09 Novembro 2024
"A caracterização da figura de Deus é paradigmática para a compreensão do projeto teológico lucaniano: é Deus quem cumpre as promessas feitas aos patriarcas, garantindo benevolência e ajuda ao seu povo; ele é o Pai de Jesus, o Ungido destinado a proclamar o ano da graça, o rei davídico que governará para sempre a sorte de Israel; além disso, ele é o Deus que estende os benefícios da salvação a todos os povos", escreve Roberto Mela, teólogo e professor da Faculdade Teológica da Sicília, em artigo publicado por Settimanna News, 06-11-2024.
Professor de Exegese Grega e do Novo Testamento na Pontifícia Universidade Urbaniana, Antonio Landi oferece aos leitores um poderoso comentário sobre o terceiro Evangelho, muito querido pelos cristãos pela apresentação de Jesus misericordioso, pela recuperação de algumas belas parábolas e por ter escrito uma obra em dois volumes que abrangem a obra de Jesus durante o seu ministério e depois a sua continuação como Ressuscitado na ação evangelizadora da Igreja de Jerusalém a Roma, capital do império que chegou aos confins da terra.
Redigimos essas notas seguindo de perto o ditado de Landi em sua introdução geral (p. 7-48). A utilização da metodologia e da terminologia da análise narrativa será certamente um excelente ganho para mais de um leitor destas notas.
Livro "Luca. Introduzione e commento" de Antonio Landi
Posteriormente ao Evangelho de Marcos, não é certo se Lucas é posterior a Mateus ou vice-versa. Sua canonicidade foi reconhecida no século IV, com base na autoria apostólica do texto, que se acredita ser baseada no testemunho e na pregação dos apóstolos e/ou dos seus colaboradores mais próximos.
É uma obra ortodoxa, pois é considerada conforme à fé transmitida pelos apóstolos e preservada nas comunidades. Finalmente, a sua aceitação no cânon foi determinada pela proclamação do texto por ocasião das assembleias eucarísticas nas Igrejas cristãs (uso litúrgico).
Existem testemunhos externos ao texto, extraídos das cartas paulinas e dos escritos da era subapostólica e pós-apostólica. São fragmentários e, em parte, contraditórios e, por isso, Landi busca o perfil narrativo do autor implícito, ou seja, a imagem que o evangelista oferece de si mesmo na obra a partir das escolhas linguísticas e de conteúdo que ele faz ao escrever a história.
O texto é dirigido a um destinatário específico (embora desconhecido, Teófilo), mas a obra lucaniana dirige-se a um público mais amplo. Pode ser a comunidade na qual o autor reside e/ou pertence, mas a pesquisa atual está interessada no modelo de leitor que não é apenas pressuposto pelo autor, mas por ele construído.
Supõe-se que a composição da obra lucaniana tenha ocorrido em Antioquia, ou em Roma, ou na Acaia ou em Éfeso. No entanto, é preferível imaginar uma área geográfica mais ampla. É legítimo pensar numa pluralidade, mais ou menos grande, de Igrejas fundadas por Paulo ou, em qualquer caso, ligadas à sua pregação.
A originalidade do empreendimento literário e teológico de Lucas consiste em ter concebido uma obra em dois volumes: o Evangelho e os Atos dos Apóstolos. A primeira narra o que Jesus começou a fazer e a ensinar, a segunda, porém, descreve o que o Ressuscitado continuou a realizar através das testemunhas que escolheu, divulgando o seu evangelho desde Jerusalém, símbolo do mundo judaico, até Roma, que representa o centro da Cultura gentia para a qual os missionários se voltaram com base no plano de Deus que prevê a evangelização de judeus e gentios para formar um único povo (cf. At 15,14).
O Prólogo Antimarcionita do Evangelho de Lucas, do século IV, relata a descrição mais extensa do autor do terceiro Evangelho: é um médico originário de Antioquia da Síria, discípulo dos apóstolos, e depois colaborador de Paulo até seu martírio, servindo a Deus de maneira irrepreensível. Ele não era casado e não tinha filhos.
As diferentes versões do Prólogo relatam informações diferentes sobre a data de sua morte: para alguns ele morreu em 74 na Bitínia; para outros em 84 na Beócia.
A documentação em nosso poder não nos permite reconstruir um perfil único do autor. No entanto, a autoria lucaniana do terceiro Evangelho nunca foi questionada. Parece improvável que ele seja judeu ou prosélito gentio. Tem pouco conhecimento da geografia dos locais frequentados por Jesus, não conhece perfeitamente a prática do culto judaico e demonstra pouco interesse pelos detalhes relativos à Lei.
A partir do texto evangélico tentamos reconstruir o perfil do autor implícito.
A maioria dos estudiosos tende a identificar Lucas como um cristão de segunda geração de origem gentia, presumivelmente residente nos territórios da diáspora judaica, que passou a crer em Jesus Cristo após prolongada frequência à sinagoga.
Foi no contexto da sinagoga que desenvolveu um excelente conhecimento das Escrituras Israelitas traduzidas para a língua grega, a LXX, e aprendeu as técnicas da exegese rabínica. Da LXX ele aprendeu o conteúdo e o estilo. Sua tendência a imitar o estilo solene da Bíblia grega é muito clara e representa um fator de continuidade entre a história bíblica e a história de Jesus, contada no primeiro volume (Evangelho), e do movimento cristão, descrita no segundo volume do seu díptico (Atos dos Apóstolos).
