01 Outubro 2024
As duas primeiras meditações do padre dominicano, pronunciadas na manhã desta segunda-feira na Sala Nova do Sínodo, durante o retiro espiritual dos participantes da Assembleia sinodal.
A reportagem é de Isabella Piro, publicada por Vatican News, 30-09-2024.
Foi o Evangelho de João (20, 1-18 e 20, 19-29) a servir de fio condutor das duas meditações realizadas na manhã desta segunda-feira, 30 de setembro, pelo padre dominicano Timothy Radcliffe. Participante da segunda sessão da XVI Assembleia Geral Ordinária do Sínodo dos Bispos como assistente espiritual, como já no ano passado, o religioso se pronunciou na Sala Nova do Sínodo por ocasião do retiro espiritual em andamento até a terça-feira, 1º de outubro, e dedicado aos membros, delegados fraternos e convidados especiais da Assembleia.
Na primeira meditação, o padre Radcliffe centrou-se no tema da “Ressurreição como uma busca na escuridão” em um mundo “obscurecido pela violência” e no qual Deus “parece ter desaparecido em grande parte”, especialmente no Ocidente, devido ao ateísmo, à indiferença e ao ceticismo, o religioso exortou a colocar-se, como Maria Madalena, em busca do Senhor. “O mundo está cheio de lágrimas”, acrescentou o clérigo, citando o drama da guerra no Oriente Médio, na Ucrânia, no Sudão e em Mianmar. Mas, apesar desta “escuridão”, devemos estar conscientes da presença de Deus e ouvir o “grito daqueles que choram”.
O apelo à “escuta paciente, imaginativa, inteligente, de coração aberto”, que representa “a disciplina da santidade” foi outro tema abordado pelo padre Radcliffe: firme a sua advertência para que os participantes do Assembleia prestem atenção às perguntas dos outros “com respeito e sem medo”, porque somente assim será possível encontrar “uma nova forma de viver no Espírito”.
Os questionamentos são importantes, acrescentou o religioso, mas não podem ser vistos simplesmente como “questões sobre a possibilidade ou não de conceder algo... por exemplo, sobre o papel das mulheres na Igreja”. O que é necessária, no entanto, são os "questionamentos mais profundas do nosso coração", as "perguntas desconcertantes que nos convidam a uma vida nova" e sem as quais a fé acabaria como letra morta.
Um outro “instrumento” do trabalho sinodal deverá ser o reconhecimento integral do outro, a partir do seu nome: “Deus nos chama sempre pelo nome – explicou o religioso –. E o nosso nome é sinal do fato que somos custodiados pelo Senhor na nossa singularidade.” Nesta perspectiva, o Sínodo será efetivamente “um momento de graça”, um encontro “frutífero” se os seus participantes aprenderem a “dizer 'nós'” e se verem uns aos outros não como “representantes dos partidos da Igreja”, mas como Fratelli tutti, “alegres companheiros de busca”, porque “cada caminhante tem necessidade do outro" e também aqueles que poderiam se sentir excluídos da Assembleia. Padre Radcliffe mencionou em particular as mulheres, os teólogos, os párocos – que na realidade são fundamentais, pois “sem eles, a Igreja não pode tornar-se verdadeiramente sinodal”.
O Sínodo, de fato, afirmou o religioso ao concluir a sua primeira meditação, “precisa de todos os caminhos para amar e buscar o Senhor, assim como nós precisamos dos buscadores do nosso tempo, mesmo que não partilhem a nossa fé”. Porque é abrindo-nos ao desejo de infinito do outro que poderemos “lançar o barco da missão”.
O tema da missão esteve no centro da segunda meditação do padre Radcliffe, intitulada “O quarto fechado a chave”: "o tema desta Assembleia é uma Igreja sinodal em missão – disse ele – e o coração desta missão é ensinar as nossas doutrinas". Um objetivo certamente desafiador no contexto de uma sociedade “afligida por um profundo preconceito contra os dogmas”, ainda que não faltem “salas fechadas e sufocantes” representadas pelo relativismo, pelo fundamentalismo religioso, pelo materialismo, pelo nacionalismo, pelo cientificismo que “bloqueiam as pessoas em pequenas imaginações." Os ensinamentos da fé, ao invés disso – reiterou o sacerdote dominicano – “abrem as portas dos nossos corações e das nossas mentes, impelem-nos para além das pequenas respostas e rumo à busca infinita d’Aquele que é infinito amor e verdade”.
Mas nos “quartos sufocantes” os discípulos também ficam aprisionados pelo medo, que os impede de “se tornarem vivos em Deus e, portanto, pregadores do Evangelho da vida em abundância”. Em vez disso – esta é a exortação do padre Radcliffe – é preciso “correr o risco de nos machucar-se", de se ferir, como o Senhor Ressuscitado. Este é um risco que vale a pena correr, porque Deus nos deu o dom da sua paz, que não pode ser destruída por nada.
Mas além do medo de se ferir, acrescentou o religioso, há um outro temor a ser derrotado: aquele experimentado por que sente “um amor feroz pela Igreja” e que, fechados na sua mentalidade, temem que seja prejudicada devido a reformas que modificam as tradições. Tudo isto, porém, acaba por "nos fechar em um mundo limitado, olhando para o nosso umbigo eclesial", prontos a denunciar os "desvios dos outros". Em vez disso, “a Igreja está nas mãos do Senhor e Deus prometeu que as portas do inferno não prevalecerão contra ela”.
É preciso, portanto, sair das prisões “do narcisismo e da 'partidocracia'”, abrindo-nos aos “horizontes sem limites” nos quais Deus se revela e perdendo-nos no seu amor.
"Somos chamados a aventurar-nos no desconhecido, a abandonar o que é familiar e seguro e a empreender uma viagem ou uma busca – sublinhou o padre Radcliffe. No entanto, não gostamos de correr riscos. Estamos satisfeitos com a pessoa que criamos ou construímos porque tememos ter sido criados à imagem de Deus. Esta incapacidade de responder ao chamado à vida, esta incapacidade de acreditar, chama-se pecado.
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Radcliffe no retiro sinodal: não aos medos e narcisismos, mas ouvir com o coração aberto - Instituto Humanitas Unisinos - IHU