31 Outubro 2024
Arranjos sustentando conservação e economias são chave para proteger esses ambientes onde a maioria das terras é privada
A reportagem é de Aldem Bourscheit, publicada por ((o))eco, 30-10-2024.
Desprezadas na hora da conservação, as pastagens naturais do planeta ainda guardam inúmeras espécies e estocam o carbono que aquece o planeta, mas somem rapidamente para dar espaço a lavouras e até pela erosão de culturas e tradições. Salvá-las pede mais proteção privada e de governos.
Diretor do Centro de Ecologia da Conservação do renomado Instituto Smithsonian, na Virgínia (Estados Unidos), Peter Leimgruber percorreu o planeta avaliando como evitar a extinção de grandes animais, como elefantes e tigres asiáticos, pandas chineses, gazelas e cavalos da Mongólia.
As jornadas em campo e o vaivém das espécies revelado por satélites que nunca dormem lhe contaram como a mão humana muda diferentes ambientes naturais no mundo todo, geralmente para pior.
“O Pampa brasileiro é provavelmente um dos ecossistemas mais ameaçados do mundo”, reconheceu a ((o))eco na 16ª conferência (COP16) dos quase duzentos países ligados à Convenção da Diversidade Biológica (CDB) das Nações Unidas.
Restrito ao Rio Grande do Sul, o bioma é um dos mais arrasados do país pelo crescimento de lavouras de soja, pinus e eucaliptos. Também falta proteção legal para manter suas mais de 3,6 mil espécies de plantas, mamíferos, aves e peixes.
“O Pampa tem apenas 2,3% do território brasileiro, mas abriga 9% da biodiversidade nacional”, lembrou o mestre em Engenharia Ambiental pela Universidade Federal de Santa Maria (RS) Pedro Pascotini, gerente da Alianza del Pastizal na ong Save Brasil.
Além disso, as regiões com pastagens naturais igualmente guardam na vegetação e no solo gases que, se forem liberados na atmosfera pelo crescimento de lavouras e outras frentes destrutivas, reforçam a crise climática.
“Todos esses ecossistemas são importantes em biodiversidade, em serviços ecossistêmicos, para manter culturas. São parte dos patrimônios brasileiro e global”, ressaltou Leimgruber.
Um dilema dos campos naturais é sua fácil “mudança” para lavouras e outras economias. É mais barato plantar capins exóticos, como o annoni, ou trocar uma pastagem nativa por soja, do que fazer isso no meio da Amazônia.
Mantidos no passado por grandes animais já extintos, os cenários únicos dessas regiões são mantidos hoje por milhões de cabeças de gado. Mas a pastagem exagerada degrada várias delas, como na África e no Cerrado brasileiro. Estradas, cercas e incêndios rompem com os caminhos naturais que as espécies abriram ao longo de milhares de anos para comer e procriar.
O legislativo federal também pode ajudar a destruir os campos nativos. Se forem aprovados, projetos de lei de ruralistas tramitando no Congresso desprotegem 48 milhões de ha dessas pastagens no país todo, uma área maior que a do Paraguai.
“Ampliar a conservação em terras privadas é essencial para evitar mais perdas de biodiversidade”, disse o coordenador da Alianza del Pastizal no Brasil, Pedro Pascotini (Save Brasil).
Já existem 1.877 Reservas Particulares do Patrimônio Natural no país, as chamadas RPPNs, reservando parte de fazendas para conservação. No Pampa, Pantanal e Cerrado são 331 delas, mostram bases como da Confederação Nacional de RPPNs.
Atuante também nos demais países pampeanos, Argentina, Uruguai e Paraguai, a Alianza promove a produção de carne certificada em fazendas com pelo menos metade da área com pastagens naturais.
Há 355 fazendas produzindo carne certificada em 44 municípios gaúchos. A área com pastos nativos é pouco maior que a da cidade de São Paulo (SP), ou 177 mil ha. “Os produtores recebem em média 9,5% acima da média do preço de mercado pelo quilo da carne”, contou Pascotini.
Isso ajuda a manter tradições associadas aos cenários e ambientes naturais no estado sulista, bem como metade das espécies de aves do Pampa, incluindo 21 ameaçadas de extinção.
Essa amarração de conservação e economia pode crescer em outras regiões do país onde quase todas as terras estão em mãos privadas, complicando ou encarecendo desapropriações para decretar parques nacionais e outras unidades de conservação.
“Um produtor no vermelho não protege o verde”, lembrou Cristina Tófoli, coordenadora de projetos no Instituto de Pesquisas Ecológicas (Ipê).
A ong apoia no Pantanal, bioma com mais de nove em cada hectares em fazendas privadas, iniciativas para ampliar a sustentabilidade da pecuária em pastos nativos, passada de geração a geração. Já foram envolvidas 85 fazendas no Mato Grosso e o projeto seguirá em breve para o Mato Grosso do Sul.
“A certificação das fazendas facilita a captação de recursos para conservação e melhorar a produção”, disse.
Se forem bem conduzidos, esses esquemas econômicos como no Pampa e Pantanal podem ser reconhecidos no Brasil e lá fora como fontes de conservação, disse Carlos Eduardo Sturm, chefe de gabinete na Secretaria de Biodiversidade e Florestas do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA).
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Pastagens nativas devem ser conservadas pela biodiversidade e equilíbrio do clima - Instituto Humanitas Unisinos - IHU