O autor mostra uma educação cultural judaica e greco-helenística justa. Se aceitarmos o fato de que ele utilizou o texto de Marcos como texto fonte para a elaboração de sua narrativa, surge o perfil de um escritor que possui um vocabulário mais amplo e documentado do que Marcos. Ele prefere organizar a história de forma sintática, dando a devida ênfase às orações principais em detrimento das subordinadas.
Com exceção do Prólogo, sua prosa não se compara à de Tucídides, mas tem grande afinidade com a LXX. O mundo literário de Lucas consiste na Bíblia e na literatura helenística de nível médio.
Lucas não pretende escrever um “Evangelho” (a substituição é posterior), mas uma narrativa que visa expor todos os acontecimentos ocorridos em ordem desde o início. O termo diḗghesis não designa um gênero literário específico, pois pode referir-se a escritos históricos, ou a mitos ou a obras de poetas. A exposição também pode ocorrer no contexto de um discurso judicial ou no ambiente médico. No entanto, as semelhanças encontradas com textos históricos são evidentes.
O narrador mostra o desejo de situar sua escrita na confluência entre as historiografias bíblico-judaica e greco-helenística.
Recentemente, cresceu o consenso acadêmico sobre a biografia antiga: os Evangelhos são aparentemente inspirados em histórias (bíoi) centradas nas palavras e feitos de uma figura histórica conhecida, cujos vícios ou virtudes tendiam a ser destacados com o objetivo de propô-la como um modelo de vida a imitar ou evitar.
O esquema convencional adotado para descrever a vida do protagonista incluía três etapas: ghénos, ou seja, a origem familiar (ancestrais e pais), o contexto nativo (a nação e a cidade) e as informações ligadas ao seu nascimento; já apaidéia refere-se ao crescimento e à formação (humana, cultural, espiritual) do protagonista, e à aquisição de habilidades e competências específicas; por fim, a práxis que diz respeito às palavras que o sujeito pronuncia ou às ações que realiza ou sofre.
Observamos como Lucas faz um esforço para expandir significativamente o relato de Marcos, oferecendo informações importantes sobre o anúncio, nascimento e treinamento de Jesus (cc. 1–2) antes de ele iniciar seu ministério público; com a ajuda de outras fontes (Q [= do alemão Quelle, "fonte"] e material próprio), concretiza as ações e ensinamentos atribuídos a Jesus, e insiste no caminho de reconhecimento que os discípulos (e o leitor) devem seguir para que possam compreender a messianidade de Jesus, a sua realeza e filiação divinas.
A ambição de Lucas, porém, não é apenas escrever uma vida de Jesus; o primeiro volume do seu díptico centra-se em “tudo o que Jesus começou a fazer e a ensinar até ao dia em que, depois de ter instruído os discípulos que havia escolhido por meio do Espírito Santo, foi elevado” (Atos 1,1b-2).
O fato de Lucas continuar a narrativa mesmo depois da ressurreição mostra que não se trata de uma biografia pura. Os dois volumes da obra Lucas devem ser entendidos como uma unidade, tanto a nível literário e teológico, como a nível formal.
Embora o primeiro volume apresente afinidades interessantes com a biografia antiga, segundo Landi é plausível acreditar que Lucas adote o gênero historiográfico, um dos gêneros mais ecléticos da antiguidade, como veículo literário apropriado para descrever as origens e o desenvolvimento do cristianismo.
Nos tempos antigos, a distinção entre os gêneros literários não era tão clara como na literatura de hoje. Numerosos trabalhos historiográficos demonstram grande interesse na descrição dos personagens que protagonizam a história contada. Pense na figura de Moisés no livro do Êxodo.
Se é verdade que os primeiros testemunhos transmitidos sobre Jesus, em forma oral e escrita, constituíram o património original da tradição de que os evangelistas, incluindo Lucas, puderam haurir, é inegável que as memórias de Jesus permitiram a criação de histórias de caráter biográfico, pois havia um forte desejo de compreender a sua identidade e a sua missão no contexto do plano histórico-salvífico.
É, portanto, correto argumentar que os evangelhos, diferentemente das biografias populares com as quais apresentam semelhanças, podem ser considerados obras historiográficas. Com efeito, «os historiógrafos da época […] propuseram-se: investigar as causas dos acontecimentos, com particular referência às causas da morte dos seus heróis; produzir testemunhas capazes de confirmar a autenticidade dos acontecimentos narrados, para poder separar o verdadeiro do falso; dar sentido ao presente através da compreensão do passado” (p. 15, cit. de JN Aletti).
Além dos depoimentos de testemunhas oculares, Lucas baseou-se em fontes escritas. A teoria das “duas fontes” afirma que Lucas usou a fonte Q, compartilhada com o evangelista Mateus. É um documento que lhe permitiu enriquecer o conteúdo das instruções dadas por Jesus. Utilizou o Evangelho de Marcos, quer na sua forma atual, quer num rascunho anterior (Ur-Markus). Além disso, certamente utilizou material tradicional, na forma oral ou escrita: é o chamado Sondergut (alemão: “bem particular”); é material exclusivo à disposição do narrador lucaniano.
