesso a esse tipo de extremismo são das mais variadas. Elas podem partilhar desde questões individuais, figuras que não tem alto grau de sociabilidade, que se radicalizam nessas comunidades digitais em busca justamente de sociabilização, de solidariedade entre os seus pares.
Mas, em grande medida, também há o fenômeno da radicalização em comunidade, exercido por lideranças que ocupam espaços estratégicos em pequenos grupos sociais e políticos. Por isso, as barreiras de contenção e as políticas de prevenção não são apenas as políticas, legais, não são apenas as questões do ponto de vista educacional, é necessário um esforço que consiga estabelecer a pluralidade desses caminhos que levam ao extremismo para conseguir construir as barreiras de contenção ao extremismo na sociedade brasileira e nas comunidades presentes em ambientes virtuais e reais.
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“A radicalização deve crescer com problema legal de Bolsonaro”. Entrevista com Odilon Caldeira Neto - Instituto Humanitas Unisinos - IHU