11 Outubro 2024
A teologia certamente tem muito a fazer. Como Giuseppe Lorizio nos lembrou recentemente, uma teologia inquieta e inquietante deve, antes de tudo, equipar-se para habitar a complexidade da vida real, em vez de apenas percorrer a única estrada dos contextos acadêmicos, de modo a despertar a si mesma do sono dogmático e trazer à tona a importância da valência pública e política da fé.
O artigo é de Francesco Cosentino, teólogo, professor de Teologia Fundamental na Pontifícia Universidade Gregoriana, de Roma, e membro da Secretaria de Estado do Vaticano publicado por Settimana News, 10-10-2024. A tradução é de Luisa Rabolini.
A abalizada intervenção de Severino Dianich sobre a “traição dos teólogos” deu origem a um debate animado, com reflexões e considerações críticas que merecem ser bem aprofundadas e, talvez, lidas de forma sincrônica.
Há bem pouco a dizer sobre a marginalidade da voz dos teólogos, especialmente em referência às graves convulsões sociais da nossa época e aos muitos arquejos de esperança que se elevam dos gritos de dor dos pobres, dos migrantes e das vítimas da guerra. Isso vai em descrédito da própria natureza da teologia, que não é um comentário erudito sobre a doutrina ou um mero aprofundamento intelectual da fé, mas o exercício da mediação contínua do evento cristão na cultura e na história.
Como Moltmann afirmava, de fato, a teologia é somente tal no contexto eclesial e cultural e é sempre “teologia da mediação, pois comunica a mensagem cristã da tradição ao horizonte de compreensão dos homens do presente”. A mediação entre a tradição cristã e a cultura do presente é a tarefa mais importante da teologia em geral. Sem uma relação viva com as possibilidades e os problemas dos homens do presente, a teologia cristã se torna estéril e irrelevante.
Sem de forma alguma desmentir a corajosa denúncia de Dianich, acredito que a questão deve ser abordada também a partir de inúmeros fatores - ad intra e ad extra - que, a seu modo, têm a ver com a atual irrelevância do pensamento teológico no contexto contemporâneo. Ou seja, não depende exclusivamente de uma suposta ignava por parte dos teólogos, nem seu mutismo pode ser atribuído apenas à sua responsabilidade pessoal, talvez por cálculo prudencial ou incapacidade de elaborar uma visão.
Tudo isso, infelizmente, não falta e, no entanto, é útil para colocar em foco alguns problemas não resolvidos que, ao longo do tempo, geraram um contexto no mínimo desfavorável - e até mesmo pouco estimulante - para o trabalho dos teólogos. Eles se referem tanto à comunidade cristã quanto à sociedade civil: para ambos os contextos, a teologia hoje perdeu peso.
Quando nos aprofundamos nas leituras da crise atual relativa à transmissão da fé e à pertença eclesial, muitas vezes nos detemos no sofrimento de alguns protagonistas ou agentes da vida pastoral. Talvez por uma vez tenhamos a oportunidade de nos debruçar também sobre a solidão do teólogo e, consequentemente, sobre o seu sofrimento.
Por mais doloroso e desagradável que seja admitir, é no próprio âmbito eclesial - entre os bispos, entre os padres, entre os leigos - que o empenho pela reflexão teológica foi, ao longo do tempo, estigmatizado e cada vez mais marginalizado, caindo sob os golpes de uma banalidade desarmante, alimentada por clichês e preconceitos.
Portanto, ao enfrentar o mutismo dos teólogos, devemos nos perguntar honestamente: o quanto é considerada importante hoje a teologia na Igreja Católica? O trabalho dos teólogos é estimado, reconhecido e incentivado? A voz dos teólogos recebe a devida consideração na variegada constelação da vida pastoral e eclesial?
O que aparece diante de nossos olhos é muitas vezes desolador: outras questões frequentemente ficam no topo das prioridades pastorais, às vezes motivadas por necessidades sacramentais ou de outro tipo, com energias quase todas catalisadas pela piedade popular ou por alguma pequena devoção; tudo bem, se não fosse o fato de que, lenta mas gradualmente, a nossa religiosidade sofreu uma metamorfose tão grande que assumiu cada vez mais a forma de uma “religião agnóstica e humanista... ocasional, imediata, experimental, com um toque fútil de ritualidade e misticismo”, para a qual o exercício do pensamento teológico parece irrelevante e supérfluo.
Evidentemente, a própria teologia tem suas responsabilidades, a partir do momento que “ocupa-se excessivamente de si mesma e se entretém com a infinita narração de seu pensamento, de sua história, de como foi formada, de seus bens e adereços”, em uma autorreferencialidade que a relega a ser apenas “um instrumento de formação doutrinária do pessoal eclesiástico”. No entanto, a desvalorização eclesial do empenho teológico, relegado às margens, com os teólogos sendo restritos a figuras de nicho que ninguém entende quando falam, não ajuda.
Não se deve esquecer, além disso, que por muito tempo os teólogos estudaram, trabalharam, ensinaram e publicaram sob um olhar suspeitoso e desconfiado, que muitas vezes pôs sob acusação a sua liberdade de pensamento e pretendeu um alinhamento doutrinário formal, mortificando sua capacidade crítica e a paixão pela pesquisa, efetivamente lançando sombras sobre quem ousasse pensar fora e além dos esquemas preestabelecidos; como história dos efeitos, o povo de Deus teve o cuidado de não se afastar muito das alturas do pensamento, preferindo cultivar uma fé passivamente obediente, “segura” e “certa”.
Sobre esses tempos nos consola o magistério de Francisco quando afirmou que a unidade na Igreja não equivale à uniformidade total sobre todas as questões; ele afirmou que “às vezes a segurança da doutrina é confundida com a suspeita pela pesquisa” e recomendou: “fique em mar aberto! O católico não deve ter medo do mar aberto, não deve buscar o abrigo de portos seguros”.