Na pág. 16-21, Landi resume as contribuições oferecidas por cada uma dessas fontes a respeito da apresentação da figura e obra de Jesus.
Em seu comentário, Landi propõe uma estrutura cristológica do Evangelho lucano. Centra-se na figura de Jesus; representa não apenas o conteúdo da história que Lucas se prepara para explicar, mas também as etapas da biografia de Jesus (nascimento e educação, ações, morte e ressurreição). Pontuam as três grandes sequências narrativas da trama lucaniana, cada uma das quais apresenta três subsequências delimitadas com base em critérios espaço-temporais, atoriais e temáticos.
Proêmio (1,1-4)
I. O nascimento (ghénos) e a formação (paidéia) do Messias (1.5–4.13)
A. Os acontecimentos que precederam o nascimento de João e Jesus (1,5-56)
B. O nascimento, a infância e a formação de João e Jesus (1.57–2.52)
C. A missão de João e a manifestação de Jesus (3,1–4,13)
II. As obras (práxeis) do Messias (4.14–21.38)
A. As palavras e ações do Messias na Galileia (4.14–9.50)
B. O êxodo/ascensão do Messias a Jerusalém (9.51–19.27)
C. A manifestação do Messias em Jerusalém (19.28-21.38)
III. A paixão, morte e ressurreição do messias (22,1-4,53)
A. A Páscoa do Messias com os seus discípulos (22,1-38)
B. O interrogatório, condenação e morte do Messias (22.39-23.56)
C. As histórias das aparições pascais (24,1-53)
Com um estilo elegante e refinado e um vocabulário que guarda afinidades com os tratados científicos e historiográficos da época no proêmio (1,1-4), Lucas ilustra ao destinatário os critérios de pesquisa, a prática e a finalidade de sua obra literária.
Na pág. 22-31 da sua Introdução, Landi apresenta em extrema síntese o conteúdo das diversas sequências e subsequências, ilustrando os temas teológicos e cristológicos presentes e motivando, no plano literário, as delimitações das perícopes que identificou.
Baseando-se, como sempre, na terminologia da análise narrativa, Landi observa como o Evangelho termina com uma sequência final (24,1-53) que apresenta uma intriga de resolução (da morte à ressurreição de Jesus) e revelação (Jesus é o Ressuscitado), e uma articulação quadripartida: as mulheres junto ao túmulo e o anúncio aos discípulos (24,1-12); o Ressuscitado aparece aos dois discípulos a caminho de Emaús (24,13-35); a aparição do Ressuscitado aos apóstolos (24,36-49); a ascensão de Jesus ao céu (24,50-53).
Parece claro que, tal como em Marcos e Mateus, também no Evangelho de Lucas há apenas uma ascensão de Jesus da Galileia a Jerusalém, ao contrário do Evangelho de João em que há três celebrações da Páscoa de Jesus em Jerusalém.
O destinatário do terceiro Evangelho é explicitamente indicado: é o excelente Teófilo (1.3), a quem também é dedicado o segundo volume da obra lucaniana (Atos 1.1). Se se trata de um personagem real ou fictício, é irrelevante para estabelecer se ele é realmente o único que pode se beneficiar dos dois volumes criados por Lucas, ou se é o símbolo de uma comunidade muito maior para a qual o livro foi criado.
Landi oferece a reconstrução do perfil do leitor (implícito). Como sempre, ele emprega a terminologia da análise narrativa.
A narração lucaniana, como todo texto literário – afirma o estudioso – deve ser considerada um dispositivo narrativo preguiçoso que só se ativa graças ao sentido que o destinatário consegue introduzir.
O leitor-modelo é o único capaz de «cooperar na atualização textual como ele, o autor, pensava, e de se mover interpretativamente como se movia generativamente [...] Prever o leitor-modelo não significa apenas "esperar" que ele exista, significa também deslocar o texto para construí-lo” (p. 32, cit. de U. Eco). Consequentemente – continua Landi – o modelo ou leitor implícito não é apenas pressuposto pelo texto, mas também por ele construído.
Para R. Marguerat, o leitor lucaniano implícito está enraizado na história; seguindo a trama do díptico lucano, que vai de Jerusalém a Roma, passando do anúncio de Jesus na Galileia à sua pregação em Jerusalém e até ao testemunho dos seus apóstolos e missionários que chegam até Roma, o narrador lucano pretende transmitir aos seus leitores a competência para ler a história teologicamente. Segundo JK Brown, pode ser definido como “alguém que participa do reino de Deus seguindo Jesus e abrindo mão de seu status para abraçar aqueles que estão à margem da sociedade” (cit. na p. 32).
O perfil de leitor modelo/ideal que Lucas prevê para a sua obra não pode ignorar – segundo Landi – os indícios que emergem do prefácio: trata-se de um cristão de terceira geração, já educado nos primeiros rudimentos da fé.
Nesse sentido, a escrita lucana não é concebida com o objetivo de evangelizar o seu público, mas de consolidar a profissão de fé que já fez. O leitor modelo não é um neófito que ouve falar de Jesus pela primeira vez, mas um insider, um crente a quem o narrador oferece algumas chaves de compreensão para tornar mais robusta sua adesão ao evangelho.
