16 Outubro 2024
"A guerra é feia, muito feia, mas também é muito racista", escreve Igiaba Scego, escritora, que possui graduação em Línguas Estrangeiras e doutorado em Pedagogia, em artigo publicado por La Stampa-Specchio, 13-10-2024. A tradução é de Luisa Rabolini.
As guerras tornam as pessoas frágeis. Cada pessoa volta a ser apenas carne. Carne que busca uma salvação qualquer em um abrigo ou do outro lado da fronteira. Mas na guerra - às vezes seguindo o fluxo do mainstream isso nos escapa - há corpos mais frágeis do que outros. Esse é o caso das migrantes africanas (e não só) no sul do Líbano. Mulheres vindas de Serra Leoa, Nigéria, Quênia, Etiópia e Sri Lanka para trabalhar como “cuidadoras” para a burguesia libanesa. Sua situação, já muito precária em tempos de paz, em tempos de guerra, com os bombardeios da IDF, está se tornando insustentável.
Quase todas chegaram ao Líbano por meio do sistema Kafala, uma estrutura jurídica em que o empregador se torna o tutor legal de fato da pessoa migrante, como se fosse menor. O trabalhador é, portanto, dependente em tudo e por tudo de seu empregador e, assim, o sistema sanciona uma escravidão de fato por meio de duvidosos canais legais. Nessa estrutura, as trabalhadoras e os trabalhadores não têm direitos e precisam enfrentar todos os dias condições de trabalho ruins, abusos, discriminações raciais e violências. O início dos bombardeios piorou a situação. O racismo sistêmico vivenciado no local de trabalho, geralmente as casas, tornou-se um racismo que considera muitas dessas trabalhadoras como corpos de descarte, dispensáveis, dejetos.
Corpos estrangeiros. Por isso, foi negado a elas o acesso a abrigos, por exemplo, porque, como não libanesas, não podiam entrar. O desejo de muitas delas, então, passa a ser o de retornar ao seu próprio país. Mas não podem, porque seus passaportes foram confiscados por seus empregadores, que nesse meio tempo fugiram.
Além disso, falta dinheiro e elas têm a rua como único refúgio. Tornam-se não apenas sem-teto, mas alvos móveis e expostas. Algumas com seus filhos encontram abrigos temporários e inseguros, outras poucas vão para igrejas ou mesquitas. Essa situação não afeta apenas o Líbano. Quando a guerra eclodiu na Ucrânia, algo semelhante aconteceu com os muitos estudantes africanos e asiáticos que estudavam nas universidades do país. Naquela época, a hashtag #AfricansinUkraine foi canal para todos os tipos de denúncias.
Eles eram mandados descer dos ônibus, porque os ônibus que iam para a fronteira eram reservados para os habitantes locais. Muitos tiveram que caminhar por dias e, quando chegaram ao arame farpado entre a Ucrânia e a Polônia, foram isolados, bloqueados, insultados e, por fim, barrados. O duplo padrão era evidente. Pavoroso. Enquanto os europeus eram imediatamente evacuados, os africanos, asiáticos e latino-americanos tinham que enfrentar filas, controles e esperas exaustivas. Não apenas de horas, mas de semanas.
Em resumo, racismo do tipo mais truculento. Daquele que mais uma vez nega às pessoas racializadas espaço para respirar, possibilidade de salvação. Às vezes, até nega a memória. Como a dos trabalhadores tailandeses, migrantes, sub-remunerados em Israel, que morreram no massacre de 7 de outubro do Hamas e não lembrados por ninguém.
A guerra é feia, muito feia, mas também é muito racista.
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A guerra também é racista - Instituto Humanitas Unisinos - IHU