No entanto, continua sendo uma contradição invocar a voz dos teólogos enquanto o próprio contexto em que atuam corre o risco de silenciá-los ou os incentiva ao mutismo. No contexto cultural
Voltando ao contexto cultural, ele não é de forma alguma mais hospitaleiro, especialmente na Europa. Seja do debate cultural público ou de alguma questão específica, talvez trazida ao centro das atenções por algum evento vindo dos noticiários, o teólogo raramente é considerado como uma das possíveis vozes a serem buscadas. Na rede de comentaristas, analistas, especialistas e “tudólogos”, ao teólogo não é reconhecido nenhum tipo de autoridade que lhe “permita” intervir, o que faz com que, na maioria dos casos, os teólogos intervenham em seu próprio ambiente, nas páginas de blogs, revistas e jornais que - com poucas exceções - permanecem destinados a um universo exclusivamente católico.
Em sua perspicaz reflexão sobre o tema, o teólogo Christian Duquoc já afirmava há vinte anos: “os teólogos não têm mais interlocutores: a cultura moderna não honra sua disciplina”. De acordo com Duquoc, não há falta de responsabilidade por parte dos próprios teólogos, que às vezes dão a impressão de proceder em seus argumentações com métodos híbridos do ponto de vista científico, de apelar de forma demasiado acrítica à autoridade de suas fontes e de se refugiar em questões marginais em vez de compartilhar os principais interesses das nossas sociedades; nesse sentido, “eles pagam o preço do exílio por sua lentidão em se libertar de interesses já ultrapassados; quase não são mais ouvidos no espaço público hoje por causa da história real ou suposta de sua compreensão totalitária e, ao mesmo tempo, corporativa da verdade”.
Mesmo assim, não faltam questões inerentes ao próprio contexto cultural, àquela pós-modernidade que se configura como uma realidade multiprospectiva, marcada por “impossibilidade de uma perspectiva central, impossibilidade de um centro da história” a partir do qual ler a vida e a realidade.
Trata-se de um contexto que assume o ponto de vista democrático, parcial e plural contra a pretensão coerente e unificadora que os teólogos costumam almejar; Duquoc fala sobre isso como sendo uma conjuntura inóspita que se libertou da esperança religiosa não mais por meio de um sistema de pensamento ateísta, mas caindo na indiferença; uma realidade em que triunfa a visão tecnocrática e matemática da verdade em detrimento daquela simbólica; uma crise geral da autoridade e das instituições que, se por um lado não impede uma certa disseminação das religiões em meio às culturas, por outro já as enfraqueceu em sua pretensão de serem legitimadas em termos de sua palavra e proposta.
Trata-se de realidades contextuais e culturais que, como bem podemos ver, incluem lentidões e atrasos dos teólogos, mas, ao mesmo tempo, vão muito além.
A teologia certamente tem muito a fazer. Como Giuseppe Lorizio nos lembrou recentemente, uma teologia inquieta e inquietante deve, antes de tudo, equipar-se para habitar a complexidade da vida real, em vez de apenas percorrer a única estrada dos contextos acadêmicos, de modo a despertar a si mesma do sono dogmático e trazer à tona a importância da valência pública e política da fé.
Mas a reflexão sobre o contexto eclesial, que parece paradoxalmente mais inóspito do que possa ser como cultural, sugere que tal cuidado deve partir de longe. Recentemente, descobri que, para algumas doenças raras, os novos medicamentos são mais eficazes porque não intervêm mais no final do processo, mas - como se diz tecnicamente - “a montante da cascata”, ou seja, onde a inflamação começa. Portanto, o montante da cascata dos teólogos é a própria comunidade cristã: é de lá que eles vêm, e seu caminho de fé, às vezes até de formação religiosa ou sacerdotal, obviamente acontece lá.
Não se pode pretender agir sobre seu mutismo se eles, como todos os outros, nascem, crescem, creem e se formam em um contexto que muitas vezes não considera o exercício teológico como necessário, na maioria das vezes esnobando-o ou, de qualquer forma, relegando-o a um nicho para poucos eleitos. A menos que se queira simplesmente apostar na inclinação, na liberdade de pensamento e na paixão pessoal de cada teólogo, uma aposta que, no entanto, parece excessivamente otimista.
[1] J. Moltmann, Che cos’è oggi la teologia, Queriniana, Brescia 1991, 67.
[2] Cf. P. Sequeri, “Bastioni da abbattere o ponti da costruire?”, in P. Sequeri-E. Salmann-C. Theobald, La teologia non ha futuro senza immaginazione, Vita e Pensiero 4/2021, 71.
[3] E. Salmann, “Cari teologi, la prognosi è riservata”, in P. Sequeri-E. Salmann-C. Theobald, La teologia non ha futuro senza immaginazione, 78.
[4] P. Sequeri, “Bastioni da abbattere o ponti da costruire?”, 73-74.
[5] Ivi, 74.
[6] Sobre essa questão pode-se ler H. Verweyen, La teologia nel segno della ragione debole, Queriniana, Brescia 2001, em especial 6-31.
[7] Papa Francesco, Discurso à comunidade de La Civiltà Cattolica, 9 febbraio 2017.
[8] C. Duquoc, La teologia in esilio. La sfida della sua sopravvivenza nella cultura contemporanea, Queriniana, Brescia 2022,
[9] Ivi, 8.
[10] E. Salmann, Passi e passaggi del cristianesimo. Piccola mistagogia verso il mondo della fede, Cittadella, Assisi 2009, 37.
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Sobre o “mutismo” dos teólogos. Artigo de Francesco Cosentino - Instituto Humanitas Unisinos - IHU