A utilização das Escrituras de Israel sob a forma de citações, alusões e ecos diretos ou indiretos permite – segundo o estudioso – reler e compreender os ensinamentos de Jesus na perspectiva da continuidade e do cumprimento no plano histórico-salvífico (cf. o discurso na sinagoga de Cafarnaum, Lucas 4,16-30).
Lucas sente a necessidade de assegurar ao leitor que a hostilidade sofrida por Cristo já estava prevista nas Escrituras. O leitor lucano deve aceitar que o sofrimento de Cristo faz parte do plano divino e leva a termo o projeto salvífico.
A cristologia determina a estrutura do Evangelho de Lucas. A estratégia narrativa de Lucas visa, antes de tudo, reconhecer o estatuto messiânico, real e divino do protagonista. A densidade teológica dos dois primeiros capítulos – Jesus apresentado como Cristo Senhor, o rei da linhagem davídica destinado a reinar para sempre sobre a casa de Israel; o filho de Deus que nasce, por obra do Espírito divino, no ventre de uma mulher, Maria - está na base da tensão narrativa que sustenta os capítulos seguintes: a curiosidade induz o leitor a continuar lendo o texto para poder perceber não só a solidez dos ensinamentos recebidos (Lc 1.4), mas sobretudo verificar a fiabilidade histórica e a coerência dos acontecimentos ocorridos com as promessas feitas aos antigos pais e agora cumpridas na figura de Jesus.
A intriga lucana não é isenta de suspense, que derruba as expectativas dos personagens da história (intradiegética) e até provoca o leitor: basta pensar no episódio da confissão de Pedro, que reconhece Jesus como o Cristo de Deus.
Até aquele momento o leitor gozava de uma posição cognitiva privilegiada em relação ao grupo de discípulos: o anjo que apareceu aos pastores havia revelado o nascimento do Salvador, o Senhor Cristo. Contudo, a imposição do silêncio e, sobretudo, a primeira previsão da paixão-morte, determinam um efeito desorientador também no leitor: Jesus não só cria divisão no povo de Israel entre aqueles que o acolhem e aqueles que o rejeitam, mas ele sofrerá paixão e morte por disposição divina.
Lucas divulga indicações lexicais, semânticas e bíblicas ao longo de sua história que permitem ao leitor chegar ao reconhecimento de Jesus como o Senhor Cristo, mas não o isentam da dificuldade de compreensão e do constrangimento que geram episódios em que o protagonista é questionado: pensemos no fariseu Simeão que o convidou e duvida da condição profética de Jesus ao se deixar tocar impunemente por um pecador. Os líderes do povo e um dos criminosos crucificados com Jesus zombam dele porque o Cristo de Deus não é capaz de salvar a si mesmo.
A ressurreição de Cristo é o acontecimento que libera a tensão da história (cap. 24): o Crucifixo foi ressuscitado por Deus, que anulou o veredicto de condenação contra ele.
O leitor/modelo implícito previsto pelo narrador lucano pode perceber que ele é verdadeiramente o Justo inocente reconhecido pelo centurião romano (23,47); a sua ressurreição não só cumpre as previsões relativas ao desfecho da sua vida (9,22; 18,33), mas é um prelúdio à viagem testemunhal dos apóstolos, sobre a qual se concentrará o segundo volume da obra lucaniana.
Segundo Landi, não é possível definir os contornos do público autoral lucaniano; pode-se imaginar que o cristianismo lucano é composto por comunidades localizadas perto da zona oriental do Mediterrâneo, presumivelmente Antioquia, Acaia ou Éfeso; no entanto, Roma não pode ser descartada.
Atualmente, as hipóteses efésia e romana são as mais plausíveis. Éfeso representa o clímax da expansão máxima alcançada pela missão paulina em direção à zona oriental do império.
Em Éfeso, o caminho da Palavra é dificultado pelos representantes da sinagoga, mas também deve enfrentar o sincretismo mágico-religioso representado pelos exorcistas itinerantes de origem judaica e pelos filhos do sacerdote Ceva (Atos 19,13-20). A revolta dos ourives também ocorre aqui. O vínculo entre os presbíteros efésios e Paulo é selado pelas comoventes palavras de despedida que o apóstolo lhes dirige em Mileto, quando os saúda antes de partir para Jerusalém (e chegar a Roma acorrentado).
Roma, a capital do império, é de facto o lugar onde termina a narrativa lucana, com a chegada de Paulo que, embora acorrentado, anuncia o reino de Deus e as coisas que dizem respeito a Jesus com toda a franqueza e sem impedimentos (cf. Atos 28,31). O leitor tem a sensação de que o destino romano é a meta final de um itinerário que começou no templo de Jerusalém (Lc 1,5-22), expressão máxima do mundo judaico, antes de chegar a Roma, coração da bondade.
O Evangelho de Lucas traz diversas referências a símbolos e valores característicos da cultura imperial, como os conceitos de paz e salvação; o nascimento de Jesus (Lc 2,1-12) e o início da pregação de João Batista (Lc 3,1) são colocados em paralelo com o exercício do poder imperial.
Devemos também lembrar a ênfase no triplo reconhecimento da inocência de Jesus por parte do prefeito romano; ou na cadeia narrativa de centuriões descritos como homens piedosos e devotos no díptico lucano. Paulo também não foi considerado culpado pelas autoridades imperiais. O silêncio de Lucas sobre o resultado de seu julgamento perante o imperador pode depender, segundo Landi, do desejo de preservar inocente a figura do apóstolo.
Quer se trate de Éfeso ou de Roma, o perfil do destinatário do díptico lucaniano é o de um conhecedor das Escrituras de Israel e da cultura judaica; é provável que tenha sido um público misto, constituído por judeus residentes nos territórios da Diáspora e por gentios que aceitaram a mensagem evangélica, possuindo já uma bastante familiaridade com as tradições judaicas adquiridas através da frequência à sinagoga. Não se pode excluir que o ambiente da sinagoga representasse o principal espaço de anúncio do evangelho, antes da ruptura definitiva que favoreceu o deslocamento do cristianismo lucaniano dos edifícios da sinagoga para as casas dos cidadãos particulares.
Se aceitarmos a hipótese das duas fontes, a datação do Evangelho de Lucas não pode ser anterior à escrita do Evangelho de Marcos, que a maioria dos estudiosos situa pouco antes de 70 DC. A história de Lucas certamente remonta a depois de 70 DC, já que Lucas 21.20 alude claramente à destruição de Jerusalém (ver também 19.43-44 e 21.24).
O contexto que constitui o pano de fundo para a escrita do terceiro evangelho é o da terceira geração de crentes, que não têm que enfrentar perseguição feroz contra eles e não esperam que a parousia seja iminente (cf. Lucas 17.20-21; 19.11; 21,8).
O período de publicação pode ser entre 80 e 85.
A ambição de Lucas é conceber uma obra literária que não se limite a contar apenas o que Jesus ensinou e realizou, mas inclua também a difusão progressiva da mensagem de salvação entre judeus e gentios. A finalidade do díptico lucano está bem expressa no preâmbulo do Evangelho (1,1-4). Lucas pretende corroborar a fé do excelente Teófilo, para que este possa perceber a solidez das instruções já recebidas.
No prefácio é feita referência aos “muitos” que precederam o autor na explicação dos acontecimentos ocorridos. Lucas fará uso da disposição do Evangelho de Marcos.
Quanto à finalidade dos escritos lucanos, é possível que Lucas não pretenda sublinhar a inadequação dos seus escritos, mas sim a incompletude; assim, sente a necessidade de implementar a informação sobre o Messias, apoiando-se não só nas memórias daqueles que testemunharam os acontecimentos e são considerados testemunhas autorizadas e fiáveis, mas também consultando documentos escritos a que teve acesso, examinando a sua autenticidade e credibilidade do ponto de vista histórico, com o objetivo de elaborar um relato confiável e ordenado a ser submetido ao excelente Teófilo, para que ele possa perceber a solidez dos ensinamentos recebidos (cf. Lc 1,3-4).
O objetivo do trabalho parece claro. As razões pelas quais o destinatário deve ser consolidado relativamente às instruções transmitidas não são igualmente claras. Se for um insider, que já aderiu ao evangelho e aceitou a fé transmitida pelos apóstolos, testemunhas de Cristo, e por aqueles que contribuíram para a difusão da mensagem de salvação (cf. Lucas 1.2), no que Nesse sentido, sua fé precisa ser corroborada?
Landi propõe quatro áreas de comparação interna no cristianismo lucano que poderiam ter levado o autor a compor sua obra em dois volumes.
1. O escândalo do Messias crucificado
O Evangelho de Marcos contém o paradoxo de um Cristo, Messias, esperado por Israel como descendente real davídico, líder político e militar de um povo submetido à força ao poder dos romanos que morre na cruz.
Igualmente paradoxal é a revelação da sua filiação divina por ocasião do seu batismo e transfiguração. A voz divina reconhece-o como Filho de Deus. Um centurião pagão é a única personagem humana que o reconhece como tal no momento da morte (cf. Mc 15,39).
Lucas incorpora o exemplo paradoxal da cristologia de Marcos e investiga-o para benefício do leitor.
Em primeiro lugar – recorda Landi – Lucas reitera massivamente que a morte de Cristo faz parte do plano divino de salvação e foi predita nas Escrituras de Israel. Além das três predições da paixão do Filho do Homem já presentes em Marcos, Lucas também acrescenta cinco ditos (logia) que não têm paralelo nem em Marcos nem em Mateus relativos à necessidade divina em relação à morte do profeta e sua modalidades, com o resultado final da ressurreição no terceiro dia (13,33; 17,25; 24,7; 24,26; 24,46).
O desígnio divino, expresso através do verbo impessoal dei (“é necessário”), torna-se inteligível recorrendo às Escrituras de Israel. Na terceira predição da paixão, Jesus declara que o sofrimento que está prestes a enfrentar cumpre «tudo o que foi escrito pelos profetas a respeito do Filho do homem» (Lc 18,31).
A referência global à tradição bíblica está presente também por ocasião das aparições do Ressuscitado (aos dois discípulos a caminho de Emaús, aos Onze: cf. 24,27; 24,44b: "todas as coisas escritas sobre mim na lei de Moisés, nos profetas e nos salmos"). O Ressuscitado abre a mente dos seus discípulos à compreensão das Escrituras, revelando o significado das profecias sobre o seu sofrimento (24,45).
As referências à necessidade de realização do plano divino e ao cumprimento das Escrituras têm um duplo efeito sobre o destinatário do evangelho: o uso redundante da fórmula dei/edei ("necessário/necessário") e das fórmulas de cumprimento das Escrituras oferecem ao leitor informações particularmente valiosas para uma melhor compreensão e descodificação da mensagem que lhe é dirigida: desta forma reduz-se a hesitação, facilitando a correta hermenêutica da mensagem.
Em segundo lugar, a reticência lucana em relação às passagens utilizadas para demonstrar a coerência entre as profecias messiânicas e o destino do Filho do Homem desperta a curiosidade do leitor para saber quais são os argumentos escriturísticos; a leitura do segundo volume da obra lhe permitirá não apenas aprofundar-se nos textos das Escrituras, mas também compreender a ação paradoxal de Deus, que subverte a sentença de condenação contra seu Filho, ressuscitando-o dentre os mortos.
As chamadas fórmulas de contraste (Atos 2,23-24; 3,13-15; 4,10; 5,30-31; 10,39b-40a; 13,27-30) são presumivelmente baseadas na mais antiga pregação apostólica, mas são retrabalhadas por Lucas com o objetivo de persuadir o seu leitor de que o plano providencial inclui não apenas a morte do Messias, mas também a sua ressurreição e glorificação por parte de Deus. Se a morte na cruz é considerada escandalosa pelos judeus, e pura loucura pelos gentios (cf. 1Cor 1,23), segundo a perspectiva lucaniana ela é parte integrante do plano salvífico divino.
2. O cristianismo Lucaniano e a destruição do templo
O templo é o centro da religiosidade judaica.
Lucas começa e termina o seu Evangelho com a menção do templo onde está presente Zacarias, que não abençoa o povo, e termina com a oração alegre dos apóstolos no templo depois da ressurreição e ascensão de Jesus, que abençoa os seus discípulos. No templo, Deus manifesta a sua vontade de dar um filho a Zacarias e Isabel, símbolos de Israel à espera da redenção, que prepara um povo disposto.
O oráculo do velho Simeão também é pronunciado no templo. No menino apresentado ao templo para resgate dos primogênitos, Simeão profetiza a salvação divina, preparada para todos os povos; ele é a luz destinada a iluminar o caminho do povo e a ser a glória do seu povo Israel. Simeão prediz a oposição que Jesus enfrentará e a profetisa Ana também conecta a criança à expectativa da redenção de Jerusalém. Estas figuras proféticas falam da identidade e da missão de Jesus e têm um valor programático para a cristologia lucana.
No templo, Jesus escuta e questiona os sábios de Israel e busca a vontade do Pai.
No templo, Jesus instrui o povo antes de enfrentar a paixão. Jesus expulsa do recinto sagrado os vendedores e cambistas e recorda as passagens de Is 56,7 e Jr 7,11, embora omita a referência a “todas as nações” (Lc 19,46).
O templo é frequentado assiduamente pelos apóstolos depois da ressurreição e é o local onde é revelado a Paulo que deve deixar Jerusalém porque o seu testemunho não será aceito.
Em Atos 22,18.21 as palavras do Ressuscitado simplificam concretamente o valor ambivalente que o templo assume na teologia lucana, reveladora e conflituosa.
Em primeiro lugar, é o lugar onde Jesus se revela como Kyrios. Aquele que Israel rejeitou e condenou à morte foi ressuscitado por Deus e feito Senhor e Cristo e agora aparece na morada divina por excelência.
O templo é o lugar onde ocorre mais um conflito entre Paulo, testemunha do evangelho, e os primeiros destinatários da missão evangelizadora, os judeus. A ruptura é ainda mais significativa se pensarmos na insistência de Paulo na sua lealdade à fé judaica.
O movimento cristão descrito na obra lucana é concebido como um grupo dentro do judaísmo, não separado dele, mesmo que a sua mensagem seja rejeitada pela maioria dos judeus. Não é improvável – afirma Landi – que mesmo o público a quem se destina a obra lucaniana não se sinta definitivamente separado do judaísmo e, como os outros grupos que sobreviveram à primeira guerra judaica (66-70 d.C.), se encontre perante o grave crise provocada pela destruição do templo (70 d.C.), cultivando a esperança de que este pudesse ser reconstruído.
Diante das ruínas do lugar sagrado, as questões mais urgentes eram sobretudo duas: Deus retirou-se definitivamente da presença do seu povo desde que a sua casa terrena foi demolida? Se o altar dos sacrifícios foi derrubado, como será possível obter o perdão divino?
Jesus perdoa os pecados do paralítico curado (Lc 5,17-26) e do pecador (Lc 7,36-50, Atos 13,38).
A remissão dos pecados faz parte integrante do mandato missionário que o Ressuscitado dá aos seus discípulos (Lc 24,47); é uma peculiaridade da escrita lucaniana sem confirmação nem em Marcos nem em Mateus (Lucan Sondergut). Só em Lucas a conversão com vista à remissão dos pecados está expressamente ligada ao cumprimento das Escrituras.
A resposta do cristianismo à crise representada pela destruição do edifício templário e pela demolição do templo é de natureza cristológica e eclesial: a comunidade recebeu a tarefa de proclamar o arrependimento a Israel e às nações em vista do perdão divino, obtido tornando-se batizar em nome de Jesus e crer nele (Atos 2,38-40; 3,19-20,26; 5,31; 7,60; 10,43; 13,37-39; 14,15; 17,30-31; 22,16; 26,17-18).
Na Obra Lucaniana - Evangelho e Atos dos Apóstolos - é relevante o tema da rejeição e da hostilidade que Jesus e seus seguidores encontram por parte da maioria dos judeus (cf. a profecia de Simeão sobre Jesus como um "sinal contradito"; sua presença provocar a queda e ressurreição de muitos em Israel, Lucas 2,34).
Até os transeuntes da sinagoga de Nazaré reagem violentamente ao discurso de Jesus e é um sinal do ostracismo que Ele sofrerá (Lc 4,28-29). A tipologia do profeta enviado por Deus e contrariado pelo povo, que Lucas utiliza extensivamente para descrever o seu protagonista, é retirada das Estruturas, que já a previam. Lucas não sugere que a missão a Israel tenha terminado.
O mandato missionário “de Jerusalém” (Lc 24,47) não indica a separação definitiva do ambiente judaico, mas o ponto de partida da missão destinada a irradiar-se até aos confins da terra. A primazia do anúncio da salvação a Israel nunca é questionada, como se depreende dos mandatos missionários que o Ressuscitado dá aos apóstolos (Lc 24,44-49; At 1,8) e a Paulo (At 9,15; 22,14-15).
O Deus de Israel, de facto, é também o Senhor que se revela às nações, oferecendo-lhes a possibilidade de se arrependerem e de se converterem para obterem a salvação. Jesus aprecia a fé do centurião; Piero entra na casa de Cornélio, observando que Deus não declara nenhum homem profano ou impuro, mas “acolhe os que o temem e praticam a justiça, a qualquer nação a que pertençam” (Atos 10,35). O Deus vivo, que fez o céu e a terra, não deixou de ser benevolente para com cada homem; é o Deus a quem Paulo pertence que garante a sobrevivência dos homens que partilham com ele a viagem para a Itália (Atos 27,21-26).
A caracterização da figura de Deus é paradigmática para a compreensão do projeto teológico lucaniano: é Deus quem cumpre as promessas feitas aos patriarcas, garantindo benevolência e ajuda ao seu povo; ele é o Pai de Jesus, o Ungido destinado a proclamar o ano da graça, o rei davídico que governará para sempre a sorte de Israel; além disso, ele é o Deus que estende os benefícios da salvação a todos os povos.
Lucas é o único entre os evangelistas a descrever o mandato missionário conferido pelo Ressuscitado aos apóstolos segundo o modelo desenvolvido por Deutero-Isaías (Is 43,8-12; 44,6-8) relativo ao testemunho de Israel entre as nações.
É necessário ter presente – segundo Landi – que a abertura da porta da fé ao povo (cf. At 14,27) não é uma consequência direta da rejeição de Israel, mas faz parte do plano divino de salvação (cf. Atos 1,8).
A comunidade cristã configura-se como um corpus mixtum, no qual judeus e gentios que aderiram ao evangelho pela fé em Jesus Cristo superaram preconceitos, tensões e conflitos iniciais graças ao grupo de apóstolos, empenhados em discernir a vontade de Deus, que “desde o princípio escolheu (lit.: visitou para levar) um povo dentre os gentios para o seu nome” (Atos 15,14). O povo que Deus escolheu para si é o Israel escatológico, cujo primeiro núcleo é representado pelos doze apóstolos, símbolo das doze tribos de Israel cuja recomposição estava prevista para a plenitude dos tempos, e por aqueles que acolheram o evangelho e acreditaram no Senhor Jesus.
No Evangelho de Lucas testemunhamos a progressiva cristologização do conceito de basileia.
Na Última Ceia, Lucas faz Jesus introduzir, em três circunstâncias, declarações que aludem à natureza escatológica do reino de Deus. São Sondergut lucanianos, sem paralelos em Mc e Mt.
Jesus afirma que não comerá mais a ceia prevista para a Páscoa até que ela se cumpra no reino de Deus (Lc 22,16); não beberá mais do fruto da videira até que chegue o reino divino (22,18); por fim, ele confia aos discípulos que está preparando para eles um reino, assim como o Pai o preparou para ele, para que possam sentar-se à mesa do seu reino para julgar as tribos de Israel (22,29-30).
Ao contrário de Marcos, Lucas atribui a iminência do Reino em 4.43 não ao início do ministério público de Jesus, mas à sua pregação. Aos que querem mantê-lo depois de ter obtido benefícios terapêuticos e exorcísticos, Jesus diz:"É necessário que eu anuncie a boa nova do reino de Deus também a outras cidades; para isso fui enviado" (ver também 8,1).
O reino de Deus apresenta-se como uma realidade presente e, ao mesmo tempo, futura: já pertence aos pobres (6,20) e aos que são como crianças (18,16-17); alguns contemporâneos de Jesus não morrerão antes de terem visto o Reino (9,27). A proximidade do Reino é o objeto da pregação confiada aos primeiros missionários (10, 9.11). O triunfo de Cristo sobre os demônios é a prova mais clara de que o Reino já opera através dele (11.20). Os mistérios do reino são revelados aos discípulos (8.10; cf. 12.32); porém, não devem deixar de procurá-lo (12,31), evitando ser dominados pelas preocupações mundanas.
O reino de Deus, porém, é também a meta pela qual devemos nos esforçar: devemos nos esforçar para passar pela porta estreita da fé e pelas exigências que o seguimento dela exige para sermos acolhidos no Reino (13,23-30; cf. 16,16). Aos fariseus que perguntam quando chegará o reino de Deus, Jesus responde que já está entre eles (17.21). Contudo, voltando-se para os seus discípulos, Jesus anuncia-lhes o dia em que o Filho do Homem aparecerá no futuro (17,22-37): a ligação entre a realeza divina e a manifestação do Filho do Homem no fim dos tempos é uma Peculiaridade lucaniana.
Mesmo no discurso escatológico, que Lucas toma emprestado de Marcos, embora com modificações e acréscimos, a realeza divina será revelada em plenitude contextualmente ao dia do Filho do Homem (cf. Mc 13,29; Mt 24,33, Lc 21,31). Mc e Mt falam de Jesus estar próximo, Lucas da proximidade do reino de Deus.
A espera ligada à manifestação da realeza divina é um tema ao qual Lucas parece particularmente sensível; outra prova é dada pela introdução que ele coloca antes da parábola das dez minas (19,11-27), sem paralelo em Mt 25, 14,30. Somente Lucas combina os motivos da realeza e do retorno do Filho do Homem na hora marcada.
O senhorio de Cristo é um conceito inclusivo na perspectiva lucana. O anjo atesta solenemente que o seu reino não terá fim (Lc 1,32); um dos criminosos pede a Jesus que entre no seu reino (23.42). Em Atos é possível identificar uma composição quiástica entre o início e o fim da história, destacando também neste caso a dimensão cristológica do reino de Deus:
a) Jesus (1,1); b) reino de Deus (1,3); b1) reino de Deus (28,31a); a1) Jesus (28,31b).
Os Atos dos Apóstolos começa com Jesus aparecendo aos discípulos durante quarenta dias falando com eles sobre tudo o que diz respeito ao reino de Deus (1,1-3) e termina com a inclusão representada por Paulo que, em Roma, acolhe judeus e gentios e anuncia-lhes o que diz respeito à realeza divina e ao senhorio de Cristo (28,31).
A pergunta formulada pelos apóstolos em Atos 1,6 provavelmente reflete a expectativa relativa à manifestação do reino para Israel, ainda viva na época em que Lucas escreveu a sua obra. A resposta de Jesus desvia a atenção do público da curiosidade de saber os tempos e momentos em que ele se reservará o direito de restabelecer a sua soberania sobre Israel.
A efusão do Espírito, profetizada pelos profetas para a restauração das doze tribos no fim dos tempos (cf. Is 42,1; 44,3; Ez 36,24-28; 37,14; 39,29; Joel 2,28-3,1), está em vista do testemunho que os apóstolos devem dar ao Ressuscitado (Lc 24,48; At 1,8), constituído Cristo e Senhor.
O tempo atual do cristianismo ao qual pertence Lucas e para o qual está prestes a compor uma obra tão difícil, caracteriza-se pelo compromisso de proclamar, "com toda a franqueza e sem impedimentos" (Atos 28,31), a Israel e aos gentios que a salvação divina está destinada a todo homem, desde que ele acolha o evangelho e creia no Senhor Jesus.
A poderosa obra de Antonio Landi está estruturada numa Introdução geral (p. 9-48), seguida pela Tradução e comentário (p. 49-802) e vários índices: Siglas e abreviaturas (p. 803-808); Autores e obras antigas (p. 809-812); Índice de autores modernos (p. 813-818); Bibliografia geral (p. 819-850); índice geral (p. 851-856).
Para cada perícope examinada, o autor relata o texto em tradução pessoal, a delimitação e articulação do trecho e, por fim, o comentário. Este último é feito versículo por versículo ou para unidades de significado muito curtas. Na maior parte, ele reconstrói e ilustra o significado dinâmico do texto, sem ceder a muitos insights filológicos. As palavras gregas são relatadas em transliteração científica e as notas de rodapé são muito concisas e em número limitado.
Saudamos com grande prazer este importante comentário ao Evangelho de Lucas, com uma abordagem particular e parcialmente inovadora, escrito em linguagem simples e acessível a todos (com alguma preparação em língua grega).
Acredito que Antonio Landi terá o prazer de dedicar este esforço também ao seu colega e amigo Mons. Antonio Pitta – presidente da Associação Bíblica Italiana falecido repentinamente em 1º de outubro de 2024 – com quem colaborou diversas vezes em trabalhos exegéticos. O Jesus misericordioso atestado no Evangelho de Lucas irá acolhê-lo na plenitude da alegria do seu Reino e do Pai.
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Lucas. Um comentário. Artigo de Roberto Mela - Instituto Humanitas Unisinos - IHU